30 dezembro 2022

"Filho da Mãe" é divertido, emocionante e frenético, como Paulo Gustavo

Documentário acompanha o comediante em sua turnê musical com a mãe, Déa Lúcia, pelo Brasil
(Fotos: Amazon Prime Vídeo)


Maristela Bretas


Para rir muito. Mas infelizmente faz chorar também. Assim é o documentário "Filho da Mãe", último projeto assinado pelo comediante Paulo Gustavo antes de falecer em 04/05/2021 por complicações causadas pela Covid-19. 

Em exibição na Amazon Prime Vídeo, o longa era para contar as peripécias desse que foi uma das maiores revelações dos últimos tempos da TV e do teatro, onde sua carreira começou.

Mas a doença, que ele tanto temia contrair durante a pandemia em 2020/2021, o levou mais cedo e a história, que diverte até mais da metade do filme, se torna triste e saudosista. Tanto para aqueles que com ele conviveram quanto para seus milhares de fãs.  

"Minha Mãe é Uma Peça 3" (Divulgação)

O longa é recheado de depoimentos de amigos, integrantes da banda e de familiares, especialmente sua mãe, dona Déa Lúcia. "Filho da Mãe" é a homenagem de Paulo Gustavo a ela, sua inspiração para o maior e mais conhecido personagem - Dona Hermínia, dos filmes "Minha Mãe é Uma Peça" - 1 (2013), 2 (2016) e 3 (2020) . 

O ator também participou de outras produções de sucesso, como "Os Homens são de Marte e é prá lá que Eu Vou" (2014) e "Minha Vida em Marte" (2018), ambos com a amiga inseparável Mônica Martelli. Além do papel como Valdomiro, em "Vai que Cola", série de TV exibida pela Multishow que originou o filme homônimo.


Da infância sempre muito ativa ao sucesso no cinema, palcos de teatro e programas de TV, Paulo Gustavo sempre era o centro das atrações onde chegava. 

Nos depoimentos do documentário, amigos, pais, madrasta e tias contam como ele iluminava e tornava os momentos mais alegres e divertidos, com humor ácido e crítico, mas também afetuoso. 

Uma alegria que se tornou ainda maior com o casamento e o nascimento dos dois filhos, Gael e Romeu.


Imagens inéditas de arquivos familiares e das apresentações nos palcos pelo país mostram, na maior parte do longa, o comediante fazendo piadas, imitando a mãe, contando casos passados dela e de suas amigas, dos amigos próximos e de sua equipe. 

Dona Déa e Paulo Gustavo protagonizam a história e mostram como o amor e o orgulho de um pelo outro era grande.

Paulo Gustavo com Mônica Martelli em
"Minha Vida em Marte" (Divulgação)

A intimidade do comediante com a mãe, o pai, o marido e os filhos também não foi esquecida, sem esquecer os amigos mais próximos, que deram depoimentos de antes e após a morte do ator. 

Os bastidores do espetáculo, com algumas músicas e falas improvisadas pela dupla, as viagens, o que agradava e o que desagradava a ambos. Tudo era motivo para uma boa risada.

Paulo Gustavo e Susana Garcia (Divulgação)

"Filho da Mãe" é um documentário que merece ser visto e revisto, para matar a saudade de Paulo Gustavo e de seus maiores personagens, com boas risadas e muita emoção por esta triste perda prematura. 

Em breve, poderemos ter mais deste completo ator. Em entrevista ao portal Terra, a diretora Susana Garcia afirmou que outras produções sobre o comediante devem chegar pela Amazon Prime Vídeo. 

Segundo ela, há ainda muito conteúdo para aproveitar das 130 horas do material bruto feito pela equipe. Vamos esperar com ansiedade.


Ficha técnica:
Direção: Susana Garcia e Ju Amaral
Produção: Amazon Prime Video
Exibição: Amazon Prime Vídeo
Duração: 1h15
Classificação: livre
País: Brasil
Gênero: Documentário

27 dezembro 2022

Anunciados os títulos selecionados para a edição da Mostra Aurora 2023

(Fotos: Divulgação)


Da Redação


A 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes, a ser realizada entre 20 e 28 de janeiro de 2023, anuncia a seleção de mais uma edição da Mostra Aurora - seção do evento dedicada a filmes feitos por realizadores com até três longas-metragens na carreira. 

