30 maio 2023

“O Último Ônibus” é um road movie cativante que aborda velhice, nostalgia, amor e empatia

Levando apenas uma maleta, Timothy Spall embarca em uma jornada inesperada até o fim do mundo
(Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Nos primeiros minutos do filme, uma mulher convoca o marido para irem embora pra longe. Eles vão. E este é o ponto de partida para a história da longa viagem de volta deste homem, décadas depois. Em "O Último Ônibus", o protagonista é Tom Harper, vivido por Timothy Spall (“Harry Potter e as Relíquias da Morte” - 2010). 


No longa do diretor escocês Gillies MacKinnon, que estreia nesta quinta-feira (1º de junho) nos cinemas brasileiros, distribuído pela Pandora Filmes, Spall (66 anos), volta às telonas com uma maquiagem que o transforma em um aposentado de 90 anos. 

Tom é um viúvo que atravessa o país de ônibus para cumprir uma promessa feita à esposa Mary (Phyllis Logan) antes de ela morrer. A história se inicia como um romance, com as cenas do cotidiano ilustrando a rotina que o casal construiu e manteve ao longo de décadas. 


Essa sutileza também está na forma de mostrar que Tom ficou viúvo e fará uma viagem de 1.400 quilômetros sozinho - mesmo que o personagem diga “nosso destino”, no plural. 

Com apenas duas coisas - um passe-livre de ônibus e um objetivo - Tom se apega ao mapa e às coordenadas do trajeto. E aí o filme começa a flertar com o gênero drama. 


A princípio pode parecer um filme “sessão da tarde”, mas é uma obra tocante. Na cena em que Tom está deixando sua casa no nordeste da Escócia pra chegar ao extremo sul da Inglaterra, é bonita e delicada a metáfora que o diretor propõe. 

Crianças chegando para aprender na escola, enquanto um velho está indo embora. Uma representação sensível do fluxo da vida. 


A viagem para atravessar o país é também um passeio entre memórias. As camadas do protagonista vão sendo reveladas nos flashbacks, que instigam o telespectador e vão ajudando a desvendar o motivo dessa viagem e o que espera Tom em seu destino, a cidade de Land’s End (Fim das Terras). 

Nas diversas paradas e nos ônibus em que embarca, Tom vai atravessando as vidas de outras pessoas e também sendo impactado por elas. Embora carregue um semblante amargurado, ele consegue sorrir e despertar empatia. 


O nonagenário acaba se tornando uma celebridade ao ser filmado por câmeras de celulares em algumas situações em que se envolve - cenas que chegam a cansar um pouco, de tão repetitivas. 

No trajeto, Tom compartilha aquilo que tem: sabedoria. Nessas interações, vai se intensificando no telespectador (em mim, pelo menos) a ideia de que pessoas vêm e vão, mas as marcas que deixamos em cada uma delas podem ser transformadoras. 

Com isso, “O Último Ônibus” se apresenta como um filme rico em reflexões. Se não é perfeito, consegue durante seus quase 90 minutos ser divertido e cativante.


Uma curiosidade: O longa foi filmado em Glasgow (Escócia) e seus arredores e boa parte da trama se passa no Glasgow Vintage Vehicle Trust, um museu dedicado a meios de transportes escoceses. 

O exterior foi usado para a construção de diversos pontos de ônibus, enquanto o interior serviu de estúdio para a arquitetura de cenários.


Ficha técnica:
Direção: Gillies MacKinnon
Roteiro: Joe Ainsworth
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h26
Classificação: 12 anos
Países: Reino Unido e Emirados Árabes Unidos
Gênero: drama

23 maio 2023

“A Pequena Sereia” traz para o live-action o encanto e a magia dos desenhos

A jovem cantora e atriz Halle Bailey interpreta Ariel, com carisma e simpatia, além da belíssima voz
(Fotos: Disney Studios)
 

Maristela Bretas


Pura magia, cor e encanto. Esse é o tão esperado live-action “A Pequena Sereia” (“The Little Mermaid”), que estreia nesta quinta-feira (25) nos cinemas, reunindo jovens e experientes atores nos principais papéis. 

