31 março 2021

“Respiro”: para matar a saudade de um típico - e ótimo - filme italiano

Valeria Golino é a estrela desta obra de 2002 dirigida por Emanuele Crialese (Fotos: Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni

 
O jeito de contar é escandalosamente italiano – e não apenas pelas paisagens exuberantes da ilha de Lampedusa, na Sicília. Mas a história é tão antiga quanto universal: sufocada pelo ambiente onde vive, mulher é considerada louca por almejar espaço e liberdade. Até Freud, dizem, criou a Psicanálise com base nos sintomas desse conflito. É nesse diapasão que transcorre “Respiro”, filme de Emanuele Crialese de 2002, que passa a integrar o catálogo do Belas Artes a La Carte a partir desta quinta-feira (1º de abril). 

Outros três filmes que também estreiam na plataforma de streaming são “Sonho Sem Fim”, que marca a estreia de Lauro Escorel como diretor; o clássico “O Grande Motim” (1935), dirigido por Frank Lloyd, e a comédia “O Palhaço do Batalhão” (1950), de Hal Walker.

"O Grande Motim" (Divulgação)

Vencedor do Grande Prêmio da Semana da Crítica e do Público no Festival de Cannes de 2002, “Respiro” traz a bela Valeria Golino como Grazia, mãe de três filhos com idades próximas a 15, 11 e 8 anos: Marinella (Veronica D’Agostino), Pasquale (Francesco Casisa) e Filippo (Filippo Pucilo).

Casada com Pietro (Vincenzo Amato), ela, assim como todas as mulheres do lugar, trabalha na limpeza de peixes trazidos do mar pelos homens da ilha. A vila de pescadores, aliás, é quase um personagem do filme, com seu mar translúcido, praias paradisíacas e penhascos de perder o fôlego.

"Respiro" (Divulgação)

Quando se fala em jeito de contar história, registre-se que “Respiro” talvez demore um pouco para engrenar por se ocupar muito da construção do clima do lugar: um maravilhoso e pacato litoral mediterrâneo, pescadores trabalhando, brincadeiras maliciosas – e até perigosas – de meninos, lambretas correndo em estradinhas pedregosas, almoços e jantares de famílias saboreando suas indefectíveis massas e molhos.

"Respiro" (Divulgação)

O público começa a entender que Grazia não é uma mulher como as outras daquela ilha quando ela decide, entre outras coisas, defender seus filhos contra tudo e todos, nadar nua e boiar ao sabor das ondas, sair de lambreta com a filharada toda a bordo ou libertar os cães presos num porão à espera do abate. 

Quando contrariada, avança sobre as pessoas, esperneia, se debate, num show que chamariam de histeria, e só sossega quando lhe aplicam uma injeção calmante. É de se esperar que tamanha rebeldia e mau comportamento resultem na decisão coletiva de internar Grazia numa clínica de Milão.

"Respiro" (Divulgação)

Como outros diretores italianos, Crialese também usa moradores da ilha como atores e atrizes coadjuvantes, o que enfatiza o clima de realidade e naturalidade do filme. Apenas Valeria Golino (ela foi a namorada de Tom Cruise em “Rain Man”) e os componentes de sua família no filme são profissionais. 

Estão todos impecáveis em seus papéis, do marido afetuoso que tenta compreender a mulher, aos filhos que querem protegê-la de suas atitudes libertárias, mas não conseguem esconder o sangue machista. A ideia só enriquece “Respiro”, cujo final, belo e surpreendente, o diretor foi buscar na tradição das festas religiosas italianas. Poesia pura.

"RESPIRO"
Ficha técnica
Direção: Emanuele Crialese
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 1h35
Classificação: 14 anos
País: Itália, 2002
Gênero: Drama


Fichas técnicas:
"SONHO SEM FIM"
Direção: Lauro Escorel
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 1h33
Classificação: 14 anos
País: Brasil, 1986
Gênero: Biografia 
Sinopse: A história de um dos pioneiros do cinema brasileiro, o gaúcho Eduardo Abelim, desde o início da carreira, no Rio de Janeiro, até as filmagens da Revolução de 1930. Para divulgar seus filmes, Abelim até fazia acrobacias de carros, dava aulas de ocultismo e dava orientações sobre assuntos místicos. "Sonho Sem Fim" levou o troféu Kikito em cinco categorias no Festival de Gramado 1985: Prêmio Especial do Júri, Melhor Figurino, Melhor Direção de Fotografia, Melhor Atriz para Marieta Severo e Melhor Atriz Coadjuvante para Imara Reis. "Sonho sem fim" também recebeu o prêmio de melhor filme do ano de 1986 da crítica cinematográfica do Rio de Janeiro.