Ela é caracterizada por trabalhos estético e narrativo representativos, em várias medidas, do que de mais vigoroso se faz na produção brasileira contemporânea. Sete títulos inéditos integram a Mostra, em pré-estreia mundial, escolhidos pela curadoria de Francis Vogner dos Reis, Lila Foster e Camila Vieira.

"As Linhas da Minha Mão"

Os filmes na Mostra Aurora 2023 são: “As Linhas da Minha Mão” (MG), de João Dumans; “A Vida são Dois Dias” (RJ/CE), de Leonardo Mouramateus; “Cervejas no Escuro” (PB), de Tiago A. Neves; “Peixe Abissal” (RJ), de Rafael Saar; “Solange” (PR), de Nathalia Tereza e Tomás von der Osten; “Vermelho Bruto” (DF), de Amanda Devulsky; e “Xamã Punk” (RJ), de João Maia Peixoto. 

Todos eles vão ser avaliados pelo Júri Oficial e concorrem ao Troféu Barroco e a prêmios de parceiros da Mostra. 

Peixe Abissal

Dois documentários são dedicados a figuras artísticas. O mineiro “As Linhas da Minha Mão” mergulha na vida da atriz e performer Viviane de Cassia Ferreira, e a relação entre vida e imaginação se conecta diretamente às suas criações.

 Já o carioca, “Peixe Abissal”, sobre o músico Luís Capucho, mescla fantasia, biografia e desejo para capturar um cotidiano atravessado pela magia e pela arte.

Vermelho Bruto

No caso de “Vermelho Bruto”, Lila Foster afirma se tratar de uma radicalização no uso de imagens amadoras e domésticas para integrar a voz de muitas mulheres em detalhes da vida que trazem a marca desse tipo de material (o tremor, o registro urgente, o cotidiano) sem que recaia necessariamente no autorretrato. 

Xamã Punk

Por sua vez, “Xamã Punk” apresenta um mundo pós-apocalíptico enquanto uma equipe de filmagem documenta as ruínas e os seres que habitam esse fim do mundo. 

Segundo Francis Vogner, é um filme que dialoga com o experimentalismo dos anos 1970 com elementos de horror, ficção científica conectados a uma “cosmogonia xamânica”, como aliás o título sugere.

A Vida São Dois Dias (Foto: Aline Belfort)

A Vida São Dois Dias” acompanha dois irmãos gêmeos entre Brasil e Portugal numa trama atravessada por acontecimentos absurdos e pela experiência fraturada na diferença de espaços onde cada personagem se localiza e em seus universos de fantasias particulares. 

Também filme de personagem, a produção paranaense “Solange” acompanha a protagonista compondo traços de seus traumas, desejos e personalidade a partir do reencontro com um grupo de amigos da cidade de onde ela foi embora. 

Solange

Por fim, também no campo da criação ficcional livre, o paraibano “Cervejas no Escuro” segue uma mulher em luto. “Essa personagem decide fazer um filme e mobiliza a cidade em torno do seu projeto. Ora making of da empreitada, ora o filme propriamente dito, esse longa toca a poesia do gesto amador de se relacionar com o cinema”, define Lila Foster.

A 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes exibirá mais de 100 filmes brasileiros em pré-estreias nacionais e mostras temáticas, vai prestar homenagem a personalidades do audiovisual, promover seminários, debates, a série Encontro com os filmes, oficinas, Mostrinha de Cinema e atrações artísticas. 

Cervejas no Escuro

Serviço:
26ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Período: entre 20 e 28 de janeiro de 2023
Exibição: em formato online e presencial
Programação: totalmente gratuita
Maiores informações: www.mostratiradentes.com.br

22 dezembro 2022

"Smiley", uma comédia romântica que está dando o que falar

Carlos Cuevas e Miki Esparbé são os protagonistas desta divertida série espanhola (Fotos: Netflix)


Eduardo Jr.


O mês de dezembro é marcado não só pelas festas, mas também pela temporada de filmes de Natal. Entre novidades e títulos já conhecidos, uma série ambientada na Espanha, perto do Réveillon, chega para trazer refresco a essa lista de produções de fim de ano. 

Com o aval de ter chegado rapidamente ao top 10 da Netflix, “Smiley” promete figurar entre as mais divertidas da plataforma. 