Além de ótimos efeitos visuais, bem associados à trilha sonora de Alan Menke, que utilizou sucessos do desenho e algumas novidades para dar mais vida à história.


A protagonista Ariel é vivida pela cantora Halle Bailey, cuja belíssima voz é quase a de uma sereia, além do carisma da jovem. Uma escolha bem acertada. A dubladora brasileira é a cantora Laura Castro, do grupo BFF Girls. 

O britânico Jonah Hauer-King interpreta o príncipe Eric, com simpatia e uma química que funciona bem com Bailey. Muito boa também a dublagem nacional do personagem feita por Ítalo Luiz.


A turma de peso conta com o ótimo Javier Bardem, firme e forte no papel do rei Tritão, pai de Ariel. Já Melissa McCarthy é Úrsula, a bruxa do mar que faz uma vilã quase assustadora e divertida, que ganha a voz de Andrezza Massei na dublagem brasileira. 

Apesar de reunir pessoas e personagens de animação, o longa está mais para um romântico musical com muita aventura. A participação humana é maior, com algumas poucas espécies do mar animadas, que não ficaram nem um pouco naturais. 


Mesmo assim, entregam os momentos mais divertidos da história. É o caso da gaivota Sabidão, amigo de Ariel. Totalmente sem noção e muito avoada, cuja voz é da atriz Awkwafina.

Já Sebastian (voz original de Daveed Diggs e de Yuri Chesman, em português) deixou de ser uma lagosta (no desenho) e virou um siri. Ele convence, mas não tem a mesma simpatia, mesmo quando tem ataques de rabugice e passa grandes apertos para vigiar Ariel. A limitação nos movimentos faciais ainda é um problema recorrente nos live-actions da produtora.


O exemplo mais cruel com um personagem foi o peixinho Linguado (na voz de Jacob Tremblay em inglês e do ator-mirim Pedro Bugarelli em português), um dos mais adorados do desenho, que está mais para Minguado. Sem expressão, plastificado, conseguiu ser pior do que os animais do live-action de “Rei Leão” (2019).  

Linguado do desenho e o do live-action (Montagem)

A nova produção acerta em cheio ao entregar um balé de imagens e uma computação gráfica invejável. Como no dueto de Sebastian tentando convencer Ariel a não sumir, ou na serenata no lago para a jovem com o príncipe. Tudo com muito movimento, cor e música em perfeita sincronia, como no desenho. 


As imagens lembram o belíssimo “Fantasia”, longa-metragem lançado pela Disney em 1940 que reúne animação e música clássica. O live-action segue a história do conto de fadas escrito em 1837 por Hans Christian Andersen e reproduzido pela Disney no encantador desenho de 1989.

Ariel é uma bela sereia adolescente com sede de aventura. Desejando descobrir mais sobre o mundo além do mar, ela visita a superfície e se apaixona pelo arrojado príncipe Eric ao salvá-lo de um naufrágio. 


Mas para se aproximar dele no mundo dos humanos, ela faz um pacto com Úrsula: aceita ceder sua voz para que a feiticeira lhe dê pernas. Essa troca, no entanto, tem um preço: Ariel precisa ser beijada pelo príncipe em até três dias para não se tornar escrava da bruxa do mar e ser afastada de todos que ama.


“A Pequena Sereia” traz diversidade no elenco, reunindo várias etnias, como é o caso de Ariel e suas irmãs sereias e a população do reino de Eric, além de um par romântico de conto de fadas. 

Indicado para todas as idades, o longa, mesmo com alguns “defeitos especiais”, merece ser conferido no cinema, se possível em Imax, para aproveitar melhor as belas imagens. 


Ficha técnica
Direção:
Rob Marshall
Produção e distribuição: Walt Disney Pictures
Duração: 2h15
Classificação: Livre
País: EUA
Gêneros: romance, aventura, família

18 maio 2023

"Velozes e Furiosos 10" aposta em elenco milionário e mais ação para retornar com o mais do mesmo

Vin Diesel retorna com seus carros possantes em perseguições e acidentes cinematográficos  (Fotos: Universal Studios)


Marcos Tadeu
Blog Narrativa Cinematográfica


Sem perder o estilo do absurdo que marcou a franquia desde o primeiro filme em 2001, onde tudo o improvável é possível, “Velozes e Furiosos 10” ("Fast X") estreia nos cinemas nesta quinta-feira (18) com um elenco milionário. 

