Filme conta o ótimo ator Ricardo Darín como um piloto das forças armadas argentinas no período da ditadura (Fotos: DeaPlaneta/Divulgação) |
Patrícia Cassese
Há acontecimentos históricos que, olhados à distância, mesmo que o avanço temporal não seja tão significativo assim, não raro parecem pertencer à prateleira da ficção, tão inacreditáveis que são. Os voos da morte, um dos episódios mais absurdos - não há outra palavra - das ditaduras implantadas no continente sul-americano, certamente pertencem a essa categoria.
E é essa prática que vem à tona em "Kóblic", filme argentino de Sebastián Borensztein que estreia nesta quinta-feira na cidade com Ricardo Darín no elenco. Produções cinematográficas do nosso país vizinho que se debruçam sobre essas "páginas infelizes da nossa história" têm sido (compreensivelmente) comuns. E pertinentes, posto que servem de alerta em tempos turbulentos, nos quais muitas vezes a razão passa para um perigoso segundo plano.
Mas é necessário frisar que o pano histórico de "Kóblic" pode ser facilmente descolado do subtexto que sublinha a narrativa. Afinal, o dilema que o personagem homônimo enfrenta é totalmente atemporal: até quando devemos dar a primazia à nossa integridade ética, moral; aos nossos princípios, quando o mundo ao redor clama pela nossa capitulação e pela adesão ao time por hora vencedor no placar? Neste ponto, o impasse no qual o piloto das forças armadas se vê pode ser aplicado a um sem número de situações - inclusive cotidianas.
A vida no campo, porém, não será das mais fáceis. Contratado para supostamente pulverizar inseticida nas plantações de um fazendeiro, Tomás Kóblic logo desperta a curiosidade dos locais, que passam a suspeitar da presença do misterioso recém-chegado. Para piorar as coisas, Kóblic acaba se envolvendo com Nancy (Inma Cuesta), uma bela mulher que toca a pequena venda e o posto de combustíveis pertencentes ao seu companheiro, um homem tosco e violento, cujo sentimento de posse pela garota (que, vamos combinar, é a cara da atriz Marieta Severo mais jovem) será devidamente explicado no desenrolar da história.
Confrontado com seu passado recentíssimo, Kóblic tem que tomar uma decisão difícil - ou melhor, várias decisões árduas e intrincadas. Para norteá-lo, contará com um pequeno objeto herdado de seu pai - objetivamente inútil para a situação na qual se encontra, mas ideologicamente carregado de significados. No fundo, o que está em cena - e repetindo o que já foi dito no início desta resenha - é o quão devemos nos opor- e até estoicamente - ao que não nos faz o menor sentido, mesmo que a luta pareça já estar previamente vencida. Uma luta moral, enfim. Classificação: 14 anos
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