Nesta comédia romântica LGBTQIA+, vários casais lidam com os prazeres e dificuldades de um relacionamento. Ceia de Natal, amigo oculto da empresa, a vontade de começar o ano com um novo amor, tudo se torna ingrediente para balançar ou acertar a vida amorosa das personagens. 

No centro da trama estão dois homens, Álex (Carlos Cuevas, já conhecido pela série Merlí) e Bruno (Miki Esparbé, que atuou em ‘O Inocente’). Ambos querem encontrar alguém especial, mas como sabemos, histórias de amor não são fáceis. 


Depois de mais um namoro fracassado, Álex resolve telefonar e dizer poucas e boas para o ex. Mas o recado cai na secretária eletrônica de Bruno. Ao se conhecerem pessoalmente, apesar das muitas diferenças entre eles, uma conexão acontece. 

Mas em uma troca de mensagens, um emoji de um sorriso (smiley), que poderia fazer a relação decolar, é interpretado de forma inesperada. Aí o romance não só estaciona, como parece dar marcha à ré.  


A falta de comunicação entre os casais dá a tônica da série, seja realçando dramas, ou divertindo o espectador. A rotina que afasta marido e mulher um do outro - e também de atividades que gostam - ampliando o abismo da falta de diálogo, encontra remédio na conversa. 

Os textos de apresentação nos sites de relacionamento, incapazes de explicar a complexidade humana, mostram com humor que precisamos nos expressar melhor e também dar essa chance aos outros. Comunicação clara (e não só por emojis). 


A apresentação de relacionamentos LGBTQIA+ não deixa de lado a militância. Com sutileza e talento, pautas como a interiorização da liberação feminina por mulheres lésbicas, os medos da população gay e os preconceitos dentro da própria comunidade estão lá. E promovem a reflexão para que não se tornem muros, e sim pontes que nos aproximem. 

O receio de assumir quem se é de verdade, de revelar sentimentos, e dar como certa a ideia de que envelhecer impede a construção de novos laços, nos tornando feios e incapazes de despertar desejo são questionados e respondidos com firmeza e também doçura. 


Um leve suspense também marca presença. A mãe do protagonista recebe a visita de um velho conhecido. As conversas pouco reveladoras entre eles vão criando um clima que não permite saber o que aconteceu anos atrás e muito menos qual será o desfecho dessa história. Mas a resposta vem. 

A série é eficiente também em mostrar que não é preciso dizer muito pra dar o recado. Os oito episódios são curtos e têm, em média, 35 minutos de duração. São cativantes e entretêm - principalmente por apresentarem telas divididas entre as personagens, mensagens de celulares ampliadas na cena e outros recursos que fazem o público se identificar, deixando o conteúdo ágil e convidativo. 


Talvez o único contra esteja no idioma, já que os capítulos trazem, por muitas vezes, diálogos acelerados (a maioria das cenas foi gravada em catalão). 

A série é uma aposta da Netflix que já começa a dar resultados mais vistosos do que “Uncoupled”, outra trama cômica sobre desventuras amorosas do mundo gay. “Smiley” atingiu a lista de melhores programas da plataforma com agilidade. Talvez por ter credenciais de respeito. 

Baseada em uma peça de teatro, todos os episódios foram roteirizados pelo autor do texto, Guillem Clua. O jovem dramaturgo também roteirizou a série “O Inocente”, baseada no livro de Harlan Coben, autor que vem se firmando como um dos queridinhos da literatura de suspense e da Netflix. 


Embora a série não fique devendo um final ao público, a expectativa é de que “Smiley” ganhe uma nova temporada. Em entrevistas, o diretor e roteirista já andou dizendo que existe uma segunda peça escrita, dando sequência à história dos personagens centrais. 

Portanto, caso seja batido o martelo sobre uma continuação, ela se basearia neste material. Para quem encerrou o ano assistindo “Smiley”, certamente deu vontade de pedir ao Papai Noel “ano novo, temporada nova”. 


Ficha técnica:
Direção: Guillem Clua
Produção: Minoria Absoluta
Exibição: Netflix
Duração: 1ª Temporada = 8 episódios/média de 35 minutos cada
Classificação: 16 anos
País: Espanha
Gêneros: comédia / romance / série

18 dezembro 2022

"Pinóquio", de Guillermo del Toro, é uma verdadeira obra de arte

Nova versão da história do boneco feito de maneira de pino se aproxima assim da obra original de Carlos Collodi (Fotos: Netflix)


Marcos Tadeu
Blog Narrativa Cinematográfica


A animação mais aguardada do gênio Guillermo del Toro, "Pinóquio" é um dos sucessos em cartaz na Netflix. O novo longa, diferente da versão live-action do estúdio Disney, reconstrói, de forma sensível e tocante, a história do boneco feito de maneira de pino, se aproximando assim da obra original de Carlos Collodi.

