27 setembro 2024

"Ainda Somos os Mesmos" dialoga com a nossa atualidade

Drama baseado em fatos reais da década de 1970 no Chile foi filmado na Cordilheira dos Andes, Santiago, Porto Alegre e Novo Hamburgo (Fotos: Edson Filho)


Eduardo Jr.


Baseado nos relatos de brasileiros que se abrigaram na Embaixada Argentina no Chile após o golpe de estado dos militares chilenos, o longa “Ainda Somos os Mesmos” já está em cartaz nos cinemas. O filme é dirigido por Paulo Nascimento (que já realizou “Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos”, de 2016) e distribuído pela Paris Filmes. 

Além da temática interessante e das imagens da época na abertura, outro atrativo reside em uma curiosidade sobre o longa: o filme é inspirado em outra obra do mesmo diretor (“Em Teu Nome”, de 2010). 

Um dos relatos que auxiliaram na construção do longa veio de João Carlos Bona Garcia, gaúcho e ex-guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) que ficou 42 dias abrigado na embaixada da Argentina em 1973 e sobreviveu. 


A história do revolucionário fez parte de “Em Teu Nome”, e Bona também participou das leituras do roteiro de “Ainda Somos os Mesmos”. Mas faleceu aos 74 anos, em março de 2021, vítima de Covid, poucos dias antes de poder se vacinar. 

No longa "Em Teu Nome", um estudante de engenharia entra para a luta armada, e teme por sua namorada e por sua família. Em “Ainda Somos os Mesmos”, o estudante de medicina Gabriel (Lucas Zaffari) vai para o Chile para fugir da ditadura no Brasil, mas é surpreendido pelo golpe de estado de Augusto Pinochet e se perde da namorada. 

Ao se abrigar na embaixada da Argentina, ele conhece Clara (Carol Castro) e também reencontra outros brasileiros, o que movimenta a trama em determinados momentos. 


O filme dialoga com a nossa atualidade. Fernando (personagem de Edson Celulari) é o pai de Gabriel, e vive um empresário apoiador do militarismo. Mas se arrepende quando fica diante do risco de perder o filho ao ouvir que aquilo é necessário, que os atos são feitos em nome de Deus. 

Cabe a ele a missão de tentar resgatar Gabriel e os outros brasileiros no Chile, que na época era considerado um dos países mais perigosos do mundo por conta da ditadura de Pinochet. A presença de crianças e gestantes naquele contexto de violência escancara a falta de escrúpulos dos regimes militares. 


Embora filmado na Cordilheira dos Andes e também em Santiago, Porto Alegre e Novo Hamburgo, que propiciam uma boa fotografia, o longa ganha ares de novela com as músicas guiando cenas e emoções. Além de algumas atuações que se mostram em outra frequência em relação ao restante do elenco. 

Outro ponto a se observar é que, em alguns momentos, o texto parece usar expressões modernas demais para os anos 1970. Ainda assim, a tensão marca presença e mantém o interesse do espectador no filme. 


O longa também chamou a atenção de julgadores. Ganhou o prêmio de Melhor Filme Independente no Montreal Independent Film Festival 2023, se tornando mais um na lista de premiados da Paris Filmes. A distribuidora tem em seu catálogo, entre outros títulos, “O Lado Bom da Vida” (2012), que rendeu um Globo de Ouro e um Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence. 

E “Meia Noite em Paris” (2011), que ostenta o título de maior bilheteria de um filme de Woody Allen no Brasil. Além das franquias “John Wick” (de 2014 a 2023) e "Jogos Vorazes" (2012 a 2023), e de sucessos como “Minha Irmã e Eu” (2024) e "La La Land - Cantando Estações" (2017).


Ficha Técnica:
Direção, roteiro e produção: Paulo Nascimento
Produção: Accorde Filmes
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas das redes Cineart Del Rey e Cinemark Diamond Mall e Pátio Savassi
Duração: 1h30
Classificação: 14 anos
Países: Brasil e Chile
Gêneros: drama, história, suspense

24 setembro 2024

"Meu Avô: Campeão do Gelo" é mais que um filme sobre futebol

Moreno, ex-jogador do Atlético Mineiro na década de 1950 e avô do Bernardo Franco (Fotos: Bernardo Silveira/Divulgação


Maristela Bretas


Um filme sobre lembranças, futebol, grandes momentos e família. Este é o curta-metragem "Meu Avô: Campeão do Gelo" que terá exibição especial nesta terça-feira (24) no Cine Santa Tereza, às 19 horas. Produzido, dirigido e roteirizado por Bernardo Silvino e Bernardo Franco, o filme apresenta um pouco da vida do Moreno, ex-jogador do Clube Atlético Mineiro na década de 1950 e avô do Bernardo Franco.

O documentário "Meu Avô: Campeão do Gelo", segundo seus produtores, é mais que um filme sobre futebol. "Nós procuramos falar de um homem, seus erros e acertos e pensando muito que todos nós somos luz e sombra. Foi um processo bem rico e cheio de medo e incertezas. Sem verba e só nós dois na linha de frente", explica Silvino.