A missão agora é conquistar uma bilheteria superior a de seus antecessores. Especialmente por deixar pontas soltas para todos os personagens, exigindo uma continuação que pode desagradar até mesmo os fãs.


O novo capítulo é dirigido por Louis Leterrier, após a saída repentina de Justin Lin por causa de decisões criativas no roteiro. Além das perseguições de carro, que são de encher os olhos, outro grande atrativo do filme é o elenco. 

Temos a equipe quase completa de Vin Diesel (Dominic Toretto), que ele chama de família - Michelle Rodriguez (Letty Toretto), Tyrese Gibson (Roman), Ludacris (Tej), Nathalie Emmanuel (Megan), Jordana Brewster (Mia) e Sung Kang (Han).


Mas as novidades caras do longa são atores como Jason Momoa (Dante Reyes), Jason Statham (Deckard Shaw), Charlize Theron (Cipher), Brie Larson (Tess), Helen Mirren (Magdalene, mãe de Deckard), Scott Eastwood (Little Nobody), John Cena (Jakob Toretto) e outros que são surpresas.

A premissa do 10º filme parte dos acontecimentos de "Velozes e Furiosos 5: Operação Rio” (2011), quando descobrimos que o famoso traficante do Rio de Janeiro, Hernan Reyes, que morreu naquele filme, tem um filho chamado Dante. 


Ele quer vingança contra Toretto, fazendo com que sua família e todos a seu redor sofram pela morte do pai dele e a perda da fortuna que estava no cofre roubado por Dom e Brian (Paul Walker) no Rio de Janeiro. 

Dante vai caçar Dom em diversos locais - Los Angeles, Londres, Brasil, Portugal, Roma e até na Antártida -, usando tecnologia de ponta e mercenários bem pagos.


Pontos positivos

Um dos pontos positivos do longa é apostar em personagens isolados, vindos de filmes passados da saga. O próprio Dante teve passagem relâmpago no capítulo 5 e agora é o vilão na disputa com Dom. Temos também caras novas, como Isabel (Daniela Melchior), ligada ao mesmo longa. 

Mas quem rouba a cena quando aparece é Deckard Shaw que, além de transformar seus inimigos em sacos de pancada (literalmente), entra na briga quando o vilão resolve mexer com sua família. Ele logo busca um jeito de resolver o problema.


As cenas de ação são boas e cumprem o que prometem, mas são praticamente reproduções do que já vimos nos filmes anteriores. Destaco a sequência da bomba gigantesca em forma de bola, rolando pelas ruas de Roma e causando destruição - excelente mesmo sendo bem exagerada. 

As demais, comparadas a outros filmes, são mais do mesmo, com grandes efeitos visuais, muito tiro, porrada e bomba para manter o padrão, incluindo carros e crianças voando, capotamentos e perseguições cinematográficas.


Até a trilha sonora foi bem menor que a dos filmes anteriores. A novidade é uma das canções da cantora Ludmilla, que também faz uma breve ponta no filme. Não acrescenta em nada, poderia ser qualquer pessoa, mas vale pela participação da brasileira.

O filme parece que quer viver de fan service o tempo todo. Até os “pegas de rua” com aposta são colocados para causar nostalgia ao relembra a origem da franquia. No entanto, parece que o diretor esqueceu que o formato mudou, e situações como essas ficam só na lembrança, algo bem passageiro.


Defeitos graves

“Velozes e Furiosos 10” tem dois grandes defeitos. O primeiro é sobre Brian’ O Conner (Paul Walker). Se ele foi contextualizado na cena inicial que é o grande mote do filme em relação ao vilão, esperava- se que o personagem fosse estar junto de sua família, nos dias atuais. Porém, só temos pequenas homenagens com cenas passadas. 

Até sua esposa Mia volta para o grupo, mas Brian é citado apenas como o cara que cuida dos filhos, enquanto a mulher pula de um país para outro com o time de Dom. É bem deprimente ver um personagem de tamanha importância para toda a franquia, ser resumido a uma bábá. 


