15 setembro 2024

"Não Fale o Mal" é um filme óbvio e desmerece a primeira versão

James McAvoy tenta salvar remake de terror, mas roteiro fraco não ajuda muito (Fotos: Universal Pictures)


Maristela Bretas


Não adiantou ter no elenco os ótimos James McAvoy e Mackenzie Davis. O roteiro e a direção de James Watkins não ajudaram a nova versão norte-americana de "Não Fale o Mal" ("Speack No Evil"), em cartaz nos cinemas. 

Com cenas óbvias, sem nenhuma surpresa para o público sobre o que acontecerá a seguir, o filme é uma sucessão de situações que subestimam a inteligência do espectador, com um terror que deixa a desejar. No máximo pode-se dizer que é um suspense (que não surpreende).


Ao invés de explorar as nuances e a tensão do original, o remake opta por um caminho mais previsível e violento, perdendo a atmosfera de desconforto e estranhamento que caracterizou a versão dinamarquesa dirigida por Christian Tafdrup e exibida em 2022. 

A série de sustos baratos e revelações óbvias tomam o lugar do tão esperado terror psicológico, deixando o espectador entediado e insatisfeito.

O roteiro de James Watkins falha em desenvolver os personagens de forma convincente. Apesar do talento de McAvoy e Davis, suas performances ficaram limitadas. A falta de coesão entre as diferentes partes do filme resulta em uma experiência fragmentada e pouco impactante. E de "Fragmentado", o ator entende bem, graças à sua excelente atuação como um assassino de múltiplas faces no filme de M.Night Shyamalan de 2017.


Neste remake, uma família dos Estados Unidos que mora em Londres, após se aproximar de uma família britânica durante suas férias na Itália, aceita um convite para passar um final de semana em sua casa de campo. Este início segue uma linha muito semelhante ao filme original. 

Inicialmente, o cenário parece perfeito, oferecendo uma pausa tranquila. No entanto, o que deveria ser um fim de semana relaxante logo se transforma em um pesadelo sombrio, com os anfitriões Paddy (McAvoy) e Ciara (Aisling Franciosi) agindo de forma estranha e violenta, especialmente com o filho Ant (Dan Hough). 


A partir daí começam as diferenças entre as duas produções na forma de condução dos roteiros. Na nova versão, os visitantes Ben (Scoot McNairy), Louise Dalton (Mackenzie Davis) e a filha Agnes (Alix West Lefler) precisam encontrar uma forma de escapar daquele lugar esquecido no meio do nada. A produção norte-americana tende para um final tenso, porém mais "bonzinho" que seu antecessor.

No cinema, diversas pessoas que assistiram o filme original, e até mesmo algumas que só viram esta versão saíram desapontadas e reclamando da forma como a trama foi tratada. Vale por James McAvoy, mas não é dos seus melhores trabalhos.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: James Watkins
Produção: Universal Pictures e Blumhouse Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h50
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, suspense

12 setembro 2024

“Meu Amigo Pinguim”, um filme para assistir com o lencinho do lado

Produção internacional conta com o ator Jean Reno como protagonista sob direção de David Schurmann (Fotos: Paris Filmes)


Maristela Bretas


Emocionante, sensível e cativante com ótimas interpretações dos protagonistas, “Meu Amigo Pinguim” ("My Penguin Friend") tem tudo para mexer com o coração do público a partir de 12 de setembro, quando estreia nos cinemas. 

Apesar de ser uma produção norte-americana, ela foi filmada em boa parte no litoral brasileiro, em Ubatuba (SP), Paraty e Ilha Grande (RJ), com cenas complementares no sul da Patagônia Argentina.


Confesso que deixei as lágrimas escorrerem por diversas vezes durante a exibição para a imprensa. Especialmente porque o longa foi baseado em fatos reais ocorridos em 2011 sobre a amizade entre um humilde pescador desiludido com a vida e um pinguim perdido de seu bando, que é batizado com o nome de Dindim.