Aqui conhecemos Gepeto (voz de David Bradley), um entalhador que perdeu seu filho Carlo na guerra, em uma Itália fascista nos anos 50. O personagem se vê na solidão e começa a criar um boneco de madeira. 

O que ele não imaginava é que este ganharia vida, iniciando assim sua jornada de aceitação do boneco como filho e de busca da ressignificação do luto.


Gepeto tem uma participação incrível em toda a trama. Num primeiro momento, ele rejeita Pinóquio (voz de Gregory Mann) e quer fazer dele uma cópia fiel de seu filho. 

Passada essa fase, ele aprende a lutar e a amar Pinóquio e toda essa jornada ao longo da obra cresce aos olhos do telespectador.

No lugar da Fada Azul temos duas figuras: a Guardiã, cuja missão é cuidar das coisas perdidas ou abandonadas. É ela que concede o dom da vida a Pinóquio para poder alegrar o pai. 

Nas primeiras cenas em que o boneco fala, isso causa espanto em Gepeto, e em sua inocência, por não conhecer nada da vida, acaba destruindo vários objetos da casa. 


Na cena da igreja, por exemplo, quando Pinóquio vai atrás de seu pai, os fiéis começam a ofendê-lo, chamando-o de "demônio" e "bruxaria". A consequência disso, o governo fascista determina que Pinóquio vá para a escola e não cause problemas. 

Outra figura importante é a Morte, que faz com que Pinóquio se descubra imortal e ensina o valor das relações com as pessoas a sua volta.

O famoso Grilo Falante (voz original de Ewan McGregor,de "Doutor Sono" - 2019) agora tem nome e sobrenome, Sebastian J. Cricket. A todo o momento reafirmando que é um romancista, coube a ele narrar a história e de fato isso acontece, quando Gepeto constrói Pinóquio, ele escolhe a árvore em que Sebastian vai morar. 


Nesse longa, sim, Sebastian é uma verdadeira consciência, mesmo que muitas vezes Pinóquio aja com inocência, ele sempre dá um jeito de aparecer. Podemos acrescentar que nesta obra, Cricket interage até com Gepeto no desenvolvimento da obra.

Se no desenho clássico temos Strombolli, aqui o vilão é o Conde Volpe (voz de Christoph Waltz, de "Alita - Anjo de Combate" - 2019) , com praticamente a mesma função. Vale destacar a forma como ele consegue manipular e mostrar sua autoridade para que Pinóquio seja apenas um boneco que dá lucro para seu teatro. Volpe é extremamente ambicioso e coloca o dinheiro acima de qualquer relação.


O pano de fundo político é mostrado todo o tempo, com uma Itália sombria, governada pelo ditador Benito Mussolini. Inclusive a ordem é obedecer cegamente e o slogan que vem junto a isso é “Crer, obedecer e combater”. 

Podesta (Ron Perlman, de "O Beco do Pesadelo" - 2021), um fascista local, enxerga em Pinóquio o potencial para ser usado como soldado, justamente por ele não morrer. 


Já Candlewick, filho de Podesta, (dublado por Finn Wofhard, de "Stranger Things") é um personagem muito profundo e tem tempo suficiente para desenvolver sua honra ao pai. Assim como Pinóquio quer ser o orgulho de Gepeto, Candlewick quer o mesmo com o seu pai fascista. Mas muitas vezes terá de quebrar regras e desobedecê-lo por não concordar com a forma como o pai extermina pessoas.


Os números musicais aqui são todos muito bem coreografados e cantados. Del Toro coloca canções pontuais que, de fato, expressam o que sentem seus personagens, com destaque para Pinóquio, Gepeto e Conde Volpe, que dominam a maioria das performances.

A técnica de stop-motion prova que Del Toro está em cada quadro mostrado ao público. É um desenho tão potente em sua mensagem quanto na forma como foi feito, provando, cada vez mais, que o diretor domina qualquer gênero, inclusive animação.


