10 julho 2024

"Ninguém Sai Vivo Daqui" - dramatização não aprofunda realidade cruel do Hospital Colônia

Longa em preto e branco aborda o tratamento desumano dado a pacientes internados em unidade psiquiátrica de Barbacena, na década de 1970 (Fotos: Gullane) 


Silvana Monteiro


Saúde mental, política manicomial, machismo, exclusão, segregação, padrões sociais, abusos e maus-tratos são alguns dos temas abordados no longa "Ninguém Sai Vivo Daqui", distribuído pela Gullane+, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (11). Em BH ele está em exibição no Cine Una Belas Artes. 

Inspirado no premiado livro "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, o filme, dirigido por André Ristum, apresenta uma história impactante, apesar de algumas falhas.  


O foco principal da trama é em Elisa, uma jovem saudável que, por quebrar alguns dos padrões sociais mais defendidos da época, a tal honra feminina, é internada à força pelo pai no hospital psiquiátrico Colônia, em Barbacena (MG), no início dos anos 1970. 

Apesar de hoje esta prática causar espanto em muitas pessoas, era comum no passado, quando uma jovem engravidava sem estar casada e passava a representar "uma desonra" para as famílias.


A fotografia em preto e branco, fruto da parceria entre Ristum e o diretor de fotografia Hélcio Alemão Nagamine, é sim um personagem fundamental no filme. E claro, cumpre a missão de destacar a falta de vida e alegria na experiência dos internos. Contudo, essa escolha estilística, embora dramática, não consegue sustentar alguns trechos rasos da obra. 

A ausência de cor simboliza a desumanidade e o sofrimento dos pacientes do Colônia, mas se o filme fosse colorido e mais profundo, detalhando alguns acontecimentos à cor, talvez seu impacto fosse ainda maior. 

A paleta monocromática tenta reforçar a atmosfera sombria e opressiva, mas em alguns pontos a narrativa acaba se tornando uma miscelânea, que desvia o foco de um tema sério, necessário e pouco explorado no Brasil.


A trilha sonora, composta por Antônio Pinto, é notável. O uso de ruídos e texturas sonoras cria uma ambiência inquietante que se funde perfeitamente com as imagens em preto e branco, nesse ponto, a obra se torna diferenciada. As imagens do “trem de doido” são um ponto alto da produção ao mostrar como as pessoas eram levadas para o local. 

Ristum, que assina o roteiro com Marco Dutra e Rita Gloria Curvo, poderia ter explorado mais histórias para humanizar melhor o contexto da política manicomial da época. A experiência cinematográfica é impactante, mas em alguns momentos, o sofrimento dos personagens, especialmente das mulheres, se dilui. 


É o caso de Vanda, magistralmente interpretada por Rejane Faria. Vale destacar também as interpretações de Bukassa Kabengele, no papel de Raimundo, um interno que demonstra bem como aquele ambiente desconcerta e causa ira. Além de Augusto Madeira, como Juraci, um verdadeiro crápula. 

O elenco, liderado por Fernanda Marques no papel de Elisa, entrega performances memoráveis. Ela transmite, com maestria, a dor, a angústia e a luta de sua personagem, representando a luta de tantas outras mulheres internadas injustamente no Colônia. 


Um dos grandes trunfos da obra é a demonstração de que sororidade é algo sublime em qualquer situação e contexto. "Ninguém Sai Vivo Daqui" expõe a podridão da política manicomial na história do Brasil. Contudo, carece de uma abordagem mais visceral que corresponda à sua estética impactante, tal como é a marca da história do Colônia.

Cidade dos Loucos

O Hospital Colônia de Barbacena, fundado em 1903, foi inicialmente construído para tratar pacientes com tuberculose. Conhecido como "Cidade dos Loucos" por abrigar sete instituições psiquiátricas, tornou-se notório pelo tratamento desumano aos pacientes, sendo comparado a um campo de concentração nazista. 


Em 1961, contava com cerca de cinco mil pacientes, muitos sem diagnóstico de doença mental, incluindo opositores políticos e grupos marginalizados. 

Estima-se que 70% dos internos não possuíam transtornos de saúde mental, eram enviados por não se adequarem aos padrões da época, tais como políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, entre outros grupos marginalizados na sociedade. Dados levantados à época mostram que pelo menos 60 mil pessoas tenham morrido no Hospital Colônia de Barbacena.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: André Ristum
Produção: Sombumbo, TC Filmes, coprodução Gullane, Geração Entretenimento, Canal Brasil e Karta Film
Distribuição: Gullane+
Exibição: Cine Una Belas Artes, sala 2, sessão Às 18h40 e sala 3, às 13h50
Duração: 1h26
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama

2 comentários:

  1. E preciso que essa história seja contada !

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  2. Com certeza, ir fundo para finalmente todos saberem os destinos de muitos pacientes que por lá passaram e desapareceram. Obrigada por seu comentário

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