Dirigido pelo cineasta brasileiro David Schurmann, "Meu Amigo Pinguim" vai agradar a todas as idades. Nosso amiguinho de asas (que não voa) é muito fofo e simpático, desde sua primeira cena. Dá vontade de pegar no colo. 

E Jean Reno vai conquistando o público à medida que cresce a amizade e o carinho de seu personagem, João, por Dindim. Ele literalmente vira um "pai de pet" uma vez por ano.


Esta união se torna uma cura para ambos. João se afastou de tudo e de todos após uma tragédia, mas quando ele descobre o pinguim muito debilitado, à deriva sozinho no oceano, encharcado de óleo de um vazamento, passa a cuidar dele.

Inicialmente contrária à avezinha travessa e barulhenta em sua casa, Maria (interpretada pela atriz mexicana indicada ao Oscar, Adriana Barraza), esposa de João, acaba não resistindo a tanta fofura e lealdade. 

Dindim provoca uma revolução na vida da família e de toda a comunidade. Mas também chama a atenção do mundo por ter um comportamento diferente de sua espécie. E isso vai trazer consequências.


O longa reúne atores de diversas nacionalidades, inclusive brasileiros, o que justifica a dublagem em português, mesmo tendo sido quase todo filmado no Brasil. Fora isso, nada mais compromete a produção. 

Além de Jean Reno e Adriana Barraza, o longa conta ainda com Alexia Moyano (Adriana), Nicolás Francella (Carlos), Rocío Hernandez (Stephanie), Juan Queiroz (Pedro), Duda Galvão, Talma de Freitas (Calista), Ravel Cabral (Paulo), Pedro Caetano (João mais novo), Wilson Rabelo (Marcos).

Foto: Aquário de Ubatura/Terramare

"Meu Amigo Pinguim" contou com a participação de cerca de 150 profissionais. A trilha sonora de Fernando Velázquez reunindo sucessos da MPB completou a história e deu a brasilidade que o filme exigia. Uma produção para assistir no cinema, com o lencinho do lado.

Curiosidade

Dez pinguins-de-magalhães (espécie de Dindim) do Aquário de Ubatuba foram treinados pela produção do filme por três meses com Jean Reno para participarem das gravações. 

O que mais se destacou nos treinamentos e acabou virando o protagonista foi Maui, por ter uma história semelhante. Foram tomados todos os cuidados com os pinguins, sob a supervisão da empresa Terramare, parceira do aquário.


Ficha técnica
Direção: David Schurmann
Roteiro: Kristen Lazarian e Paulina Lagudi
Produção: City Hills Arts, Schurmann Filmes e Content Studios
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h37
Classificação: Livre
País: EUA
Gêneros: família, aventura, drama

10 setembro 2024

O bem realizado "O Bastardo" revela mais do potencial de Mads Mikkelsen

Protagonista com carreira marcada por vilões dá vida a um capitão em uma jornada dramática (Fotos: Henrik Ohsten Zentropa)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros no dia 12 de setembro o longa "O Bastardo" (Bastarden"). O drama, distribuído pela Pandora Filmes, traz Mads Mikkelsen, famoso por dar vida a vilões na série "Hannibal" - 2013 a 2015 e "007 - Casino Royale" - 2006, e por seu papel em "Druk - Mais uma Rodada" - 2021. Ele agora sai do papel de antagonista e explora uma interpretação diferente. Além disso, o filme é a escolha da Dinamarca para disputar o Oscar de Melhor Filme Internacional.


A obra se baseia no livro "The Captain and Ann Barbara", de Ida Jessen. Na telona, o diretor dinamarquês Nikolaj Arcel explica o porquê do título e nos apresenta a história do capitão Ludvig Kahlen, que decide colonizar uma terra inóspita - Jutlândia - e fundar uma colônia em nome do Rei da Dinamarca.

Na jornada do protagonista estão um solo difícil, temporais e solidão sob um sol causticante. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Um juiz arrogante deseja se apropriar daquela terra e, tendo seus planos frustrados, não poupa esforços para destruir o projeto - e a vida - do protagonista.  