Talvez um único ponto negativo seja a falta de mais camadas para a Guardiã e a Morte. Uma abordagem mais profunda da origem dessas personagens acrescentaria um algo mais à história. Mas isso não atrapalha a ótima experiência proporcionada pela produção.

"Pinóquio", por Guillermo del Toro, é um filme que fala sobre aceitar quem somos sem que tenhamos de fazer mudanças para agradar outras pessoas. É sobre entender o peso da verdade e suas consequências. Sem dúvida, uma animação que vale a pena ver e rever, para sempre descobrir novas lições.


Ficha técnica:
Direção:
Guillermo del Toro e Mark Gustafson
Produção: Pathé, Jim Henson Productions, Inferno Entertainment
Exibição: Netflix
Duração: 1h57
Classificação: 10 anos
País: EUA
Gêneros: Animação / Fantasia

15 dezembro 2022

“The White Lotus” escancara a masculinidade tóxica e a hipocrisia do sonho burguês

Série satiriza personagens, especialmente os hóspedes norte-americanos que querem viver o clichê
do "sonho italiano" (Fotos: HBO)


Carol Cassese
Blog no Zint


Matrimônios contraídos com leviandade desencadeiam consequências graves. Essa é uma das principais mensagens da ópera Madame Butterfly, elemento bastante relevante para a segunda temporada de “The White Lotus”, série da HBO Max que chegou ao fim no último domingo (11). 

Não faltam relações levianas nesses novos episódios ambientados na Sicília: podemos mencionar os casais Daphne (Meghann Fahy) e Cameron (Theo James), Tanya (Jennifer Coolidge) e Greg (Jon Gries) e ainda a relação de Dominic (Michael Imperioli) com sua ex-mulher. 


Desde o primeiro episódio, sabe-se que os corpos de vários hóspedes foram encontrados nas cercanias do luxuoso resort. Fica a pergunta: afinal de contas, quem morreu? E a clássica: quem matou?

Dessa vez, vale ressaltar, os personagens não são os mesmos dos da temporada anterior - apenas Tanya e Greg garantiram sua vaga no resort da Sicília. Qualquer semelhança com personagens da última temporada, porém, não é mera coincidência: milionários de fato parecem todos iguais. 


Também vemos hóspedes  (principalmente homens) se aventurando em esportes "da moda" e dizendo que o "mundo está ficando muito chato por conta do politicamente correto". Afinal de contas, eles não podem nem seguir explorando os outros em paz…

Nos últimos anos, foram lançadas muitas narrativas que criticam os super ricos. Alguns exemplos são o filme “Parasita”, a série “Succession” e os bem recentes longas “O Menu” e “Triângulo da Tristeza”. 

Nesses tempos em que milionários brincam de comprar plataformas e querem explorar até mesmo outros planetas, o sonho burguês de fato parece ainda mais digno de ser criticado. 


Além de mostrar as ambições desses turistas fúteis, a série nos faz conhecer um pouco (bem pouco) da realidade siciliana por meio das personagens Lucia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Gannò). Alguns podem ficar com raiva da maneira que a série estadunidense decide retratar os italianos - obviamente, com muitos estereótipos. 

Há quem aponte que as duas garotas locais são representadas como aproveitadoras, que querem a todo custo "arrancar" dinheiro dos americanos e acabam conseguindo o que querem por meio de seus corpos. 

Já vimos isso em algum lugar? Mulheres estrangeiras (em geral latinas) sendo representadas dessa forma? Provavelmente. E claro: como boa produção estadunidense falando da Itália, não poderiam faltar menções aleatórias à máfia. 


Por outro lado, outros defendem que as duas personagens italianas na verdade são exemplos empoderadores, já que elas arrancam dinheiro dos milionários. 

O conceito de empoderamento parece elástico e simplista demais nos dias de hoje, mas também é muito difícil sentir pena desses homens que enganam e exploram mulheres há décadas (em especial, Cameron e Dominic). 

De qualquer maneira, um possível alento é o fato de que “The White Lotus” satiriza praticamente todos os personagens; os hóspedes que querem viver o clichê do "sonho italiano" - sem saberem muito a respeito da cultura do país - definitivamente não são poupados.


Assim como na primeira temporada, uma das cenas finais mostra a maior parte dos personagens no aeroporto, aparentemente despreocupados e prontos para retornarem. Nem mesmo um assassinato parece perturbar a ordem daqueles que precisam fingir que está tudo bem. 