"O GRANDE MOTIM" ("Mutiny On The Bounty")
Direção: Frank Lloyd
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 2h12
Classificação: 14 anos
País: EUA, 1935
Gênero: Aventura
Sinopse: O primeiro imediato Fletcher Christian lidera uma revolta contra seu comandante sádico, Capitão Bligh, nesta clássica aventura marítima, baseada no motim de 1788 da vida real. Indicado ao Oscar 1936 em oito categorias venceu apenas como Melhor Filme. Este foi o único filme a receber três indicações ao Oscar de Melhor Ator (Clark Gable, Charles Laughton e Franchot Tone), e, por causa disso, logo depois a Academia criou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, para garantir que essa situação não se repetisse.
 

"O PALHAÇO DO BATALHÃO" ("At War With The Army")
Direção: Hal Walker
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 1h33
Classificação: 12 anos
País: EUA, 1950
Gênero: Comédia
Sinopse: Alvin Corwin é o homem inferior no totem e vai de um acidente a outro em um campo de treinamento do exército na Segunda Guerra Mundial. Terceiro filme estrelado por Jerry Lewis e Dean Martin. Comédia de Hal Walker, que dirigiu Jerry Lewis e Dean Martin em outros sucessos, entre eles "O Marujo Foi na Onda".
 

Serviço:
Planos de assinatura com acesso a todos os filmes do catálogo em dois dispositivos simultaneamente.
Assinatura mensal: R$ 9,90 // Assinatura anual: R$ 108,90
Belas Artes a La Carte está disponível na Google Play, App Store e dispositivos Roku

30 março 2021

"A Despedida" faz chorar de emoção com boas interpretações, bela fotografia e trilha sonora com clássicos

Susan Sarandon e Kate Winslet são os destaques no drama sobre vida e morte dirigido por Roger Michell (Fotos: California Filmes/Divulgação)


Maristela Bretas


Prepare o lencinho para a estreia nesta quarta-feira (31/03) nas plataformas digitais do drama "A Despedida" ("Blackbird"), que reúne um elenco com interpretações envolventes, uma fotografia que encanta e uma trilha sonora perfeita. Dirigido por Roger Michell, o filme tem em seu elenco principal as premiadas com o Oscar Susan Sarandon e Kate Winslet dando show cada vez que aparecem. Não são poucos os momentos que levam as pessoas a ficarem com os olhos marejados graças a essas duas atrizes, que receberam um bom suporte com as atuações dos demais integrantes do grupo. 


Susan Sarandon é a peça chave do filme, no papel de Lily, uma mulher de quase 60 anos inteligente e espirituosa, que tem uma doença terminal. Ela se acha perfeita e por ter sido controladora a vida inteira decide quando e como será seu fim. Não quer que a família tenha pena de seu estado e que permaneça estruturada (o que nunca foi) após sua partida. Até na vida de sua melhor amiga Liz (Lindsay Duncan) ela interfere.


Lily e o marido Paul (Sam Neill) se preparam para um fim de semana com as filhas, o neto e companheiros das filhas, além de Liz.  Apesar de sua mobilidade prejudicada, Lily insiste em preparar tudo sozinha, numa comemoração de despedida, já que pretende antecipar sua morte com a ajuda do marido médico para não sofrer com a degeneração do corpo e da mente. Entre jantares, jogos de adivinhação e passeios na praia, a família vai tentando fingir que tudo aquilo é "normal".


Mas, à medida que as horas avançam, os dramas vão surgindo, assim como os segredos do passado e do presente. E é aí que entra o outro peso-pesado do filme, Kate Winslet, no papel da filha mais velha, Jennifer. Tentando sempre ser reconhecida pela mãe e um retrato dela, controla o marido e filho (ou pelo menos acha isso) e tem sérios conflitos com a irmã caçula Anna (Mia Wasikowska). 