Sabotagens e vilanias que podem parecer exageradas na atuação, combinam com o antagonista, o nobre Frederik De Schinkel (vivido por Simon Bennebjerg). Uma execução tão interessante que rapidamente estamos resmungando e odiando esse vilão.

Como o trabalho de colonizar um território hostil é tarefa para muitas mãos, e esse drama reserva muitos contratempos, vale destacar no elenco de apoio a pequena cigana Anmai Mus (personagem de Melina Hagberg), que traz alívio cômico e emoção para a frieza que o capitão carrega consigo.


No longa, o espectador está sempre acompanhando tudo a dois passos da ação, observando até as coisas que o protagonista observa. Embora uma ou outra situação possa ser pressentida pelo público, as escolhas do diretor se mostram acertadas. No meio dos altos e baixos da jornada do protagonista, a obra consegue deixar a pergunta: será que vai dar certo?

A busca por essa resposta o espectador poderá fazer nos cinemas, e ouso dizer que dificilmente vai se decepcionar com a história que o aguarda. Para usar um termo da moda, ali estarão muitas 'pautas': idealismo, embate entre afeto e convenções sociais, formação de família, relações de poder e vingança. 

Tudo isso em um longa que não se torna cansativo em suas duas horas de exibição, e que traz uma fotografia bem pensada. Um filme de época com um desfecho bem amarrado - e tão satisfatório que pode até levar pra casa a tão sonhada estatueta do Oscar.  


Ficha técnica:
Direção: Nikolaj Arcel
Produção: Zantrops Productions
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h08
Classificação: 18 anos
País: Dinamarca
Gêneros: drama, ação, histórico

05 setembro 2024

Michael Keaton volta com a corda toda em "Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice"

Efeitos visuais, maquiagem e trilha sonora garantem boa diversão na nova produção de Tim Burton
(Fotos: Warner Bros. Pictures)


Maristela Bretas


Um filme repleto de referências ao antecessor, inclusive no elenco, novos rostos famosos e ótimos efeitos visuais. Este é "Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice" que estreia nesta quinta-feira (5) nos cinemas. 

Para quem curtiu o primeiro filme, "Os Fantasmas Se Divertem" (1988), o diretor Tim Burton provoca uma sensação boa de nostalgia ao trazer de volta a seus papéis originais os atores Michael Keaton, Winona Ryder e Catherine O'Hara, além de usar parte da antiga trilha sonora.


Beetlejuice não poderia ser interpretado por outro ator e Keaton retorna ao papel de estrela do longa, mantendo as mesmas caras, bocas, bizarrices e sacanagens com mortos e vivos para conseguir o que quer. E ainda tentar se casar com Lydia (Winona), mesmo depois de ter sido "despachado" por ela, de volta para a maquete, há 36 anos. 

Também Winona Ryder está muito bem no papel da ainda gótica Lydia, agora uma viúva, com um programa de TV sobre aparições de fantasmas e mãe de Astrid (Jenna Ortega, de “Pânico VI” - 2023), uma adolescente rebelde que tenta evitar a mãe de todas as formas. Papel muito parecido com o interpretado por Winona no primeiro filme há 36 anos. E pior, atormentada novamente pelo fantasma listrado. 


Jenna Ortega já havia trabalhado com o diretor em "Wandinha" (2023), da Netflix. Da série, Tim Burton também chamou para "Os Fantasmas Ainda se Divertem" o roteirista Alfred Gough e Miles Millar, o designer de produção Mark Scruton e o montador Jay Prychidny. O resultado foi uma produção com ótimos efeitos visuais, especialmente no uso de maquete no início, maquiagem e um bem aplicado stop-motion.


Neste retorno, uma tragédia inesperada na família Deetz reúne Lydia, sua madrasta Delia (Catherine O'Hara, de "Argylle - O Superespião" - 2024) e a filha Astrid na antiga casa em Winter River, ainda assombrada por Beetlejuice. 

Lydia, agora namorando Rory (Justin Theroux, de “Star Wars: Episódio VIII – Os Últimos Jedi”- 2017), produtor de seu programa de TV, tem sua vida virada ao avesso. A situação piora quando Astrid descobre no sótão da mansão a antiga maquete da cidade feita por seu avô, que mantém preso o fantasma listrado, e o portal pós-vida é aberto. 