O filme reconstrói a trajetória de Jacinto Franco do Amaral, o Moreno, ex-jogador do Clube Atlético Mineiro (CAM) e um dos craques a participar da mais afetuosa das conquistas do Galo, que, na década de 1950, sagrou-se o primeiro plantel brasileiro a lutar – e vencer – nos gélidos gramados europeus. Enquanto o neto Bernardo se (re)descobre, ao desvendar e abraçar o ídolo, o homem, o avô, atleticanos de todas as idades reconectam-se, frame a frame, às glórias alvinegras, ao ver e ouvir a grandiosa singeleza do relato de amores e amigos de Jacinto.


Conversei com os dois Bernardo sobre a produção do curta-metragem e a história do avô de Franco. E é o neto de Moreno quem fala sobre a ideia de contar esta história em forma de curta-metragem. "O cinema é uma paixão há muito tempo, esse laço se estreitou quando conheci o Bernardo Silvino que já atuava na área, e contava com alguns curtas na carreira, que eu muito admirava. A figura de meu avô sempre foi uma parte misteriosa da minha vida. Claro, que crescemos escutando que "éramos campeões do Gelo". Nossa família está no hino do Galo, dizia meu pai. Essa história floresceu e cresci apaixonado pelo Galo com um legado na cabeça." 

"Acontece que tive contato com meu avô somente até meus 4 para 5 anos, o homem que eu conheci usava uma cadeira de rodas, tinha uma perna só, depois nenhuma. Eu ficava tentando imaginar como essa figura outrora teria sido um jogador de futebol, que como diz a medalha guardada há anos na família dizia: honrou o Brasil nos campos da Europa. Ao me aproximar do cinema, quis me aprofundar nessa história, saber quem foi meu avô, como ser humano antes de qualquer coisa. E o filme me fez próximo dele de uma maneira que não fui em vida. Eu queria saber qual história ele escondia, e trabalhar a dualidade de toda uma existência. Meu avô foi vilão e herói de sua própria história, mas sempre protagonista, e acho que isso fica claro em nossa narrativa. Sinto como se o filme fosse algo que eu teria de fazer, cedo ou tarde", afirmou Bernardo Franco.


Ele conta que procurou Bernardo Silvino com a ideia em mãos em dezembro de 2023 e fomos amadurecendo a ideia e que rapidamente foi colocada em prática. Foram cerca de 8 a 9 meses para a produção. Sobre o levantamento de verba, eles tiveram sérias dificuldades e ainda continuam procurando patrocinadores. Por enquanto, a dupla está bancando todo o projeto, "com muito esforço, na "raça" mesmo".

Silvino explicou que a pré-produção e a produção foram etapas feitas a quatro mãos: dele e do amigo. Para a pós-produção eles contaram com parceiros de outros projetos que elevou o nível do filme. Matheus Fleming, mais uma vez, topou participar com as suas composições. Bernardo Silveira (o terceiro  da equipe) fez o projeto gráfico e o cartaz, enquanto a mixagem e a finalização de som ainda com o trabalho de Thácio Palanca.

Para a filmagem e fotografia, os equipamentos usados, também da dupla, foram uma antiga Blackmagic Production Camera. "Para as entrevistas usamos uma Rokinon Cine 35mm. Para a gravação na arena MRV usamos uma Canon 55-250mm que é uma lente super barata. Foi um desses "acidentes felizes" porque esta lente foi imprescindível para o material que conseguimos no estádio. O processo de color grading é um capítulo à parte. Ele foi feito da maneira mais incomum possível. Mas o resultado chegou e isso foi fascinante", explica Silvino com satisfação. 


Já as locações foram pensadas para que os entrevistados ficassem sempre à vontade e os produtores conseguissem maior naturalidade deles. "Todos gravaram em suas casas, com exceção do Vavá, ex-jogador do Atlético, que foi entrevistado na sede de Lourdes. E tivemos um grande desafio que era a gravação na Arena MRV que já sabíamos que seria o fechamento do filme. As fotografias são do arquivo da família do Bernardo Franco. Como já existe um filme oficial do clube sobre o Campeonato do Gelo e com imagens raríssimas de arquivos, nós tomamos a decisão de trabalhar somente com as fotos de família e deixar a história oficial e mais institucional para esse filme do centro de memória do clube", concluiu Silvino.

O próximo passo dos produtores agora será a participação no circuito de festivais do cinema brasileiro. Franco espera rodar com o curta-metragem por cidades do interior de Minas e do Brasil, e não esconde a ambição de exibir "Meu Avô: Campeão do Gelo" em Betim, na Região Metropolitana de BH, que é a cidade de seu avô e em alguma cidade da Europa onde ele tenha jogado.