Jennifer é uma mulher insatisfeita emocionalmente e sexualmente e no fundo, apesar de ter concordado com a morte prematura da mãe, não aceita e não se sente segura com a perda. Winslet está ótima no papel, quase irreconhecível com grossos óculos e usando roupas que a deixam com aspecto de uma mulher bem mais velha - está mais para irmã de Lily que para sua filha.


Outra que se sai bem no papel é Mia Wasikowska, uma mulher frágil, insegura, cheia de mágoas, que mantém uma relação instável com Chris (Bex Taylor-Klaus), uma jovem de comportamento adolescente, mas que segura a barra da companheira mesmo nos momentos difíceis. Mia e Winslet também entregam bons diálogos, especialmente quando Anna e Jennifer discutem a relação entre elas e com a mãe. 

Chama a atenção o fato de o pai sempre ficar de fora quando o assunto é relacionamento. Como se ele fosse apenas um coadjuvante da família. A força toda do filme está nas mulheres da família, especialmente nos conflitos, e os homens da trama são deixados de lado. Isso fica claro na postura de Paul, no casamento de Jennifer com Michael (Rainn Wilson) e na relação dela com o filho Jonathan (Anson Boon). Eles só ganham mais espaço no final, em parte por interferência de Lily, como sempre.


Sam Neill especialmente merecia mais destaque, uma vez que interpreta o marido apaixonado pela esposa, mas resignado por sua decisão, que o coloca como o responsável por planejar todo o procedimento médico. Sofre calado pelos cantos da casa, ao mesmo tempo em que tem de parecer seguro para dar o suporte à família para o que está por vir. 

O certo é que à medida que o fim de semana vai chegando ao final, o clima se torna cada vez mais tenso. O que antes era um acordo familiar passa a ser descartado pelas filhas e a despedida de Lily pode não ser tão pacífica como ela planejou.


Outro destaque de "A Despedida" é a bela trilha sonora, que conta com clássicos de Bach e Mozart, além de solos de violino e piano. Também a fotografia é um ponto alto. Apesar de ter poucas locações, com a maioria das cenas feitas dentro da casa, as externas são numa região a beira-mar com lindas praias e caminhos de pedra pela encosta que garantem boas imagens, inclusive do pôr do sol. 

Encantador e envolvente trata-se de um filme que faz pensar sobre morte e o que se leva dessa vida. Recomendo demais. "A Despedida" estará disponível para locação, no Now, iTunes, Google Play, Youtube Filmes, Vivo Play e Sky Play.


Ficha técnica:
Direção: Roger Michell
Exibição: Plataformas digitais para locação
Distribuição: California Filmes
Duração: 1h37
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gênero: Drama
Nota: 4 (de 0 a 5)

26 março 2021

"Relatos do Mundo" explora belas paisagens e diálogos de poucas palavras

Atriz alemã Helena Zengel divide o brilho da produção com Tom Hanks em faroeste dirigido por Paul Greengrass
 (Fotos: Universal Pictures / Divulgação)


Maristela Bretas


Filme com Tom Hanks, até mesmo se for mediano, é chamariz para o público. Não seria diferente com "Relatos do Mundo" ("News of The World"), produção que está em exibição na Netflix. Mas a novidade desta vez é que o astro divide o estrelato (e em alguns momentos perde) com uma jovem atriz alemã de 12 anos - Helena Zengel. Com apenas quatro produções em sua carreira - duas ainda por estrear - já se destacou em seu país com o filme "System Crasher" ("Transtorno Explosivo") de 2019, e indicações para o Globo de Ouro e SAG Awards deste ano na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante.


Hanks e Zengel dividem o assento de uma carroça pelas estradas poeirentas do Oeste dos EUA no filme dirigido por Paul Greengrass, responsável por "Capitão Phillips" (2013), também com Tom Hanks, "22 de Julho" (2020 - Netflix) e a franquia "Jason Bourne" com Matt Damon, inclusive o último, de 2016.

A produção concorre a quatro estatuetas no Oscar 2021 - Melhor Trilha Sonora, Melhor Design de Produção, Melhor Som, Melhor Trilha Sonora e Melhor Fotografia. Esta última indicação muito merecida. O diretor fez uma escolha perfeita de luz, cor e locações que garantem um dos principais destaques do filme. As cenas mais bonitas são exatamente as do deserto, pela manhã ou ao entardecer.
 