Muito se fala sobre o irmão mais novo de Paul Walker, Cody, entrar na franquia e continuar o legado, só que isso não aconteceu neste longa. Será que vão colocar mais pra frente? 

A participação especial foi da filha do ator falecido, a modelo Meadow Walker, que fez uma aparição rápida como a aeromoça do voo de John Cena. O certo é que o personagem Brian continua vivo na franquia, porém completamente apagado.


O segundo defeito do longa é o vilão Dante Reyes. De todos que já apareceram na franquia é o que mais destoa, com Jason Momoa entregando um personagem com muitas expressões caricatas. 

Perde feio se comparado, por exemplo, com Cipher e Deckard Shaw, vilões que conseguiram passar motivação, sem serem exagerados, se apresentando no tom certo. 


Fiquei com a impressão de que Momoa estava em outra frequência, completamente diferente de toda a galeria de vilões já vista na saga. Será que a proposta seria a de não se levar a sério o capítulo 10? Ele seria uma grande piada em que o vilão é quase um humorista?

“Velozes e Furiosos 10” diverte como um bom filme de ação que não pode ser levado a sério. Mas o número excessivo de continuações coloca em xeque a qualidade de cada nova produção e a paciência do público.


O novo longa é uma colcha de retalhos de tudo o que já foi apresentado nos antecessores. Recupera cenas, personagens e dramas para explicar o roteiro modificado com a troca do diretor e que acabou ficando um pouco confuso. 

Ao final, o filme deixa várias interrogações, o retorno de personagens nos minutos finais que podem agradar (ou revoltar), além da cena pós-crédito. Nada que não se resolva com mais dois capítulos. Haja criatividade!


Ficha técnica:
Direção: Louis Leterrier
Produção: Universal Pictures / One Race Films
Distribuição: Universal Pictures Brasil
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h21
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gênero: ação

16 maio 2023

Contagem, Betim, Ribeirão das Neves e Sabará recebem 1ª Mostra Cine RMBH com exibições gratuitas



Da Redação


Quatro cidades da Região Metropolitana de BH - Contagem, Ribeirão das Neves, Betim e Sabará - vão receber a primeira Mostra Cine RMBH, de 17 a 20 de maio. Com entrada gratuita, o circuito tem o objetivo de difundir e promover a produção audiovisual destas cidades, com a exibição de curtas-metragens.

CONTAGEM - Coluna da esquerda: "Ser(esta)" e "Meu Nome é Maalum";
centro: "Alta Frequência"; coluna da direita: "De Quebrada"
e "4 Bilhões de Infinitos" (Fotos: Reprodução)

O circuito começa por Contagem (17), seguido por Ribeirão das Neves (18), Sabará (19) e Betim (20). Além de promover o acesso à formação e o intercâmbio entre realizadores locais, estaduais, nacionais e internacionais, o evento ainda celebra os 50 anos da criação da região metropolitana. 

RIBEIRÃO DAS NEVES - Esquerda: "Reservado"; direita: "Tô Esperando 
Você Voltar"; embaixo: "Capitão Tocha","Cyntia" 
                         e "Cósmica" (Fotos: Reprodução)

Os 30 curtas-metragens que integram a Mostra Cine RMBH foram selecionados pelos cineastas mineiros Karen Suzane e Affonso Uchôa, ambos com destaque internacional e autores de filmes premiados. 

As obras foram inscritas pelos fazedores de cinema por meio de um formulário online e passaram pelo crivo da dupla curadora. 

Cada trabalho selecionado foi agraciado com um cachê. Ao todo, a mostra recebeu 66 inscrições, que vieram das cidades de Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Contagem, Esmeraldas, Nova Lima, Ribeirão das Neves, Sabará e Vespasiano. 

SABARÁ - Esquerda: "Sobre Amizades e Bicicletas" e"Posologia";
centro: "4 Bilhões de Infinitos" e "De Quebrada"; direita: "Ser(esta)"
(Fotos: Reprodução)

“A primeira Mostra Cine RMBH vai movimentar quatro cidades, proporcionando a experiência de aproximar os realizadores da região com o grande público. Promoverá ainda o acesso ao cinema, uma vez que os municípios escolhidos não contam com um circuito de exibições gratuitas e que valorizam o cinema nacional, estadual e local", garante o idealizador do circuito Rafael Aquino. 