Outro ponto em comum com a temporada anterior é a frustração que sentimos pelo fato de que alguns personagens permanecem em relacionamentos tóxicos, mesmo que a viagem tenha escancarado a superficialidade dos parceiros. Esse conformismo também é característico de uma classe que vive de sucessivas simulações.

"Você mataria por beleza?", pergunta Quentin (Tom Hollander) a Tanya em uma das cenas mais emblemáticas da temporada. Tal questionamento também pode ser traduzido como: até onde você iria para manter as aparências? Alguns morreriam - outros estariam dispostos a matar. 

Trailer da 1ª Temporada 


ATENÇÃO: A parte a seguir contém spoilers

Apareceram muitas teorias acerca de diferentes pontos da série: será que um dos filhos de Daphne é do tal instrutor de academia? Cameron vai tentar tirar dinheiro de Ethan? Cameron e Ethan dormiram juntos? Harper e Cameron tiveram algo? No final, Albie vai se revelar um cara péssimo?

É interessante reparar que a série também nos mostra que às vezes as coisas são como parecem. O cara bonzinho pode ser só isso mesmo, um inocente que não esconde um plano maquiavélico. 

Já alguém que parece uma "bagunça sexy ambulante" pode acabar... Bom, bagunçando a vida de quem decide cair na tentação. Eles avisaram.


Vale notar ainda o fato de Harper e Ethan só conseguirem se reconciliar depois de (muito provavelmente) terem ficado com outras pessoas. Eles se tornam ainda mais parecidos com Daphne e Cameron: um casal mentiroso e cheio de química. 

A afinidade sexual, portanto, estaria ligada justamente a esse jogo de falsas aparências - parece que a perfeita foto de casal no Instagram esconde uma série de enganações.

No que diz respeito ao mistério principal (quem morreu e quem matou), a narrativa nos proporciona vários elementos para que possamos montar o quebra cabeça: há a ordem de mandar Portia embora, o sumiço abrupto de Greg, as cartas de tarô, a fotografia do porta-retrato. As demais subtramas, porém, nos deixam entretidos e, consequentemente, desviam a atenção da história "principal". 


Isso não é um demérito da série: considerando que há um mistério a ser desvendado, é mais do que desejável que o espectador não saiba em que focar. Já que estamos muito ocupados observando as investidas absurdas de Cameron, não necessariamente damos atenção ao desaparecimento de Greg, por exemplo.

Num diálogo com Portia, Tanya conta que sempre se comportou como uma boneca, esperando que os outros brincassem com ela. Percebemos que, mesmo num momento decisivo do último episódio, ela parece apegada a um detalhe supérfluo: "Greg estava ou não com outra mulher?". 


Mais uma vez, vale a pena lembrar da pergunta de Quentin: "Você morreria pela beleza?". Em determinado momento, é possível que nos perguntemos: Tanya realmente demora a juntar as peças do quebra cabeça ou apenas decide privilegiar a beleza?

É triste nos darmos conta de que a personagem foi realmente manipulada por vários homens ao longo de sua vida. Figuras do sexo masculino que, como bem pontuou a personagem Daphne, "acham que estão fazendo algo muito importante, mas, por serem tão competitivos, na verdade estão apenas vagando sozinhos". Como um elefante macho. Que venha o próximo destino - e mais uma porção de relações levianas. 

Trailer da 2ª Temporada


Ficha técnica:
Direção, roteiro e produção executiva: Mike White
Produção e distribuição: HBO
Exibição: HBO Max
Duração: 2 temporadas = 6 episódios cada
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: comédia / drama

12 dezembro 2022

Projeto mineiro vence maior prêmio nacional de promoção do Patrimônio Cultural

Lançamento da exposição na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte (Foto: Marcus Desimoni/Nitro)


Da Redação


“Uma cidade só é viva é tem alma quando contamos nossas histórias.” Esse é o lema do Projeto "Moradores – A Humanidade do Patrimônio", da produtora mineira Nitro Histórias Visuais, que acabou de ser o grande vencedor do Prêmio Rodrigo Melo Franco 2022. 

O Projeto Moradores é uma ação de ocupação do espaço público pelas artes integradas (Fotografia, Audiovisual e Literatura) e suporte à Educação Patrimonial. 