A narrativa é lenta, acompanhando o ritmo do trotar dos cavalos, representando bem a jornada do solitário capitão Jefferson Kyle Kidd (papel de Tom Hanks), um veterano de duas guerras que viaja pelo Texas, parando de cidade em cidade para ler as notícias do mundo para seus habitantes. 

Um homem sereno, de poucas palavras - no estilo Tom Hanks de atuar. Pelo caminho, um encontro inesperado vai mudar sua rotina. Johanna (Helena Zengel), uma menina alemã criada pela tribo Kiowa após a morte dos pais, é encontrada perdida no deserto, não fala inglês, apenas um dialeto que mistura as duas línguas.


Apesar da hostilidade da criança, Kidd decide levá-la em seu trajeto, enquanto busca familiares. No percurso, a agressividade da jovem passageira de poucas palavras vai se desfazendo com a atenção e a proteção que recebe do capitão. Um forte vínculo passa a unir os dois. E é esta amizade que vai também ajudá-los a enfrentar os perigos do percurso. Apesar de solitário, ele é um contador de histórias que encanta seu público e à jovem Johanna.


A história de "Relatos do Mundo" é adaptada do livro escrito por Paulette Jiles e se passa em 1870, pouco depois da Guerra de Secessão. E claro, não podia deixar de citar, mesmo que superficialmente em algumas falas, o fim da escravatura que não era aceita no sul do país e a violência contra as tribos indígenas. Mas é pelas notícias narradas como um conto de fadas que os habitantes passam a saber mais sobre o progresso que está chegando. Mesmo que isso desagrade alguns.


Além da fotografia, o filme também entrega um figurino de época bem elaborado e fiel e uma trilha sonora composta por James Newton Howard ("Operação Red Sparrow" - 2018, "Animais Fantásticos e OndeHabitam" - 2016, "Malévola" - 2014 e muitos outros sucessos), que justifica a indicação ao Oscar 2021.


Não espere um faroeste no estilo John Wayne. "Relatos do Mundo" é mais um drama que se passa no Velho Oeste e já no encontro dos personagens principais é possível prever o final. Mas não tira o interesse pelo filme que, como um bom bang-bang tem tiros, brigas de bar, tocaias no morro e ataques. E tem Tom Hanks com sua jovem parceira Helena Zengel, um quase par romântico - Mrs. Gannett (Elizabeth Marvel) - e uns vilões razoáveis. Vale a pena conferir.


Ficha técnica:
Direção: Paul Greengrass
Exibição: Netflix
Produção: Universal Pictures
Duração: 1h59
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Drama / Faroeste
Nota: 3,8 (de 0 a 5)

23 março 2021

"Uma Noite em Miami" - Um encontro pelos direitos civis dos negros nos EUA

Através de quatro líderes sociais, diretora expõe a segregação racial nos anos 1960 (Fotos: Amazon Prime Video/Divulgação)

Silvana Monteiro


A premiada atriz Regina King marca sua estreia como diretora de cinema com "Uma Noite em Miami" ("One Night in Miami"), produção original da Amazon Prime Video. Embora já tenha experiência na direção de séries de TV, King abraçou o desafio de dirigir um roteiro adaptado da peça teatral de mesmo nome, de autoria de Kemp Powes, responsável também pelo roteiro do filme, indicado ao Oscar 2021 nas categorias de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Canção Original.

O enredo prima pela humanização absoluta de quatro líderes sociais da luta pelos direitos civis dos afro-americanos. Nesse quesito, é bem possível que o telespectador fique tentado a fazer uma comparação entre as condutas e diálogos retratados no filme à luta antirracista dos dias atuais. É pulsante na trama a tentativa de individualizar e desmitificar as personalidades.

 

O filme retrata o encontro real entre o pugilista Cassius Clay (que mais tarde mudaria o nome para Muhammad Ali) interpretado por Eli Goree; o cantor de soul, Sam Cooke, vivido por Leslie Odom Jr.; o jogador de futebol americano Jim Brown, representado por Aldis Hodge, e Malcolm X, um dos defensores do Nacionalismo Negro nos Estados Unidos, fundador da Organização para a Unidade Afro-Americana, de inspiração separatista, aqui encenado por Kingsley Ben-Adir .