A Mostra Cine RMBH conta com quatro temáticas: Mostra RMBH, Mostra Paralela, Mostrinha e Mostra Educação, que vai acontecer em escolas da Região Metropolitana de BH. 

BETIM - Esquerda: "Tô Esperando Você Voltar"; centro: "Capitão
Tocha" e "Cósmica"; direita: "Controle de Tráfego" e "Cyntia"
(Fotos: Reprodução)

O evento, realizado pela Move Cultura, conta com o apoio da Casa Criativa, da Borrachalioteca de Sabará, da AAPCINE, do Cine Teatro Popular, da Plena Filmes e do Espaço Dell'Arte, além de uma parceria com as Prefeituras de Contagem e de Sabará. 

Conheça mais detalhes da programação de filmes de cada cidade no site da Mostra Cine RMBH -  https://mostracinermbh.com.br

SERVIÇO
Mostra Cine RMBH

Período: de 17 a 20 de maio
Entrada: Gratuita
Exibições:
17 de maio
Contagem
- Parque Ecológico - Rua Paineiras, 753 - Eldorado
Horários: 14h - Mostrinha // 19h - Mostra RMBH

18 de maio
Ribeirão das Neves
- Cine Teatro Popular - Rua do Comércio, 225 - Lídice
Horários: 18h - Mostrinha // 19h - Mostra RMBH

19 de maio
Sabará - Cine Teatro Bandeirante - Rua Luís Cassiano, 60 - Centro
Horários: 14h - Mostrinha // 19h - Mostra RMBH

20 de maio
Betim - Teatro Dell'Art - Rua Santos Dumont, 133 - Horto
Horários: 16h - Mostrinha // 19 - Mostra RMBH

12 maio 2023

“As Órfãs da Rainha” une ficção e história do Brasil colonial para falar de temas atuais e urgentes

Três jovens são enviadas de Portugal pela Rainha para formar as primeiras famílias no Brasil colonizado (Fotos: Persona Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


A pergunta inevitável ao final da sessão é: de onde a diretora tirou esse roteiro, que toca em temas tão intrigantes, comoventes e atuais como intolerância religiosa, opressão das mulheres e preconceito, mesmo sendo uma história passada no século XVI, em pleno Brasil Colônia? 

Em mais de 300 livros lidos e outras centenas de documentos pesquisados, é o que tem explicado a mineira Elza Cataldo em suas entrevistas ao longo do lançamento de “As Órfãs da Rainha”, em cartaz nos cinemas da rede Cineart e UNA Cine Belas Artes.


Foi por volta de 1590, em algum lugar do recôncavo baiano, que a diretora Elza Cataldo, junto com os roteiristas Pilar Fazito e Newton Cannito, localizaram a fictícia Vila Morena, onde se passa a trama. 

Em algum momento, aportam naquele ambiente inóspito e hostil, em plena selva, três jovens que teriam sido enviadas de Portugal pela Rainha, com o objetivo, entre outros, de formar aqui as primeiras famílias. E é ali, entre indígenas, escravos negros e imigrantes brancos que as mocinhas tentam sobreviver e escrever suas próprias histórias.


Como convém a filmes bem construídos, “As Órfãs da Rainha” vai entregando, aos poucos, o que levou a tal Rainha de Portugal a enviar aquelas jovens mulheres ao Brasil. A chegada de um grupo religioso com seus conceitos, leis e castigos, em confronto com costumes e cerimônias de imigrantes judeus e indígenas nativos, é, talvez, o ápice do filme, surpreendendo espectadores até então indecisos sobre os rumos daquela estranha história.


Filmado numa fazenda em Tocantins de Minas, na Zona da Mata, o longa ganha contornos de realidade, muito em função de uma nítida pesquisa histórica. Além, claro, da direção de arte de Moacyr Gramacho, a fotografia de Fernando Tamaka e os figurinos impecáveis de Sayonara Lopes e Rosângela Nascimento. No filme fala-se, além de Português, também os idiomas judaico e indígena.