Um descuido pode trazer Beetlejuice de volta, junto com vários habitantes do outro mundo. Como os "Cabeças Pequenas, o ator Jackson (interpretado por Willem Dafoe, de “Pobres Criaturas” - 2023), que se acha um policial, ou uma noiva vingativa de nome Delores (Monica Bellucci, de “007 Contra Spectre” - 2015). 

Mônica Bellucci, que é noiva do diretor Tim Burton, poderia ter seu talento melhor explorado. Mas mesmo com pouquíssimas falas, tem uma presença marcante, graças também à sua beleza. Outro que fez uma rápida participação, mas sempre especial, foi Danny DeVito. O filme ainda contou com a participação do estreante no cinema Arthur Conti. 


Além das boas atuações do antigo elenco e dos efeitos visuais, chama atenção a trilha sonora, com músicas do longa de 1988 como "Banana Boat" ("Day-O"), com Harry Belafonte, tocada na cena do jantar, uma das melhores de "Os Fantasmas se Divertem". 

Tem também o hit dançante dos anos 80, "MacArthur Park", com Donna Summer, e vários outros sucessos. "Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice" é um filme para matar saudade dos fãs e uma boa distração, bem no estilo fantasioso e multicolorido de Tim Burton.


Ficha técnica
Direção: Tim Burton
Produção: Warner Bros. Pictures, Geffen Company
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h44
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: terror, comédia, fantasia

04 setembro 2024

Pioneirismo, revelações e histórias de racismo fazem de “Othelo, o Grande” um documentário imprescindível

Longa dirigido por Lucas Rossi levou dez anos para ficar pronto e procura intercalar a vida pessoal e a
carreira do ator (Fotos: Davi G. Goulart)


Mirtes Helena Scalioni


Pode parecer, a princípio, que o grande mérito do documentário de Lucas Rossi seja mostrar às novas gerações o tamanho da importância do comediante Grande Otelo (1915-1993). Mas não é só isso. 

Quem teve oportunidade de acompanhar a carreira do ator, vai ficar sabendo um pouco mais sobre a vida desse homem múltiplo, nascido em Uberlândia, chamado Sebastião Bernardes de Souza Prata. “Othelo, O Grande” estreia nos cinemas em Belo Horizonte no dia 5 de setembro.


Narrado pelo próprio artista em primeira pessoa, o documentário que, segundo o diretor, levou dez anos para ficar pronto, procura intercalar fatos da vida pessoal atribulada de Sebastião com sucessos de sua carreira. Principalmente quando ele era contratado da Atlântida e lotava os cinemas do país com suas saborosas chanchadas. 

O lado ruim desse jeito de contar a história é que o espectador não fica conhecendo casos e características de Grande Otelo vividos e percebidos pelas pessoas que conviveram com ele.


Embora misture vida pessoal e trabalho, o filme peca também por não localizar a época dos fatos. Num momento o homem está chorando por causa de suas tragédias familiares e, no próximo minuto, o artista está em cena rindo e fazendo rir. Faltam referências, datas. 

O longa tem a participação especial da atriz Zezé Motta como narradora e traz imagens raras de arquivo, feitas em pesquisas na Cinemateca Brasileira.


Uma curiosidade revelada no filme, e que talvez a maioria do público não saiba, é o motivo pelo qual o pequeno Sebastião Prata passou a ser conhecido – até internacionalmente – como Grande Otelo. 

Homem de muitos talentos, ia fácil do drama à comédia, o artista foi também exímio compositor de sambas, alguns deles presentes no documentário, com destaque especial ao histórico e nostálgico “Praça Onze”, parceria com Herivelto Martins.


Produzido pela Franco Filmes, “Othelo, o Grande” tem parceiros poderosos na produção como Globo Filmes, RioFilme, Canal Brasil e Globonews. A princípio, isso facilitaria a divulgação e exibição do trabalho, que já foi vencedor do Prêmio Redentor de Melhor Documentário no Festival do Rio.