SERVIÇO
"Meu Avô: Campeão do Gelo"
Direção, roteiro e produção:
Bernardo Silvino e Bernardo Franco
Distribuição: Coragem Filmes
Exibição: sessão no Cine Santa Tereza
Data: 24 de setembro (terça-feira)
Horário: 19 horas
Classificação: Livre

23 setembro 2024

Perturbador, “A Substância” escancara os horrores da sociedade patriarcal

Demi Moore entrega cenas extremamente fortes e angustiantes, em uma de suas melhores atuações
(Fotos: Universal Pictures)


Carolina Cassese


A partir de determinada idade, mulheres são descartadas. É exatamente isso que acontece com a protagonista do filme “A Substância" ("The Substance"), novo longa da diretora francesa Coralie Fargeat. A história é centrada em Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz de Hollywood que passa a trabalhar como apresentadora de televisão. 

Logo no começo do body horror, a protagonista descobre que será substituída na emissora, que agora busca uma mulher de 18 a 30 anos para apresentar a atração fitness comandada por Sparkle. Em uma das primeiras cenas do filme, a personagem principal incentiva as espectadoras a conseguir “um corpo de verão”.


Quando vê seu emprego ser ameaçado, Elisabeth decide buscar um programa de “aprimoramento” corporal, conhecido como “A Substância”. O tratamento oferece a possibilidade de você se tornar “uma melhor versão de si mesmo”. A partir de uma injeção autoadministrada, qualquer um pode se tornar uma alternativa mais jovem, bonita e perfeita de si próprio.

A personagem principal, então, recebe diversos equipamentos médicos em sacos plásticos (seringas, tubos, um líquido verde fosforescente e um alimento injetável branco) e é informada sobre o protocolo referente ao seu “novo eu”. 

Ao longo das semanas, porém, a nova versão de Elisabeth – uma garota chamada Sue, interpretada por Margareth Qualley – acaba se mostrando mais problemática do que a personagem principal poderia imaginar. 


Mesclando elementos de ficção científica com outros componentes frequentemente vistos em filmes de horror, o longa acompanha a nova vida da protagonista, que agora se divide em duas. 

Sue leva uma rotina de celebridade, apresentando o programa fitness e sendo filmada a partir de muitos ângulos objetificadores. Enquanto Elisabeth vive cada vez mais isolada, sem conseguir compreender qual é o propósito de sua versão fora dos holofotes.

Em determinado momento, vemos que Elisabeth começa a se comparar com Sue de uma maneira pouco saudável, o que a impede de sair para jantar com um pretendente. Ao observar as imagens do corpo “perfeito” de sua outra versão, a protagonista passa horas se maquiando e, em seguida, fica paralisada, sem conseguir sair de casa. 

É triste (e aterrorizante) perceber que aquela mulher se sente inferior a todos, até mesmo ao homem com quem ia jantar, que não parece ter sérias preocupações com a própria estética. Essa é uma das cenas mais violentas do longa, mesmo que não mostre sequer uma gota de sangue. 


Vale destacar que a discussão apresentada pelo filme é imprescindível para os dias atuais. Em primeiro lugar, porque vivemos numa sociedade repleta de imagens, em que nos deparamos constantemente com ideais de estética inalcançáveis. 

As estrelas de cinema agora dividem a atenção (e a tela) com influencers, especializados em exibir diferentes ângulos de uma vida instagramável. Em “A Substância”, a protagonista está disposta a sentir muita dor para que, por uma versão de si mesma, continue a ser jovem e apareça nas telas.

Além disso – e aqui vai uma perspectiva menos pessimista sobre o momento em que nos encontramos–, o filme dialoga com discussões contemporâneas sobre etarismo e outros tipos de preconceitos que inevitavelmente são associados com o sistema patriarcal. 

Debatemos cada vez mais acerca das imposições machistas dirigidas às mulheres e, nesse sentido, “A Substância” aborda um assunto muito atual (mesmo que não seja novo).


Podemos lembrar aqui de uma frase da atriz e ativista Jameela Jamil, que em 2018 publicou um texto sobre preconceito estético no site da Glamour: “E quantas mulheres você conhece, incluindo você mesma, que gastam mais tempo e dinheiro do que os homens com aparências? 

Esse é um dinheiro que poderia ter sido investido em nossas vidas ou negócios. E o que dizer das mulheres que comem menos calorias ou dietas balanceadas do que seus corpos precisam?”. 

Em “A Substância”, percebemos como as mulheres são frequentemente reduzidas a números e tamanhos. Até mesmo ao ligar para o programa de aprimoramento corporal, Elisabeth só é reconhecida quando fala um número que a identifica como participante do programa.


O filme evidencia ainda como a mídia contribui para a reificação das mulheres, mesmo em atrações que aparentemente valorizam o “feminino”, exibindo apenas uma série de corpos magros e padronizados. Quantas vezes já vimos vídeos extremamente objetificadores que chegam a usar uma linguagem de “empoderamento”? 

Essa crítica fica ainda mais explícita quando consideramos o nome do filme em inglês, já que “substance” também significa “conteúdo”. Em determinadas atrações midiáticas, pouco se discute sobre o que as mulheres pensam – elas estão ali primordialmente para enfeitar. 

