Longa indiano acaba de chegar à Netflix com muito sucesso, abordando a luta de classes (Fotos: Netflix) |
Mirtes Helena Scalioni
A desigualdade é gritante. Enquanto uns poucos se esbaldam em carrões, mansões e fartura, a maioria vive a miséria das ruas e a fome. Frequentemente, empresários bem-sucedidos entregam malas de dinheiro a políticos corruptos, num círculo perverso de troca de favores para manutenção das diferenças.
Nas periferias, os miseráveis que mal têm o que comer, são subjugados e, submetidos à violência, obrigados a pagar propinas a milicianos. Raramente, os políticos aparecem nos bairros pobres. A não ser, claro, nas vésperas das eleições, com discursos e promessas de melhorias que nunca acontecem. Eis aí um ambiente propício para o surgimento de figuras de ética duvidosa, que mentem, trapaceiam e não medem escrúpulos para vencer na vida.
Ao contrário do que parece, não se trata do Brasil. Pelo menos neste caso, o país em questão é a Índia, onde se passa “O Tigre Branco” ("The White Tiger"), contundente e festejado filme de Ramin Bahrani, americano de origem iraniana, cuja obra tem sido comparada ao premiado “Parasitas”. O longa acaba de chegar à Netflix com muito sucesso e tem, no cerne da história, a luta de classes possível numa situação em que os ricos já começam a disputa com milhões de pontos à frente dos pobres.
Baseado no livro homônimo do escritor indiano Aravind Adiga, o filme conta a trajetória de Balram Hawai (Adarsh Gourav), da infância em uma vila paupérrima da Índia, até chegar a empreendedor de sucesso em Bangalore, cidade de mais de 8 milhões de habitantes que é o centro tecnológico do país. Por mérito próprio, inteligência, sorte e malandragem, o menino pobre que vence na vida é comparado a um tigre branco, maravilha raríssima da natureza que só aparece no mundo a cada 20 anos.
A vida de Balram começa a mudar quando ele vai para a capital Deli para se tornar motorista de Ashok (Rajkummar Rao), filho de um empresário milionário e, claro, corrupto. Inteligente e convenientemente submisso, o empregado escuta segredos e aprende artimanhas enquanto conduz o patrãozinho e sua bela mulher Pink (Priyanka Chopra Jonas) pela cidade e estradas da Índia. O casal se apresenta como civilizadamente ocidentalizado, mas, quando convém, topa ser tradicional e seguir as regras da família.
Pode-se dizer, sem medo de errar, que o sucesso de “O Tigre Branco” vai além de uma boa história bem construída, roteirizada, filmada, editada e dirigida. As atuações são perfeitas e convincentes, principalmente a do protagonista. Impressiona a interpretação de Adarsh Gourav, excepcional em seu primeiro papel principal. Há momentos em que o espectador fica em dúvida: ele está sendo sincero?
Narrador em off da própria trajetória, recurso que nem sempre agrada, aqui a narração, os flashbacks e os comentários só enriquecem o filme, até porque a linguagem transita entre o sarcasmo, a sinceridade, a esperteza e a bem-vinda reflexão sobre a ética, seus limites e universalidade.
O final, meio brusco, não compromete “O Tigre Branco”, que constrói ao longo da história uma interessante metáfora com países como a Índia (e o Brasil): uma granja onde centenas de galos e galinhas estão engaiolados à espera de serem abatidos. As aves assistem diariamente a morte de seus iguais e, a não ser que consigam fugir, estão irremediavelmente condenadas como todos os que ali vivem.
Ficha técnica:
Direção: Ramin Bahrani
Exibição: Netflix
Duração: 2h07
Classificação: 16 anos
País: Índia / EUA
Gêneros: Drama / Policial
Eu vi o filme, mas como todo filme tem suas questões. Se for somente para você um passatempo sem muita contestação e filosofia, é uma boa diversão
ResponderExcluirSe deseja filosofar segue então: Primeiro é necessário observar que é um Iraniano, com cidadania dos EUA, portanto nada que ele prega como atitude e pensamento não pode ser aplicado, por medo de ser expulso ou preso, ao País que ele está vivendo, mas de aluguel. A personagem principal é um mau caráter doentio, mas o filme, ao longo do enredo, tem seus artifícios para justificar todas as atrocidades e absurdos que cometerá, como por exemplo os estereótipos da sua avó e e do seu irmão, mas deixa anônimo os outros parentes que morreram por causa dele, mas o filme é bem claro em frisar que certos " sacrifícios" são necessários para romper com o que existe. Todos os crimes que ele comete são todos atenuados por estórias paralelas, para domesticar os politicamente corretos, com um final encorajador mostrando que vale a pena criar uma guerra civil em uma sociedade milenar de 1 bilhão de pessoas, com regras incompreensíveis como as nossas. Um filme bem feito, mas péssimo. É um filme que se aplicado ao Brasil mostraria como é importante matar todas as pessoas da classe média, usando um exemplo de uma família de classe média bandida, algo que esse autor cineasta talvez fizesse para o Brasil, mas não teria coragem de forma alguma de fazer para a sociedade dos EUA.
ResponderExcluirImportante olhar os dois lados e ser honesto na avaliacao.
ResponderExcluirRealmente uma análise muito boa de um filme que expõe as feridas de uma sociedade miserável, desigual e cruel e muito espalhada mundo afora. É Índia, Brasil, África e o mundo branco. A esperanca do domínio dos pardos e amarelos é a utopia da história. A prisão do sistema não vai mudar, não vai mudar, pois assim caminha a humanidade: na desumanidade. Parabéns Mirtes. Você fez uma crítica correta de O Tigre Branco. Um ótimo filme.
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