Lançamento da exposição na Fazenda Boa
Esperança- Belo Vale (Foto: Gustavo Baxter/Nitro)

Um movimento que visa o reconhecimento e a valorização da Memória e da História Oral das pessoas - sejam elas anônimas, populares ou mestres do saber - como sendo o maior patrimônio que um território pode ter. 

Criado em 2012, pelos quatro autores da produtora - o fotógrafo Marcus Desimoni, o escritor Gustavo Nolasco e os diretores Bruno Magalhães e Alexandre Baxter -, o projeto já passou por Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e 27 cidades/territórios. 

Morador de Juazeiro (BA) com integrantes do Projeto
Moradores (Foto: Marcus Desimoni/Nitro)
 
Fotografou e registrou memórias afetivas, histórias orais e reflexões sobre os territórios e seus bens culturais - materiais e imateriais - de aproximadamente 4 mil pessoas.

Exposições gigantes e documentários

Tudo começa com uma tenda branca montada numa praça de uma cidade e um convite. Nesse instante, mais do que o ato de se deixar fotografar, cada morador é chamado a contar a sua história e a falar sobre suas memórias em relação à cidade/território onde vive. 

Exposição em S. Gonçalo do Rio das Pedras-MG
(Foto: Bruno Magalhaes/Nitro)

Todos esses registros passam por uma edição de conteúdo (fotográfico, audiovisual e literário) e devolvidos à comunidade em formato de produtos culturais e educativos - no sentido da Educação Patrimonial. 

São exposições de retratos em grande formato (painéis gigantes de 4m x 2m), varais fotográficos, filmes documentários, catálogos de histórias, rodas de conversa sobre “Memória e Patrimônio”, entre outros. 

A agenda da temporada 2023 do Projeto Moradores está com duas cidades confirmadas (Paracatu e Cordisburgo, ambas em Minas Gerais). Para contratação do projeto: atendimento@nitroimagens.com.br

Projeto Moradores (Foto: Marcus Desimoni/Nitro)

Premiação

Trata-se da maior premiação nacional referente a ações, projetos e programas voltados para o fomento, preservação e salvaguarda do Patrimônio Cultural do Brasil e que envolvam temas relacionados à memória, gestão do patrimônio, difusão e valorização do saber popular.

Personagem de Feira de Santana-BA
(Foto: Júlia Braga/Nitro)

Essa é a 35ª edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco. Ele premia ações, projetos e programas voltados para o fomento, preservação e salvaguarda do Patrimônio Cultural do Brasil e que envolvam temas relacionados à memória, gestão do patrimônio, difusão e valorização do saber popular. São duas categorias: pessoas físicas e pessoas jurídicas. 

Viaduto Santa Tereza - BH
(Foto: Marcus Desimoni/Nitro)

Neste ano, 268 projetos disputaram a premiação, que se trata de uma forma de reconhecimento e estímulo ao trabalho desempenhado pelos proponentes. 

Após as etapas de homologação das inscrições, análise das Comissões Regionais e deliberação por parte da Comissão Nacional de avaliação foram declaradas vencedoras do Prêmio Rodrigo Melo Franco 2022: 

- Categoria Pessoa Jurídica: "Moradores – A Humanidade do Patrimônio" - Belo Horizonte/MG
- Categoria Pessoa Física: "Sabedorias Compartilhadas" - Catarina Guató - Corumbá/MS


09 dezembro 2022

"Ela Disse" quebra o silêncio e escancara o assédio sexual por trás do brilho de Hollywood

Carey Mulligan e Zoe Kazan interpretam as jornalistas que denunciam o produtor de cinema Harvey Weinstein por diversos crimes (Fotos: Universal Pictures)



Maristela Bretas


Duas mulheres fortes e determinadas. Jornalistas, casadas, com filhos pequenos, que resolveram enfrentar e expor uma indústria onde o silêncio, o dinheiro e o poder abafam os piores crimes e pune as vítimas. 

Essa é a história de "Ela Disse" ("She Said"), que estreou nessa quinta-feira nos cinemas e é um soco no estômago por sua abordagem direta que inclui narrações das vítimas e gravações dos diálogos dos crimes.


Inspirado em fatos e depoimentos reais, apresentados durante o trabalho de apuração das jornalistas do The York Times, Megan Twohey (Carey Mulligan) e Jodi Kantor (Zoe Kazan), o filme expõe um dos maiores escândalos de Hollywood ao contar os abusos, agressões e assédios sexuais e o pior, estupros, cometidos por décadas pelo poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein.