Os atores do filme de Elza Cataldo – a maioria de Minas – são um capítulo à parte. A começar pelas três órfãs, feitas com maestria por Letícia Persiles (Leonor), Rita Batata (Brites) e Camila Botelho (Mécia), o elenco é todo um raro acerto. Destaques para a atuação de César Ferrario como Escobar, o imigrante judeu dono de engenho; Alexandre Cioletti como Thales, o marido violento de Brites; e Juliana Carneiro da Cunha, no magistral papel de Dona Tareja, a cega guardiã das tradições judaicas.

Também merecem destaque Celso Frateschi como o inquisidor, as impecáveis Inês Peixoto (Isabel) e Teuda Bara (Donana) como as feiticeiras curandeiras, e Jai Batista numa interpretação emocionante e convincente de Marta, escrava alforriada que se vê entre a delação e a condenação. 


Há ainda Eduardo Moreira (Padre Jorge), Adana Omágua Kambeba (Apolônia), Mauri Borari (Zomé), Luiz Gomide (Padre Joaquim), Beto Milani (Diogo), Kika Bruno (Paula), Camilo Lélis (Damião), Odilon Esteves (notário). E mais Anderson Kwarai Venite, Israel da Costa Silva, Hugo Tupã Pires de Lima, Kuaray Jekupe Andrey da Silva de Oliveira, Vera’i Cristiano da Silva Oliveira e outros. 


Como se vê, há atores indígenas no filme, alguns falando idiomas originários, o que fortalece a autenticidade do longa.

Enfim, “As Órfãs da Rainha” é muito mais do que um drama histórico. É também um discurso forte sobre a causa das mulheres, tradicionalmente oprimidas e violentadas, e, acima de tudo, um alerta mais do que oportuno sobre os danos do radicalismo religioso. Impossível não aplaudir no final.


Ficha técnica:
Direção e produção: 
Elza Cataldo
Roteiro: Elza Cataldo, Pilar Fazito e Newton Cannito
Realização: Persona Filmes
Distribuição: Cineart Filmes
Exibição: rede Cineart e Una Cine Belas Artes
Duração: 2 horas
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: história, drama

11 maio 2023

"Do Jeito Que Elas Querem - O Próximo Capítulo" uma comédia livre, leve e solta, para sair bem do cinema

As quatro amigas levam seu clube do livro para uma divertida viagem de despedida de solteira (Fotos: Universal Pictures)


Maristela Bretas

Leve, divertido e com um superelenco feminino que retorna após cinco anos do filme original. Este é "Do Jeito Que Elas Querem - O Próximo Capítulo" ("Book Club: The Next Chapter"), que reúne novamente quatro grandes estrelas do cinema: Diane Keaton (Diane), Jane Fonda (Vivian), Candice Bergen (Sharon) e Mary Steenburgen (Carol). 

Sem papas na língua, falando de sexo, frustrações, alegrias, romances tórridos (e outros nem tanto), as quatro mulheres, amigas há 50 anos, agora só pensam em fazer uma grande despedida de solteira. A felizarda é Vivian, que finalmente vai se casar com Arthur (Don Johnson, que participou do primeiro filme). 


Nada melhor que viajarem juntas para a Itália, terra do romance e do vinho. Um passeio planejado anos atrás e que nunca foi realizado por motivos diversos. 

Chegou a hora e elas não vão deixar passar. Influenciadas pelo livro "50 Tons de Cinza", lido por todas no clube do livro do primeiro filme, além de outros romances, elas agora estão mais maduras, aposentadas e dispostas a uma turnê do tipo "clube das garotas". 


Mas elas vão encontrar muito mais que bons hotéis. As férias relaxantes vão se transformar em uma aventura de cross-country única pelo país, regada a muito vinho, novos e velhos amores e vários perrengues.

Com esse elenco não se poderia esperar mais do que excelentes atuações, com diálogos recheados de insinuações picantes que proporcionam boas gargalhadas. Além de um figurino bem no estilo das atrizes. Destaque para o vestido de noiva de Vivian.


Candice Bergen, no papel de uma juíza aposentada, é a mais divertida. Especialmente quando se envolve com pretendentes que surgem ao longo do percurso. 