Careteiro e de humor mais escrachado, o comediante faz questão de salientar, em suas falas, as participações em filmes fora do circuito da chanchada. Trabalhou com diretores ditos sérios como Joaquim Pedro de Andrade, Werner Herzog, Nelson Pereira dos Santos e até o norte-americano Orson Welles. Afinal, foram mais de 100 filmes.


Neto de escravos e órfão, Sebastião comeu o pão que o diabo amassou, desde que se mudou para o Rio de Janeiro acompanhando uma companhia teatral que passou por Uberlândia. 

Não por acaso, o documentário é todo permeado por questões raciais, evidenciando as humilhações que o ator viveu até ser o primeiro protagonista negro do cinema brasileiro. Em muitos deles, quando chegava para trabalhar, Grande Otelo tinha que entrar pela porta dos fundos por causa de sua cor.


Ficha técnica:
Direção: Lucas H. Rossi
Produção: Franco Filmes, em coprodução com Globo Filmes, GloboNews, Canal Brasil e RioFilme
Distribuição: Livres Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed BH - Minas
Duração: 1h22
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

03 setembro 2024

Nova versão de “O Corvo” é mediana, com personagens fracos, e tem tudo para ser esquecida

Filme dirigido por Rupert Sanders tem Bill Skarsgård que retorna dos mortos para vingar a morte de sua amada (Fotos: Imagem Filmes)


Marcos Tadeu
Blog Jornalista de Cinema


O aguardado "O Corvo" ("The Crow"), dirigido por Rupert Sanders e estrelado Bill Skarsgård e FKA Twigs, já chegou aos cinemas brasileiros carregado com a sensação de que talvez essa nova versão não fosse necessária. Especialmente se consideramos o marketing tímido que acompanhou a produção. 

Diferente do que muitos podem imaginar, o filme não é um remake do clássico de 1994, mas sim uma adaptação inspirada no famoso poema "The Raven", escrito por Edgar Allan Poe em 1845.


A história segue Eric Draven (Skarsgård) e Shelly Webster (Twigs), um casal apaixonado que é brutalmente assassinado. Eric, em um ato sobrenatural, retorna dos mortos com o objetivo singular de vingar a morte da amada e a sua própria. O filme, no entanto, começa tropeçando na falta de química entre os protagonistas. 

O romance entre Eric e Shelly é apresentado de maneira apressada e superficial, dificultando que o público se envolva emocionalmente com a relação dos dois. A escolha da cantora e compositora FKA Twigs para o papel da protagonista parece mais uma tentativa de atrair os fãs do que uma decisão acertada para o desenvolvimento da personagem.


O vilão, por sua vez, é outro ponto fraco. Com uma presença apagada e mal desenvolvida, ele não consegue impor a ameaça necessária para que a trama ganhe força. Seu principal poder, o "cochicho de Satanás", até gera alguma curiosidade, mas falta-lhe a motivação para realmente se destacar como antagonista.

Visualmente, o filme tenta emular uma estética gótica e sombria, com cenas de ação que parecem inspiradas na franquia "John Wick". Infelizmente, o resultado raramente atinge o impacto desejado. Uma exceção é a cena ambientada na ópera, onde a montagem, a trilha sonora e a ação se unem de maneira eficaz, criando um momento que se destaca em meio à mediocridade do restante do filme. 


No entanto, o corvo, que deveria ser a peça central e simbólica da narrativa, acaba se tornando um figurante de luxo, sem o peso que se esperava.

A jornada de vingança de Eric é confusa e mal explorada, deixando o espectador desorientado em vários momentos. A tentativa de criar uma atmosfera sobrenatural se perde em meio à falta de clareza e coesão narrativa, tornando difícil para o espectador acompanhar a trajetória do protagonista.

Apesar de seus muitos defeitos, o filme consegue apresentar alguns pontos positivos, como a estética dark e a tentativa de dialogar com um público jovem. Algo que Rupert Sanders já havia explorado em "Branca de Neve e o Caçador" (2012) e "A Vigilante do Amanhã" (2017).