Percebemos, então, que não é pequena a importância do tema que Coralie Fargeat se propõe a abordar. Nas primeiras partes da história, a crítica é especialmente bem construída e o horror se encontra em diferentes elementos da trama. 


Destacamos aqui o excelente trabalho de Demi Moore, responsável por cenas extremamente fortes e angustiantes. Além disso, é preciso elogiar o ritmo da história, que mescla diferentes gêneros e, definitivamente, prende a atenção do espectador.  

É o terceiro ato do longa que representa o momento mais contraditório de “A Substância”, já que parte do público pode achar que as cenas são demasiadamente violentas. O tom perturbador, porém, não chega a destoar das demais partes: pode-se compreender que o exagero é proposital e ajuda a reforçar a violência do processo vivido pela protagonista. 

É certamente um dos horrores da condição feminina se sentir exposta a uma constante plateia de homens brancos, dispostos a “avaliar” e comparar mulheres. 


Na última parte, Elisabeth está cada vez mais desamparada, enquanto Sue se obriga a estampar um sorriso (porque “meninas bonitas devem sempre sorrir”) e segue com a busca incessante de se tornar muito famosa. Nós sabemos, no entanto, que muito não é o suficiente: em Hollywood, ou no mundo do Instagram. 

Os padrões costumam se ajustar para que seja constantemente necessário realizar mais um tratamento como o da “Substância”. As injeções nunca acabam – e há sempre uma nova maneira de encontrar “a sua melhor versão”.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Coralie Fargeat
Produção: Universal Pictures, Working Title Films
Distribuição: Imagem Filmes e MUBI
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h20
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, drama, ficção

19 setembro 2024

Exibição do documentário "Lagoa do Nado: a Festa de um Parque" celebra os 30 anos de inauguração da área ambiental

(Fotos: Acervo da Associação Cultural Ecológica Lagoa do Nado)


Da Redação


O Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado completa 30 anos de inauguração e para comemorar a data será exibido gratuitamente, neste sábado (21 de setembro), o documentário "Lagoa do Nado: a Festa de um Parque". Serão duas sessões, as 17 e 19 horas, no espaço Praça do Sol. 

Direção e argumento são de Arthur B. Senra, que divide a produção com Fernando Torres e Izinho Benfica, e a pesquisa e roteiro com Luiz Navarro.

(Ilustração: Lor)

O rico arquivo audiovisual é composto de fotos, vídeos e material impresso do acervo da Associação Cultural Ecológica Lagoa do Nado, ilustrações do cartunista mineiro Lor e entrevistas em fita K7 do projeto Memória em Movimento (2002-2001).

O filme conta a trajetória de luta realizada pela comunidade da região Norte de Belo Horizonte no final dos anos 1980 para a defesa, preservação e implantação do parque numa antiga fazenda abandonada. 


O movimento plural - que envolveu moradores, artistas, acadêmicos, ecologistas entre tantas outras contribuições, se destacou por ser pautado na alegria. Teve nas festas, a convergência dos sentimentos de preservação ambiental, manifestação cultural e de pertencimento dessa área, que se tornou um espaço público. 

"Lagoa do Nado: a Festa de um Parque" foi selecionado e exibido na 13ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, realizado em junho deste ano, na categoria cinema de luta.  


Serviço:
Documentário "Lagoa do Nado: a Festa de um Parque"
Data: 21 de setembro (sábado)
Horário das sessões: 17 e 19 horas
Entrada: gratuita
Local: Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado - Praça do Sol - Rua Min. Hermenegildo de Barros, 904 - bairro Itapoã (BH)
Mais informações: Izinho Benfica - 99409-2026

18 setembro 2024

"Prisão nos Andes" discute a perpetuação de ideais da ditadura Pinochet

Baseado em fatos reais, filme conta a história de cinco torturadores que vivem uma vida de luxo numa penitenciária chilena (Fotos: Retrato Filmes)


Silvana Monteiro


Aos pés da Cordilheira dos Andes acontecem cenas inimagináveis. O que era para ser um ambiente de cumprimento de pena, com regras e ordem, tornou-se local de privilégios e curtição. Os agentes prisionais são qualquer coisa, menos guardas de presos. Esta é a história de "Prisão nos Andes" ("Penal Cordillera"), dirigido e roteirizado pelo chileno Felipe Carmona, que estreia nesta quinta-feira (19), nos cinemas.

Baseado em uma história real, o filme apresenta um olhar provocativo sobre os resquícios da ditadura do presidente Augusto Pinochet por meio da perspectiva de cinco torturadores que, após serem condenados, vivem em uma prisão que mais se assemelha a um resort de luxo. 


A partir de uma ambientação robusta e de uma estética realista, a contradição entre a aparente paz do local e os horrores do passado, torna-se um dos pontos centrais da narrativa, evidenciando como regalias persistem mesmo em contextos de punição.

Uma coprodução entre Brasil e Chile que marca a estreia de Carmona em longas-metragens. O longa demonstra que nenhum cidadão chileno, prejudicado pelas feridas do regime que provocou a prisão de mais de 80 mil pessoas, a tortura de outras 30 mil e a morte de mais de três mil cidadãos, consegue imaginar o que se passa no pico daquela cordilheira.  