Vivian continua sendo a revolucionária, que agora tem hábitos mais saudáveis, como dormir cedo para preservar a pele e um café da manhã de muitas frutas. Sem recusar, claro um bom espumante.


Carol ainda é a mais careta e cheia de preocupações, especialmente com o marido Bruce (Craig T. Nelson, outro do primeiro filme). Diane não fica muito atrás e, mesmo vivendo há anos com Mitchell (Andy Garcia, também retornando neste longa), ainda permanece presa ao passado e ao marido morto. 

As novidades do elenco são os atores Giancarlo Giannini (o chefe de polícia), Hugh Quarshie (Ousmane) e Vincent Riotta (Gianni).


Como em "Do Jeito Que Elas Querem", de 2018, Bill Holderman é o diretor e divide roteiro e produção com Erin Simms. Novamente, eles acertaram no enredo ao tratar a uma amizade sincera e leal com o toque de humor ideal. Uma ótima continuação do primeiro filme que vale conferir para sair leve do cinema.


Ficha técnica:
Direção: Bill Holderman
Produção: Focus Features
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h48
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: comédia, romance

10 maio 2023

"Máfia Mamma" aborda temáticas feministas com sutileza e bom humor

Toni Collette e Monica Bellucci protagonizam essa comédia sobre o comando da máfia italiana após a morte do chefão (Fotos: Paris Filmes)


Larissa Figueiredo 


Uma mãe suburbana norte-americana herda o império da máfia de seu falecido avô na Itália. Esse é o enredo de "Máfia Mamma", longa de comédia que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (11).

Para Kristin Balbano (Toni Collette), a viagem que era uma versão peculiar de “Comer, Rezar, Amar” (2010) se transformou em “O Poderoso Chefão”. 

Apenas ao chegar ao velório, ela descobre que o avô, Giuseppe Balbano, era chefe da mais feroz máfia da Calábria. Como sua descendente mais próxima se tornou a sucessora nos “negócios” da família.


O “tempero” do filme é a personalidade brutalmente comum da protagonista, ao mesmo tempo em que Kristin é única e quebra todas as expectativas. 

É possível rir e se identificar com os dilemas apresentados, até mesmo em situações nada cotidianas (como um jantar com a família rival). Ela é uma mulher como todas as outras, e assim como elas, é diferente.


A sensibilidade de Catherine Hardwicke para abordar as questões de gênero é algo consolidado em sua carreira e "Máfia Mamma" evidencia isso. Hardwicke dirigiu os documentários “Isso Muda Tudo”, “Luz Câmera, Machismo!” e o drama analógico premiado “Tell It Like a Woman”, que estreia em junho deste ano.


No longa de comédia, a diretora aborda a relação do machismo em ambientes de trabalho e a emancipação feminina para além da validação masculina. Kristin leva os negócios da máfia da forma que apenas uma mulher conseguiria, com carisma e empatia. 

A princípio, causa estranhamento e recriminação dos outros membros, mas no decorrer da trama, ela conquista espaço e ganha o respeito dos rivais de maneiras inusitadas.


Se nos lugares comuns do cinema as mulheres se voltam umas contra as outras, em "Máfia Mamma", Kristin conta com a ajuda de Bianca (Monica Bellucci), fiel escudeira de seu falecido avô. Bianca se apresenta de forma diferente de Kristin, exala sensualidade e poder, mas uma não compete com a outra. A amizade das duas personagens é retratada com lealdade até o fim do enredo. Ponto para Hardwicke!


Nas obras de comédia é comum ver um certo desleixo com o roteiro e a construção de personagens. Em "Máfia Mamma" não é preciso escolher: o roteiro é primoroso e o filme é engraçado. Não há pontas soltas nem personagens esquecidos como alívio cômico.

Por fim, é importante dizer que assistir a trajetória de Kristin é um lembrete de que é possível se reinventar sem deixar de ser quem é.
  

Ficha técnica:
Direção: Catherine Hardwicke
Produção: Idéal Films / Bleecker Street
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h41
Classificação: 16 anos
País: Itália
Gêneros: comédia, ação, policial
Nota: 5 (0 a 5)