Esta análise é importante porque transmite uma mensagem social, que parece óbvia, mas que é ainda muito necessária no combate à visão racista. Mesmo que impulsionados por um mesmo ideal, ainda que ativistas na mesma batalha, pessoas negras não são objetos, e muito menos são produtos de uma escala industrial. Cada indivíduo pensa, age, luta e se movimenta de modo diferente ante aos conflitos e gatilhos provocados pelo racismo.

O filme é extremamente discursivo e, por isso, pode cansar o telespectador indisposto a longos e complexos diálogos. São praticamente duas horas de uma imersão psicossocial e histórica na vida dos quatro ídolos, desenvolvida a partir da interlocução entre os personagens retratados.
 

Depois de Cassius Clay (Muhammad Ali) vencer o campeão dos pesos pesados Sonny Liston, no Miami Convention Hall, ele se reúne com Sam Cooke, Jim Brown e Malcolm X no quarto do Hampton House Motel, no bairro de Overtown, em Miami para uma comemoração intimista. 
 
O encontro num local privado não foi uma escolha pura e simples, mas um instinto de sobrevivência. Afinal, por causa das chamadas "leis de Jim Crow" de segregação racial, Cassius Clay não podia ir aos clubes ou bares da região comemorar a vitória nos ringues, por isso o melhor foi se refugiar na hospedagem.

 

Ao mostrar virtudes e fraquezas dos personagens, o autor nos remete a uma experiência de observação e, ao mesmo tempo, à compreensão das marcas deixadas pela segregação e o ímpeto de se manterem vivos na luta contra o preconceito racial.
 
Uma dica para as pessoas mais jovens que desconhecem a história desses ícones, é pesquisar um pouco sobre cada um deles antes de assistirem ao drama, uma vez que o filme se passa no ano de 1964. Sam Cooke foi assassinado 10 meses mais tarde, em incidente suspeito e, no ano seguinte, em fevereiro de 1965, Malcolm X levou 13 tiros enquanto discursava no Harlem. Muhammad Ali morreu em 2016, aos 74 anos, de problemas respiratórios. Jim Brown está vivo e fez 85 anos em fevereiro.


Terence Blanchard ("Destacamento Blood") é o responsável por uma primorosa trilha sonora recheada de black music, sobretudo blues e soul, com destaque para a belíssima canção "A Change Is Gonna Come" e, claro, para “Speak Now”, faixa original escrita por Leslie Odom Jr. e Sam Ashworth. 
 
A fotografia também chama a atenção ao provocar no telespectador a sensação de que está empunhando a câmera e observando os fatos ocorridos naquele encontro noturno de 1964.
 
 

Mais do que nunca, "Uma Noite em Miami" é um filme necessário e mesmo tendo se passado há quase 60 anos daquela reunião, sua temática é real e urgente. E nos leva a desejar tantas noites mais como a mostrada na obra, seja em Miami, Nova York, BH ou em qualquer lugar em que o racismo ainda se mostra uma ameaça sufocante e letal. 
 
Claro, sem romantizar o fato de que ao invés de simplesmente comemorarem livres, leves e soltos, esses homens foram levados a pensar sobre um futuro que mal sabem eles, embora com muitas conquistas, ainda não aconteceu de forma plena.

Ficha técnica:
Direção:
Regina King
Exibição: Amazon Prime Video
Duração: 1h54
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gênero: Drama

22 março 2021

Apesar dos senões, “Filhas de Eva” cumpre, com talento e beleza, seu papel de celebrar o mês das mulheres

Giovana Antonelli, Renata Sorrah e Vanessa Giácomo estão nos papéis principais da nova série da Globoplay (Fotos: Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Ao assistir, exibidos num telão, aos vídeos antigos da sua própria vida na celebração das Bodas de Ouro, Stella, que é casada com um homem muito rico, se descobre insatisfeita. E, cheia de coragem, aos 70 anos de idade, decide ali mesmo acabar com a festa e pedir o divórcio. 
 
É esse o pontapé inicial do roteiro escrito por Adriana Falcão, Jô Abdu, Martha Mendonça e Nelito Fernandes para “Filhas de Eva”, série de 12 episódios em cartaz no Globoplay. A partir daí, entrelaçam-se outras tantas histórias de mães, amantes, esposas, amigas e namoradas em diferentes fases da vida, todas buscando espaço, independência, reconhecimento e liberdade.