Nesse contexto, a obra consegue abordar questões complexas sobre a personalidade e os reflexos da impunidade nos perpetradores de crimes contra a humanidade. A história coloca em foco a banalidade do mal, revelando como esses homens desfrutam de certo conforto emocional e material, mesmo após suas ações violentas. 


O que poderia parecer uma situação de comédia de costumes se torna um retrato sombrio quando um acontecimento externo provoca uma desestabilização da dinâmica interna. 

Uma intervenção jornalística (repercussão do importante trabalho da imprensa) serve como gatilho para o desnudamento das arrogâncias e das realidades emocionais dos "presidiários". Isso leva a uma escalada de violência que reflete não apenas a psicologia dos personagens, mas também ao redemoinho social que assola o Chile.

A produção traz um elenco que, apesar de sua força, não consegue sempre desenvolver a profundidade que os papéis exigem. A atuação de Hugo Medina, um ator que foi vítima do regime, é um dos destaques, acrescentando uma camada de autenticidade ao filme. 


Contudo, a falta de desenvolvimento de alguns personagens torna mais complexa a identificação com suas histórias. Os prisioneiros, como indivíduos, carecem de nuances, o que pode tornar o espectador confuso em meio às angústias e delírios desses homens.

O filme foi bem recebido em diversos festivais internacionais, o que evidencia sua relevância e potencial impacto. As vitórias em festivais são elogiosas, mas também sublinham a expectativa em torno da obra, que não se concretiza plenamente em termos de coesão narrativa. 

A mescla de gêneros — um pouco de drama, suspense e sátira — parece confusa, e a transição entre esses elementos nem sempre é fluida.


Apesar dessas críticas, "Prisão nos Andes" propõe reflexões pertinentes sobre a memória coletiva e os efeitos de uma ideologia que ainda permeia a sociedade chilena. 

Ao abordar o passado de maneira crítica, e analisar o presente, o filme traça um paralelo entre o que foi e o que é, com foco em um dos períodos mais sombrios da história da América do Sul. 

A obra, com seus pontos fortes e fracos, consegue sublinhar a necessidade de confrontar a história para entender as dinâmicas sociais contemporâneas. 

Se o filme conseguisse sustentar a intensidade de suas melhores ideias ao longo de toda a narrativa, teria certamente alcançado um status mais elevado. Entretanto, em sua forma atual, ele permanece como um esforço válido na exploração de uma temática delicada e política.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Felipe Carmona
Produção: Multiverso Produções e Cinestación
Distribuição: Retrato Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h45
Classificação: 16 anos
Países: Brasil e Chile
Gênero: drama

15 setembro 2024

"Não Fale o Mal" é um filme óbvio e desmerece a primeira versão

James McAvoy tenta salvar remake de terror, mas roteiro fraco não ajuda muito (Fotos: Universal Pictures)


Maristela Bretas


Não adiantou ter no elenco os ótimos James McAvoy e Mackenzie Davis. O roteiro e a direção de James Watkins não ajudaram a nova versão norte-americana de "Não Fale o Mal" ("Speack No Evil"), em cartaz nos cinemas. 

Com cenas óbvias, sem nenhuma surpresa para o público sobre o que acontecerá a seguir, o filme é uma sucessão de situações que subestimam a inteligência do espectador, com um terror que deixa a desejar. No máximo pode-se dizer que é um suspense (que não surpreende).


Ao invés de explorar as nuances e a tensão do original, o remake opta por um caminho mais previsível e violento, perdendo a atmosfera de desconforto e estranhamento que caracterizou a versão dinamarquesa dirigida por Christian Tafdrup e exibida em 2022. 

A série de sustos baratos e revelações óbvias tomam o lugar do tão esperado terror psicológico, deixando o espectador entediado e insatisfeito.

O roteiro de James Watkins falha em desenvolver os personagens de forma convincente. Apesar do talento de McAvoy e Davis, suas performances ficaram limitadas. A falta de coesão entre as diferentes partes do filme resulta em uma experiência fragmentada e pouco impactante. E de "Fragmentado", o ator entende bem, graças à sua excelente atuação como um assassino de múltiplas faces no filme de M.Night Shyamalan de 2017.


Neste remake, uma família dos Estados Unidos que mora em Londres, após se aproximar de uma família britânica durante suas férias na Itália, aceita um convite para passar um final de semana em sua casa de campo. Este início segue uma linha muito semelhante ao filme original. 

Inicialmente, o cenário parece perfeito, oferecendo uma pausa tranquila. No entanto, o que deveria ser um fim de semana relaxante logo se transforma em um pesadelo sombrio, com os anfitriões Paddy (McAvoy) e Ciara (Aisling Franciosi) agindo de forma estranha e violenta, especialmente com o filho Ant (Dan Hough). 