A temática do luto e da perda, bem como a busca por justiça por meio da vingança, são elementos interessantes, mas não explorados de maneira profunda o suficiente para causar um impacto real. A ideia de como a vingança pode moldar o caráter do ser humano é levantada, porém mal desenvolvida.

Esta versão de "O Corvo", de 2024, será dificilmente lembrada, caindo na mesma categoria de filmes como "Demolidor: O Homem Sem Medo" (2003) e "Elektra" (2005) – obras que, apesar de não serem desastrosas, carecem de conteúdo e rapidamente desaparecem da memória do público. 

É uma tentativa frustrada de reinventar uma história clássica, resultando em um filme com uma narrativa fraca e personagens sem brilho.


Ficha técnica:
Direção: Rupert Sanders
Produção: Edward R. Pressman Film Corporation, Davis Films, Relativity Media, Electric Shadow Productions
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h51
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: ação, policial, suspense

01 setembro 2024

"Pisque Duas Vezes": um thriller psicológico sobre dominação e sororidade

Channing Tatum interpreta o bilionário da tecnologia Slater King que promove festas estranhas em sua ilha (Fotos: Warner Bros. Pictures)


Marcos Tadeu
Blog Jornalista de Cinema


Para quem curte um terror psicológico, uma boa indicação em cartaz nos cinemas é "Pisque Duas Vezes" ("Blink Twice"), filme dirigido e roteirizado por Zoë Kravitz, que explora a dominação de gênero, especialmente no mundo das celebridades.

A trama segue Frida (Naomi Ackie, de "I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston" - 2023), uma garçonete que aceita um convite do bilionário da tecnologia Slater King (Channing Tatum, de "Como Vender a Lua" - 2024) para passar férias em sua paradisíaca ilha particular. 


O que parecia uma escapada dos sonhos, com noites selvagens se misturando a dias ensolarados e todos se divertindo muito,. vira um pesadelo quando Jess (Alia Shawkat), amiga de Frida desaparece. Ela começa a duvidar da realidade e luta para descobrir o que está acontecendo se quiser sair viva de lá.

O roteiro de Kravitz é preciso e impactante. No início, Frida absorve informações sobre Slater King e sua empresa de celulares, refletindo uma obsessão pela figura dele. A direção usa ângulos fechados para transmitir a sensação de clausura. A ilha, com sua beleza e luxo, oferece um contraste, com ângulos abertos que destacam a sensação de liberdade.


O suspense é bem construído, com um clima que indica que as coisas não são o que parecem. A revelação da verdadeira intenção do empresário é surpreendente e adiciona uma nova camada ao filme. A trama aborda temas como a seletividade da memória e a diferença entre esquecer e lembrar, refletindo sobre como muitas vezes focamos no negativo.

O thriller é recheado de reviravoltas criativas e eficazes, lembrando o estilo de Jordan Peele. O humor e os estereótipos são bem incorporados, com personagens excêntricos como uma lutadora de boxe famosa e blogueiros que escondem seus verdadeiros instintos sob a fachada da fama.


Naomi Ackie se destaca com uma atuação profunda e segura como Frida. A relação entre Frida e Slater é um ponto positivo, embora reste a dúvida sobre a natureza da ligação deles.

O elenco conta ainda com o vencedor do Globo de Ouro, Christian Slater, Haley Joel-Osment, Simon Rex, Adria Arjona, Levon Hawke (filho de Ethan Hawke e Uma Thurman), Kyle MacLachlan e a vencedora do Oscar, Geena Davis.


Todas as personagens femininas são bem escritas, e a união delas é bem desenvolvida, abordando questões importantes como estupro e submissão com um subtexto rico. No entanto, o final do filme pode parecer simples e óbvio, comprometendo um pouco a força das reviravoltas anteriores.

"Pisque Duas Vezes" certamente está na corrida para os melhores do ano e pode garantir a Zoë Kravitz um prêmio por roteiro original. Sua estreia como diretora mostra um trabalho primoroso na abordagem de temas femininos e sororidade.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Zoë Kravitz
Produção: Amazon MGM Studios
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h42
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: suspense, terror psicológico