 
 
Lançada com algum estardalhaço para celebrar o Dia Internacional da Mulher, “Filhas de Eva” faz jus tanto ao alarde quanto à data que almejou celebrar. Dirigida por Leonardo Nogueira, a série traz Renata Sorrah como Stella, Giovana Antonelli como sua filha Lívia, e Vanessa Giácomo como Cléo nos papéis principais. E como se trata de um tema fundamentalmente feminino, outras grandes atrizes brilham no elenco, como as veteranas Cecília Homem de Melo e Analu Prestes, além da jovem Débora Ozório, que interpreta a adolescente feminista Dora.



Apresentada como uma comédia dramática, “Filhas de Eva” procura dar leveza a temas normalmente ligados às mulheres, como a dependência financeira ou afetiva, virgindade, amamentação, traição, envelhecimento, solidão. E mostra também o outro lado da história, quando fala de amor na maturidade, amizade e, principalmente, do que se convencionou chamar hoje de sororidade – a solidariedade entre mulheres. 
 
 Os personagens são ricos, da corajosa Stella, feita sob medida para Renata Sorrah, à Lívia e sua psicologia de almanaque, em atuação também certeira de Giovana Antonelli. Fora da família, Vanessa Giácomo, que só entra na história por um desses acasos do destino, se sai muito bem como a suburbana Cléo, que vive na corda bamba entre um irmão malandro e uma mãe demente. A estreante Débora Ozório, como Dora, mereceria um troféu revelação tamanha a graça.


Embora não cheguem a comprometer, dois senões tiram o brilho total de “Filhas de Eva”. O primeiro deles: com honrosas exceções, os personagens masculinos são fora da curva. Tem covarde, mesquinho, invejoso, aproveitador, mentiroso, mau-caráter, bandido. Fica parecendo que, para falar bem da luta das mulheres, é preciso falar mal dos homens. 
 
Cacá Amaral (Ademar), Erom Cordeiro (Júlio), Stenio Garcia (o deputado Sampaio), Dan Stulbach (Kleber), Jean Pierre Noher (o vizinho argentino) e Marcos Veras (o jornalista Fábio) se viram como podem para não cair no estereótipo da vilania. Legal mesmo, no rol dos machos, só Juliano Lobreiro, que faz o maduro e compreensivo adolescente Gui.


O segundo senão da série fica por conta de uma cena linda, em que todas as mulheres da história se encontram numa manifestação feminista contra, entre outras coisas, a objetificação do corpo feminino. A certa altura, a mulherada levanta ou tira suas blusas e exibe os seios. Todas as coadjuvantes e figurantes ficam com os peitos à mostra porque isso faz parte do discurso. Menos as três protagonistas, que se abraçam para despistar, deixando aparecer apenas as costas nuas. Por que? Atrizes consagradas não podem se despir mesmo que o gesto tenha significado imprescindível para a obra? Pareceu incoerência.


Ficha técnica:
Direção:
Leonardo Nogueira
Exibição: Globoplay
Duração: 1ª temporada (12 episódios)
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: Drama

21 março 2021

"Liga da Justiça - Snyder Cut" é um dos melhores filmes de super-heróis dos últimos tempos

Muitas batalhas, grandes efeitos e histórias detalhadas dos personagens menos conhecidos (Fotos: HBO Max/Divulgação)

 

Maristela Bretas


Esqueça a primeira versão de "Liga da Justiça" dirigida por Joss Whedon. Apesar das quatro horas de duração, a que vale é a tão esperada de Zack Snyder que entrega um filme com muita ação, emoção e batalhas épicas, apesar de exagerar nas cenas em slow motion. Virou até piada entre alguns fãs, que alegam que a longa duração foi por causa da câmera lenta em várias lutas. 
 
"Snyder Cut" entrega o que se esperava de uma boa produção de super-heróis da DC Comics, depois de algumas decepções como "Batman vs. Superman: A Origem da Justiça" (2016), do mesmo Snyder, e da famosa frase "Salve Martha". Não fosse a batalha final, com a participação da Mulher Maravilha, o estrago seria ainda maior.