A partir daí começam as diferenças entre as duas produções na forma de condução dos roteiros. Na nova versão, os visitantes Ben (Scoot McNairy), Louise Dalton (Mackenzie Davis) e a filha Agnes (Alix West Lefler) precisam encontrar uma forma de escapar daquele lugar esquecido no meio do nada. A produção norte-americana tende para um final tenso, porém mais "bonzinho" que seu antecessor.

No cinema, diversas pessoas que assistiram o filme original, e até mesmo algumas que só viram esta versão saíram desapontadas e reclamando da forma como a trama foi tratada. Vale por James McAvoy, mas não é dos seus melhores trabalhos.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: James Watkins
Produção: Universal Pictures e Blumhouse Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h50
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, suspense

12 setembro 2024

“Meu Amigo Pinguim”, um filme para assistir com o lencinho do lado

Produção internacional conta com o ator Jean Reno como protagonista sob direção de David Schurmann (Fotos: Paris Filmes)


Maristela Bretas


Emocionante, sensível e cativante com ótimas interpretações dos protagonistas, “Meu Amigo Pinguim” ("My Penguin Friend") tem tudo para mexer com o coração do público a partir de 12 de setembro, quando estreia nos cinemas. 

Apesar de ser uma produção norte-americana, ela foi filmada em boa parte no litoral brasileiro, em Ubatuba (SP), Paraty e Ilha Grande (RJ), com cenas complementares no sul da Patagônia Argentina.


Confesso que deixei as lágrimas escorrerem por diversas vezes durante a exibição para a imprensa. Especialmente porque o longa foi baseado em fatos reais ocorridos em 2011 sobre a amizade entre um humilde pescador desiludido com a vida e um pinguim perdido de seu bando, que é batizado com o nome de Dindim.

Dirigido pelo cineasta brasileiro David Schurmann, "Meu Amigo Pinguim" vai agradar a todas as idades. Nosso amiguinho de asas (que não voa) é muito fofo e simpático, desde sua primeira cena. Dá vontade de pegar no colo. 

E Jean Reno vai conquistando o público à medida que cresce a amizade e o carinho de seu personagem, João, por Dindim. Ele literalmente vira um "pai de pet" uma vez por ano.


Esta união se torna uma cura para ambos. João se afastou de tudo e de todos após uma tragédia, mas quando ele descobre o pinguim muito debilitado, à deriva sozinho no oceano, encharcado de óleo de um vazamento, passa a cuidar dele.

Inicialmente contrária à avezinha travessa e barulhenta em sua casa, Maria (interpretada pela atriz mexicana indicada ao Oscar, Adriana Barraza), esposa de João, acaba não resistindo a tanta fofura e lealdade. 

Dindim provoca uma revolução na vida da família e de toda a comunidade. Mas também chama a atenção do mundo por ter um comportamento diferente de sua espécie. E isso vai trazer consequências.


O longa reúne atores de diversas nacionalidades, inclusive brasileiros, o que justifica a dublagem em português, mesmo tendo sido quase todo filmado no Brasil. Fora isso, nada mais compromete a produção. 

Além de Jean Reno e Adriana Barraza, o longa conta ainda com Alexia Moyano (Adriana), Nicolás Francella (Carlos), Rocío Hernandez (Stephanie), Juan Queiroz (Pedro), Duda Galvão, Talma de Freitas (Calista), Ravel Cabral (Paulo), Pedro Caetano (João mais novo), Wilson Rabelo (Marcos).

Foto: Aquário de Ubatura/Terramare

"Meu Amigo Pinguim" contou com a participação de cerca de 150 profissionais. A trilha sonora de Fernando Velázquez reunindo sucessos da MPB completou a história e deu a brasilidade que o filme exigia. Uma produção para assistir no cinema, com o lencinho do lado.

Curiosidade

Dez pinguins-de-magalhães (espécie de Dindim) do Aquário de Ubatuba foram treinados pela produção do filme por três meses com Jean Reno para participarem das gravações. 

O que mais se destacou nos treinamentos e acabou virando o protagonista foi Maui, por ter uma história semelhante. Foram tomados todos os cuidados com os pinguins, sob a supervisão da empresa Terramare, parceira do aquário.


Ficha técnica
Direção: David Schurmann
Roteiro: Kristen Lazarian e Paulina Lagudi
Produção: City Hills Arts, Schurmann Filmes e Content Studios
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h37
Classificação: Livre
País: EUA
Gêneros: família, aventura, drama

10 setembro 2024

O bem realizado "O Bastardo" revela mais do potencial de Mads Mikkelsen

Protagonista com carreira marcada por vilões dá vida a um capitão em uma jornada dramática (Fotos: Henrik Ohsten Zentropa)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros no dia 12 de setembro o longa "O Bastardo" (Bastarden"). O drama, distribuído pela Pandora Filmes, traz Mads Mikkelsen, famoso por dar vida a vilões na série "Hannibal" - 2013 a 2015 e "007 - Casino Royale" - 2006, e por seu papel em "Druk - Mais uma Rodada" - 2021. Ele agora sai do papel de antagonista e explora uma interpretação diferente. Além disso, o filme é a escolha da Dinamarca para disputar o Oscar de Melhor Filme Internacional.