A excelente matéria investigativa publicada pelo jornal deu origem ao livro homônimo, que serviu de base para a produção. "Ela Disse" contou com a atuação impecável das duas protagonistas e a direção correta e precisa da alemã Maria Schrader para  mostrar, passo a passo, a podridão do mundo criminoso e silencioso do assédio sexual por trás das câmeras. 


Graças a esta reportagem especial, que demorou meses, com pressão sobre o jornal e ameaças de morte contra as jornalistas, o fim de uma era de silêncio e podridão contras as mulheres em Hollywood começou a mudar. 

E abriu caminho para o surgimento do importante movimento "#MeToo", que começou a colocar um basta ao assédio moral e sexual, não só no cinema, mas no mercado de trabalho norte-americano. 


Tanto a matéria para o The New York Times quanto o filme contaram com a participação e depoimentos das atrizes Ashley Judd e Gwyneth Paltrow, que descrevem seus próprios encontros com Weinstein e os assédios sofridos, com ameaças a suas carreiras. 

Mas para chegar a essas duas grandes atrizes, Megan Twohey e Jodi Kantor precisaram percorrer um longo caminho e muitas negativas de outras vítimas do diretor. 


De promissoras candidatas ao estrelato a funcionárias dos estúdios, elas tinham em comum o medo e o silêncio “comprado” com volumosas indenizações. Algumas foram inclusive proibidas de falar sobre os ataques e os acordos com as próprias famílias.

Com mais de duas horas de duração, "Ela Disse"  é bem detalhista, inclusive quando mostra a preocupação da direção do jornal em só publicar as denúncias quando as jornalistas tivessem provas concretas. 

Em alguns momentos, essa busca pela informação pode deixar a narrativa do filme um pouco lenta. Talvez seja essa a intenção da diretora ao querer explicar bem  toda a história e os crimes que culminaram em 2020 na condenação do ex-diretor cinematográfico a 23 anos de prisão.


O público acompanha o dilema das protagonistas que precisam dividir a vida pessoal com o trabalho. Em especial esta matéria do assédio, que exigia maior tempo fora de casa (inclusive com viagens) longe da família, as ameaças por estarem mexendo com gente poderosa, a frustração a cada não recebido. Ao mesmo tempo, a euforia com cada informação confirmada. 

"Ela Disse" mostra que as jornalistas não estão ali somente pelo furo jornalístico. À medida que elas conversam com as vítimas, maior o desejo de expor um crime que era acobertado pelas pessoas ao redor de Westein e também prática de assédio considerada normal pelos homens. Há uma cena envolvendo Megan Twohey e o cliente de um bar que deixa claro essa questão.


A história começa em 2017, a repórter do New York Times Jodi Kantor recebe uma denúncia de que a atriz Rose McGowan foi abusada sexualmente pelo produtor de Indiewood e dono do extinto estúdio Miramax, Harvey Weinstein. 

McGowan inicialmente se recusa a comentar, mas depois liga de volta para Kantor e descreve um encontro em que Weinstein a estuprou quando ela tinha 23 anos. 

Na busca de outros depoimentos, a jornalista chega às duas famosas atrizes que também foram vítimas, mas se recusam a aparecer. Mas para continuar a investigação ela vai precisar contar com a experiência da colega Megan Twohey, que já havia investigado anos antes denúncias semelhantes contra o então candidato à presidência dos EUA, Donald Trump.


Carey Mulligan, Zoe Kazan e Patricia Clarkson, que interpreta Rebecca Corbett, editora do NYT, são os destaques femininos do filme. Além delas, Samantha Morton e Jennifer Ehle entregam ótimas atuações nos papéis das vítimas Zelda Perkins e Laura Madden. Assim como André Braugher, como o editor executivo do NYT que compra a briga das jornalistas por uma boa história.


Um ótimo filme, esclarecedor e bem dirigido, assim como a matéria investigativa que o originou e que garantiu às jornalistas a conquista de um Prêmio Pulitzer (o mais importante concedido ao jornalismo norte-americano). 

O roteiro é digno de ser indicado para disputar o Oscar 2023 nessa categoria. Vale a pena ser conferido tanto por quem acompanhou o caso na época quanto por quem não conhece a história.


Ficha técnica:
Direção: Maria Schrader
Produção: Universal Pictures / Plan B Entertainment / Annapurna Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h09
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: drama, biografia