Na sequência, "Liga da Justiça" (2017) alivia a decepção, mas assistindo "Snyder Cut" é que a gente percebe como o anterior ficou com cara de filme de heróis bonzinhos, com final feliz e sem impacto. Até as cenas do epílogo são mornas perto das novas. Faltou no primeiro um "smash, smash" que até o Hulk fez melhor com  Loki em "Os Vingadores" (2012), da Marvel, dirigido também por Whedon.
 

Aí chega Zack Snyder com sua versão inicial e arrasa quarteirão desde a abertura até a última cena, sem dó de mostrar lutas sangrentas, heróis complexos e com dramas, sempre familiares e mal resolvidos, mas que se unem em defesa da Terra contra os vilões Steppenwolf (Lobo da Estepe), De Saad e o líder Darkseid. 
 


Aquaman (Jason Momoa), Ciborgue (Ray Fisher) e até mesmo o Flash (Ezra Miller), com seu humor e simpatia, se mostram mais sombrios e atormentados por questões particulares mal resolvidas. Até a Mulher Maravilha (Gal Gadot) expõe seu lado de guerreira amazona e se iguala em participação e poder aos personagens masculinos. 
 
Se no primeiro filme, o colorido das roupas dela e de Flash quebram a escuridão do mundo de Batman, neste os tons escuros predominam, retomando uma característica mais dark do Universo DC. Outro ponto que foi perdido na edição de 2017 com a mudança de direção.


O Batman de Ben Affleck mudou pouco, manteve seu lado sombrio e, apesar de ser o líder da Liga, ficou quase como um coadjuvante na produção de Snyder. Quem dá show é o Superman de Henry Cavill com o traje preto e sangue nos olhos. Espetáculo em todos os sentidos. E olha que ele só apareceu mais no final para fechar a fatura. Algumas cenas são de arrepiar. Por sinal, Cavill, Affleck e Momoa formam um time de tirar o fôlego.
 
 
Na nova versão, Flash e Ciborgue ganham mais espaço que os heróis mais famosos e suas histórias são contadas com mais detalhes, assim como de outros, um segundo ponto importante que faltava. Isso ajuda a entender a origem de cada um e facilita para quem não assistiu aos filmes-solo de alguns deles, como "Mulher Maravilha" (2017) e "Aquaman". 
 
Flash também vai ganhar seu próprio filme, com estreia prevista para 2022, com Ezra Miller retornando ao papel do homem mais rápido do mundo. Já o Ciborgue perdeu em tudo, a começar pelo ator Ray Fisher que deixou o papel, e até o momento os estúdios estão descartando uma produção para breve sobre o herói cibernético.
 

  
"Liga da Justiça - Snyder Cut", mesmo utilizando muitas partes da versão anterior, é quase um filme novo, muito melhor, mais bem feito, sem saltos que deixam o espectador sem entender como surgiram algumas situações. Vendo este agora fica parecendo que o primeiro foi feito por Whedon para cumprir tabela e acabar logo, depois de pegar o carro andando. E acabou impondo seu estilo "Vingadores" de ser, o oposto de Zack Snyder que se afastou da direção por problemas familiares. 
 


Mas faltou falar sobre os efeitos visuais de "Snyder Cut". Simplesmente incríveis, o filme é o melhor de todos do diretor, pois conseguiu aproveitar e explorar bem os superpoderes e as histórias de cada herói, especialmente os menos conhecidos, destacou o lado emocional de cada um. O que o diretor fez foi um novo filme, acrescentou não só muitas e melhores cenas, mas também mais personagens, deu uma nova perspectiva e criou uma narrativa mais envolvente, apesar de mais pesada.


Foram quatro horas bem aproveitadas em frente à telinha da TV, com um filme dividido em seis partes. O diretor Zack Snyder pode dormir tranquilo, pois realizou uma de seus melhores trabalhos, talvez o melhor com os super-heróis do universo DC, respeitando os quadrinhos e os fãs. E apontou para o que seria o último filme da trilogia planejada inicialmente pelo diretor e que, em princípio, está adiada. 
 
"Liga da Justiça - Snyder Cut" pode ser alugado em várias plataformas digitais: Now, AppleTV, Claro, Google Play, Playstation, Sky Play, UOL Play e Vivo Play. Inesquecível e imperdível.