A obra se baseia no livro "The Captain and Ann Barbara", de Ida Jessen. Na telona, o diretor dinamarquês Nikolaj Arcel explica o porquê do título e nos apresenta a história do capitão Ludvig Kahlen, que decide colonizar uma terra inóspita - Jutlândia - e fundar uma colônia em nome do Rei da Dinamarca.

Na jornada do protagonista estão um solo difícil, temporais e solidão sob um sol causticante. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Um juiz arrogante deseja se apropriar daquela terra e, tendo seus planos frustrados, não poupa esforços para destruir o projeto - e a vida - do protagonista.  


Sabotagens e vilanias que podem parecer exageradas na atuação, combinam com o antagonista, o nobre Frederik De Schinkel (vivido por Simon Bennebjerg). Uma execução tão interessante que rapidamente estamos resmungando e odiando esse vilão.

Como o trabalho de colonizar um território hostil é tarefa para muitas mãos, e esse drama reserva muitos contratempos, vale destacar no elenco de apoio a pequena cigana Anmai Mus (personagem de Melina Hagberg), que traz alívio cômico e emoção para a frieza que o capitão carrega consigo.


No longa, o espectador está sempre acompanhando tudo a dois passos da ação, observando até as coisas que o protagonista observa. Embora uma ou outra situação possa ser pressentida pelo público, as escolhas do diretor se mostram acertadas. No meio dos altos e baixos da jornada do protagonista, a obra consegue deixar a pergunta: será que vai dar certo?

A busca por essa resposta o espectador poderá fazer nos cinemas, e ouso dizer que dificilmente vai se decepcionar com a história que o aguarda. Para usar um termo da moda, ali estarão muitas 'pautas': idealismo, embate entre afeto e convenções sociais, formação de família, relações de poder e vingança. 

Tudo isso em um longa que não se torna cansativo em suas duas horas de exibição, e que traz uma fotografia bem pensada. Um filme de época com um desfecho bem amarrado - e tão satisfatório que pode até levar pra casa a tão sonhada estatueta do Oscar.  


Ficha técnica:
Direção: Nikolaj Arcel
Produção: Zantrops Productions
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h08
Classificação: 18 anos
País: Dinamarca
Gêneros: drama, ação, histórico

05 setembro 2024

Michael Keaton volta com a corda toda em "Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice"

Efeitos visuais, maquiagem e trilha sonora garantem boa diversão na nova produção de Tim Burton
(Fotos: Warner Bros. Pictures)


Maristela Bretas


Um filme repleto de referências ao antecessor, inclusive no elenco, novos rostos famosos e ótimos efeitos visuais. Este é "Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice" que estreia nesta quinta-feira (5) nos cinemas. 

Para quem curtiu o primeiro filme, "Os Fantasmas Se Divertem" (1988), o diretor Tim Burton provoca uma sensação boa de nostalgia ao trazer de volta a seus papéis originais os atores Michael Keaton, Winona Ryder e Catherine O'Hara, além de usar parte da antiga trilha sonora.


Beetlejuice não poderia ser interpretado por outro ator e Keaton retorna ao papel de estrela do longa, mantendo as mesmas caras, bocas, bizarrices e sacanagens com mortos e vivos para conseguir o que quer. E ainda tentar se casar com Lydia (Winona), mesmo depois de ter sido "despachado" por ela, de volta para a maquete, há 36 anos. 

Também Winona Ryder está muito bem no papel da ainda gótica Lydia, agora uma viúva, com um programa de TV sobre aparições de fantasmas e mãe de Astrid (Jenna Ortega, de “Pânico VI” - 2023), uma adolescente rebelde que tenta evitar a mãe de todas as formas. Papel muito parecido com o interpretado por Winona no primeiro filme há 36 anos. E pior, atormentada novamente pelo fantasma listrado. 


Jenna Ortega já havia trabalhado com o diretor em "Wandinha" (2023), da Netflix. Da série, Tim Burton também chamou para "Os Fantasmas Ainda se Divertem" o roteirista Alfred Gough e Miles Millar, o designer de produção Mark Scruton e o montador Jay Prychidny. O resultado foi uma produção com ótimos efeitos visuais, especialmente no uso de maquete no início, maquiagem e um bem aplicado stop-motion.


Neste retorno, uma tragédia inesperada na família Deetz reúne Lydia, sua madrasta Delia (Catherine O'Hara, de "Argylle - O Superespião" - 2024) e a filha Astrid na antiga casa em Winter River, ainda assombrada por Beetlejuice. 

Lydia, agora namorando Rory (Justin Theroux, de “Star Wars: Episódio VIII – Os Últimos Jedi”- 2017), produtor de seu programa de TV, tem sua vida virada ao avesso. A situação piora quando Astrid descobre no sótão da mansão a antiga maquete da cidade feita por seu avô, que mantém preso o fantasma listrado, e o portal pós-vida é aberto. 


