Estarão disponíveis online e gratuitamente, até 20 de setembro, 98 filmes nacionais e internacionais (Fotos: Mostra Ecofalante de Cinema/Divulgação) |
Carolina Cassese
“Temos que aprender a ser índios antes que seja tarde. O encontro com o mundo indígena nos leva para o futuro, não para o passado”. A frase de Eduardo Viveiros de Castro, renomado antropólogo brasileiro, foi dita em 2017, na Flip. Desde então, a situação dos povos indígenas no Brasil se tornou ainda mais crítica.Com a agenda do atual governo federal, as invasões de terras por garimpeiros e madeireiros se intensificaram, enquanto órgãos como a Funai e o Ibama, que deveriam garantir a proteção dos índios e do meio ambiente, estão sendo desmontados. Nos primeiros quatro meses de 2020, o desmatamento na Amazônia brasileira atingiu um novo recorde - dado extremamente preocupante considerando que em 2019 diversos incêndios se proliferaram na região.
Diante deste contexto, agravado por uma pandemia que escancarou as desigualdades e colocou em xeque o sistema predatório em que estamos inseridos, a Mostra Ecofalante de Cinema, apresenta sua nona edição, que desta vez será online, reunindo títulos que abordam não apenas as questões indígenas e ambientais, mas também a luta pelo direito dos negros, das mulheres e dos LGBTQ+s. São 98 filmes na disputa de duas competições, além de debates e exibição de clássicos, que estarão disponíveis gratuitamente até 20 de setembro. Os participantes poderão também contribuir para causas sociais e ambientais.
O Cinema no Escurinho contará em duas partes um pouquinho sobre três filmes do catálogo que abordam a causa indígena e o meio ambiente - além de outras pautas caras à sociedade contemporânea. O primeiro será "Acqua Movie", de 2019, que disputa com "Amazônia Sociedade Anônima" o prêmio na categoria longa-metragem Competição Latino-Americana. Leia sobre as outras duas produções na sequência 9ª Mostra Ecofalante de Cinema - Povos e territórios em cena.
Acqua Movie
Dirigido por Lírio Ferreira, o longa acompanha a viagem realizada por Duda (Alessandra Negrini) e seu filho, Cícero (Antonio Haddad Aguerre). O percurso foi proposto pelo garoto, que quer levar as cinzas do pai, Jonas (Guilherme Weber), falecido recentemente, para o sertão de Pernambuco, sua terra natal. Além de ser um road movie que explora a relação entre os dois, "Acqua Movie" é um retrato importante do Brasil contemporâneo.
Duda é uma documentarista etnográfica, que trabalha especialmente filmando a Floresta Amazônica. Ela precisa dar uma pausa nas filmagens para realizar a viagem com seu filho. Durante o trajeto (de São Paulo até Pernambuco), Duda para na estrada para falar com alguns moradores da região e procura Zé Caboclo (Aury Porto), um índio que ela quer entrevistar. Em seguida, Cícero comenta: “Não sei o que você vê nos índios. Eles vivem pedindo esmola, atrapalhando a vida dos outros”.
A protagonista replica: “Onde você aprendeu esse absurdo? Espero que não tenha sido na escola, né?”. Em seguida, a câmera se direciona para um animal que está comendo um caderno. O diretor coloca em questão um ensino que, muitas vezes, conta a história a partir do ponto de vista hegemônico, sem abordar o fato de que tribos indígenas precisam atualmente resistir, com bastante dificuldade, a uma matança provocada pelos poderosos.
Pouco se aprende ainda sobre as funções da Funai e a importância do processo de demarcação de terras. Ao chegarem ao sertão, Duda e Cícero se reencontram com a família de Jonas, que comanda a região. O tio, Múcio (Augusto Madeira), é o prefeito de Nova Rocha. Ele, que defende uma política assassina contra os índios da região, logo presenteia Cícero com um canivete (que ainda tem um adesivo verde e amarelo colado). Considerando a força do discurso do “patriota cidadão de bem”, que precisa se defender dos “bandidos” com armas, o objeto é extremamente simbólico.
É preciso destacar a primorosa direção de fotografia, realizada por Gustavo Hadba, que dialoga muito bem com a narrativa. A água é um elemento presente desde a primeira cena do filme e é consideravelmente impactante quando vemos que a antiga cidade de Rocha atualmente se encontra submersa. Ao longo da produção, é possível notar processos violentos em diferentes dimensões.
Assustada depois de alguns acontecimentos, Duda precisa urgentemente ir embora de Nova Rocha. Do meio para o final, a produção ganha fôlego e ficamos apreensivos, torcendo pela personagem principal. Quando a documentarista e seu filho finalmente encontram Zé Caboclo, o índio profere uma frase emblemática: “Quando perceberem que não se come petróleo e não há mais ar puro para respirar, talvez seja tarde”.
Do começo ao fim, o longa comove, prende a atenção e consegue, ao mesmo tempo, ser sutil e passar a importância do tema. Há ainda, reflexões sobre o luto, o lugar da família e os diferentes tipos de conhecimento existentes. Longe de querer apresentar uma solução única para tantos problemas, "Acqua Movie" coloca questões - de maneira poética e sensível.
Leia, na sequência, a crítica dos filmes “Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito” e “Amazônia Sociedade Anônima” em 9ª Mostra Ecofalante de Cinema - Povos indígenas e Amazônia em cena
Ficha técnica - Acqua Movie
Direção: Lírio Ferreira
Produção: Chá Cinematográfico
Duração: 1h45
Gêneros: Ficção / drama
Classificação: Livre
SAIBA MAIS:
9ª Mostra Ecofalante de Cinema
Período: até 20 de setembro
Confira a programação completa no site: https://ecofalante.org.br/
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