Ficha técnica:
Direção: Zack Snyder
Exibição: Plataformas digitais por aluguel
Produção: HBO Max / DC Comics
Duração: 4h02
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Ação / Aventura / Fantasia
Nota: 4,8 (de 0 a 5)

19 março 2021

"Druk – Mais uma Rodada" leva aos cinemas o drama da bebedeira na vida de gente comum

 Produção dinamarquesa foi indicada aos prêmios de Melhor Diretor e Melhor Filme Internacional no Oscar 2021 (Fotos: Henrik Ohsten/Divulgação)

Jean Piter Miranda


“Casamento, batizado, formatura, aniversário e até chá de bebê, tô pronto pra beber”. Não é das citações mais inspiradoras. É de um hit sertanejo da dupla Humberto e Ronaldo, que ilustra bem a cultura brasileira. O povo aqui bebe em todo tipo de comemoração. Não há como separar festa de bebida alcoólica. E ao que tudo indica isso não é uma exclusividade do Brasil. O filme "Druk – Mais uma Rodada" mostra que na Dinamarca as coisas são bem parecidas.

O filme vai representar o país escandinavo no Oscar 2021 em duas categorias - Melhor Diretor e Melhor Filme Internacional. Dirigido por Thomas Vinterberg, chega dia 25 de março nas cidades onde os cinemas estão abertos e nas plataformas de streaming Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube. 
 

"Druk" conta a história de um grupo de amigos, todos quarentões, que estão meio que enfrentando uma crise de meia idade. Martin (Mads Mikkelsen), Tommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe) são professores do Ensino Médio. Todos com vidas tediosas, tanto pessoais quanto profissionais. Um dia eles decidem testar uma tese de que com um pouco de álcool no sangue, diariamente, eles ficarão mais alegres, produtivos e criativos. E aí começa a bebedeira.

Os quatro amigos passam a beber um pouco todos os dias, inclusive em horário de trabalho. E sentem que estão mais soltos, mais vivos e até mais felizes. As aulas de cada um deles vão ficando com um astral diferente, tendo mais envolvimento e aceitação dos alunos. E a partir daí, eles vão promovendo encontros para registrar essas experiências. E, claro, nessas reuniões, aproveitam pra beber mais.


Não precisa ser um gênio para saber que uma hora isso vai dar ruim. O corpo vai se acostumando com a quantidade de álcool ingerida. Logo é preciso um pouco mais pra ter o mesmo efeito. A pessoa que bebe sempre acha que está no controle, meio que perde a noção de realidade e nem se dá conta dos problemas que estão chegando. E se seus melhores amigos estão na mesma situação, aí não tem nem como esperar ajuda. É cego guiando cego. Assim, os quatro amigos começam a ter encrencas no trabalho e na família.


"Druk" tá longe ser um filme moralista. Ele não coloca a bebida como vilã, nem põe glamour na cultura de beber para comemorar ou pra fugir de problemas. Nem tão pouco há um julgamento sobre as pessoas que bebem e perdem a linha. Há cenas que dão vergonha alheia, daqueles micos que a gente paga quando bebe demais. Seja adolescente ou adulto. E há situações em que se chega ao extremo e o prejuízo é bem maior. Vai do lamentável ao trágico.


Chama a atenção o fato de que o filme se passa na Dinamarca. Um país rico, de primeiro mundo. E, claramente, os personagens são de classe média alta. Como o álcool é uma droga legal, relativamente barata e muito acessível, o risco do alcoolismo também é maior. Para todos, de forma democrática. Mesmo com todas as diferenças, dá pra imaginar que "Druk" poderia ser feito tranquilamente aqui no Brasil, onde todo mundo conhece ou viveu uma história parecida.


As atuações são muito boas. Mads Mikkelsen está ótimo como sempre. É uma comédia dramática que põe a gente pra pensar sobre como o álcool está presente na nossa vida. Se isso é bom ou ruim e como estamos nessa. Não é um filme que faz apologia à bebida e também não faz campanha contra. Mas tem muita coisa ali que dá pra pegar e refletir. É acima de tudo, uma história sobre a vida de gente comum. Um filme que merece ser visto.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Thomas Vinterberg
Exibição: Now / Vivo Play / Sky Play / iTunes/Apple TV/ Google Play / YouTube
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h57
País: Dinamarca
Gêneros: Drama / Comédia
Nota: 5 (de 0 a 5)