Um descuido pode trazer Beetlejuice de volta, junto com vários habitantes do outro mundo. Como os "Cabeças Pequenas, o ator Jackson (interpretado por Willem Dafoe, de “Pobres Criaturas” - 2023), que se acha um policial, ou uma noiva vingativa de nome Delores (Monica Bellucci, de “007 Contra Spectre” - 2015). 

Mônica Bellucci, que é noiva do diretor Tim Burton, poderia ter seu talento melhor explorado. Mas mesmo com pouquíssimas falas, tem uma presença marcante, graças também à sua beleza. Outro que fez uma rápida participação, mas sempre especial, foi Danny DeVito. O filme ainda contou com a participação do estreante no cinema Arthur Conti. 


Além das boas atuações do antigo elenco e dos efeitos visuais, chama atenção a trilha sonora, com músicas do longa de 1988 como "Banana Boat" ("Day-O"), com Harry Belafonte, tocada na cena do jantar, uma das melhores de "Os Fantasmas se Divertem". 

Tem também o hit dançante dos anos 80, "MacArthur Park", com Donna Summer, e vários outros sucessos. "Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice" é um filme para matar saudade dos fãs e uma boa distração, bem no estilo fantasioso e multicolorido de Tim Burton.


Ficha técnica
Direção: Tim Burton
Produção: Warner Bros. Pictures, Geffen Company
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h44
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: terror, comédia, fantasia

04 setembro 2024

Pioneirismo, revelações e histórias de racismo fazem de “Othelo, o Grande” um documentário imprescindível

Longa dirigido por Lucas Rossi levou dez anos para ficar pronto e procura intercalar a vida pessoal e a
carreira do ator (Fotos: Davi G. Goulart)


Mirtes Helena Scalioni


Pode parecer, a princípio, que o grande mérito do documentário de Lucas Rossi seja mostrar às novas gerações o tamanho da importância do comediante Grande Otelo (1915-1993). Mas não é só isso. 

Quem teve oportunidade de acompanhar a carreira do ator, vai ficar sabendo um pouco mais sobre a vida desse homem múltiplo, nascido em Uberlândia, chamado Sebastião Bernardes de Souza Prata. “Othelo, O Grande” estreia nos cinemas em Belo Horizonte no dia 5 de setembro.


Narrado pelo próprio artista em primeira pessoa, o documentário que, segundo o diretor, levou dez anos para ficar pronto, procura intercalar fatos da vida pessoal atribulada de Sebastião com sucessos de sua carreira. Principalmente quando ele era contratado da Atlântida e lotava os cinemas do país com suas saborosas chanchadas. 

O lado ruim desse jeito de contar a história é que o espectador não fica conhecendo casos e características de Grande Otelo vividos e percebidos pelas pessoas que conviveram com ele.


Embora misture vida pessoal e trabalho, o filme peca também por não localizar a época dos fatos. Num momento o homem está chorando por causa de suas tragédias familiares e, no próximo minuto, o artista está em cena rindo e fazendo rir. Faltam referências, datas. 

O longa tem a participação especial da atriz Zezé Motta como narradora e traz imagens raras de arquivo, feitas em pesquisas na Cinemateca Brasileira.


Uma curiosidade revelada no filme, e que talvez a maioria do público não saiba, é o motivo pelo qual o pequeno Sebastião Prata passou a ser conhecido – até internacionalmente – como Grande Otelo. 

Homem de muitos talentos, ia fácil do drama à comédia, o artista foi também exímio compositor de sambas, alguns deles presentes no documentário, com destaque especial ao histórico e nostálgico “Praça Onze”, parceria com Herivelto Martins.


Produzido pela Franco Filmes, “Othelo, o Grande” tem parceiros poderosos na produção como Globo Filmes, RioFilme, Canal Brasil e Globonews. A princípio, isso facilitaria a divulgação e exibição do trabalho, que já foi vencedor do Prêmio Redentor de Melhor Documentário no Festival do Rio.

Careteiro e de humor mais escrachado, o comediante faz questão de salientar, em suas falas, as participações em filmes fora do circuito da chanchada. Trabalhou com diretores ditos sérios como Joaquim Pedro de Andrade, Werner Herzog, Nelson Pereira dos Santos e até o norte-americano Orson Welles. Afinal, foram mais de 100 filmes.


Neto de escravos e órfão, Sebastião comeu o pão que o diabo amassou, desde que se mudou para o Rio de Janeiro acompanhando uma companhia teatral que passou por Uberlândia. 

Não por acaso, o documentário é todo permeado por questões raciais, evidenciando as humilhações que o ator viveu até ser o primeiro protagonista negro do cinema brasileiro. Em muitos deles, quando chegava para trabalhar, Grande Otelo tinha que entrar pela porta dos fundos por causa de sua cor.


Ficha técnica:
Direção: Lucas H. Rossi
Produção: Franco Filmes, em coprodução com Globo Filmes, GloboNews, Canal Brasil e RioFilme
Distribuição: Livres Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed BH - Minas
Duração: 1h22
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário