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Ambientado durante a 2ª Guerra Mundial, animação trata de humanidade e amor ao próximo, contrastando com a dor e a crueldadedo ser humano (Fotos: StudioCanal) |
Maristela Bretas
Impactante, sensível, arrebatadora. São alguns dos adjetivos para descrever um pouco a animação "A Mais Preciosa das Cargas" ("La Plus Précieuse Des Marchandises"). O coração bate mais forte e as lágrimas descem pelo rosto já no início do filme, que estreia nesta quinta-feira (17), em versão legendada, no Cinemark Pátio Savassi. O que posso garantir é que dificilmente quem assistir não sairá tocado pela história.
O drama se passa durante a 2ª Guerra Mundial, em um lugar isolado no meio de uma floresta, durante o rigoroso inverno da Europa Central. O frio e a fome são constantes na vida dos poucos moradores, como o humilde lenhador e sua esposa (vozes de Grégory Gadebois e Dominique Blanc). A única distração desta vida dura, cercada pelo conflito armado, é a passagem diária de um trem que corta a mata em alta velocidade, sem nunca parar.
Até que um dia, a mulher escuta o choro de um bebê atirado de um dos trens e o encontra em meio ao gelo. Ela resolve ficar com a criança, mesmo contra a vontade do marido que a considera amaldiçoada por pertencer aos chamados "sem coração" que ocupavam os trens.
O que o casal não imaginava era que este bebê iria mudar por completo suas vidas. E que eles seriam capazes de tudo para protegê-la da desumanidade do mundo.
Baseada no conto homônimo escrito por Jean-Claude Grumberg e que no Brasil foi publicado como "A Mercadoria Mais Preciosa", a animação brilha em todos os sentidos ao abordar o amor materno, humanidade, dor, sofrimento, guerra e, especialmente, o holocausto.
A narrativa começa trazendo as questões da solidão, da pobreza e do isolamento em meio à guerra. O pouco que o casal consegue conquistar com a lenha vendida mal dá para alimentá-los. E o pouco de luxo, como uma cabra que produz leite, é algo a ser escondido de todos.
Os diálogos do casal são curtos e diretos, com uma carga pesada de dor e rancor contra o mundo externo e as perdas diárias. Sem acesso à informação correta do que ocorre além da floresta, consideram todos inimigos. Mas por mais dura que seja a realidade, o lenhador e sua esposa ainda conseguem resgatar o pouco de humanidade que ainda resta em suas vidas com a chegada do bebê.
O "serzinho" fofo, de bochechas rosadas, jogado do trem e encontrado enrolado num cobertor (que vai dar a primeira dica direta da temática da história) será capaz de amolecer o mais duro dos corações com seu olhar e gargalhadas. E mostrar ao velho e rabugento lenhador que nem todo mundo que está no trem é um "sem coração".
Além do casal, outro personagem que tem importante papel na trama é o também morador da floresta e dono da cabra conhecido como o homem do rosto quebrado, na voz de Denis Podalydès. Ele e Dominique Blanc são atores do Comédie-Française. A narração do conto, em francês, foi entregue a ninguém menos que o famoso ator francês Jean-Louis Trintignant.
Outro ponto que mexe com os sentidos do espectador é a parte gráfica. O diretor emprega um traço leve e cores pastéis que variam do cinza e branco da neve, aos tons mais escuros e carregados como a escuridão da floresta ou das luzes de velas que mal iluminam a casa do lenhador.
Até mesmo a passagem do trem reforça a escuridão do ambiente e da narrativa, especialmente pela fumaça preta de suas chaminés e seu aspecto sombrio, sem indicar o tipo de carga que transporta.
Ao mesmo tempo em que a escuridão é parte da composição para tornar o ambiente sombrio e preparar para o rumo que vai tomar a narrativa da metade para frente, ela também atrapalha. A cópia que assisti estava tão escura em algumas partes que mal dava para distinguir a cena. No cinema a situação deverá ser diferente.
Talvez o propósito do diretor Michel Hazanavicius e do escritor Jean-Claude Grumberg, que atuou como roteirista, seja exatamente mostrar quão sombrio, cruel e desumano foi este período da história: o massacre de judeus nos campos de concentração.
O diretor soube fazer uma abordagem equilibrada do tema Holocausto, chamado pelos judeus de Shoah, para que fosse compreensível para todas as idades. Usou uma linguagem simples e sensível, ilustrada com imagens gráficas de cenas marcantes da história. Emprega o preto e branco em momentos críticos, além de diálogos repletos de ódio e ignorância, que contrastam com momentos de amor e ternura de uma família simples.
Mas o que seria de uma narrativa sem uma boa trilha sonora. A animação não deixou por menos e o responsável, Alexandre Desplat, incluiu obras como "La Berceuse" (Schluf Je Iedele), e "Chiribim, Chiribom", ambas interpretadas em iídiche, idioma usado pelos judeus da Europa Central.
Assistir à animação foi capaz de me fazer retomar o bom e velho hábito da leitura, abandonado há tempos pela correria diária. Por indicação da amiga e grande colaboradora, Carolina Cassese, que leu o livro e também viu o filme, acabei comprando a obra.
"A Mais Preciosa das Cargas" é imperdível, para ser vista com o coração e um lencinho do lado. Certeza de muita emoção, o longa é merecedor de todos os prêmios de cinema que vier a concorrer este ano.
Ficha técnica:
Direção, criação gráfica dos personagens e montagem: Michel Hazanavicius Roteiro: Michel Hazanavicius e Jean-Claude Grumberg
Produção: Ex Nihilo, Les Compagnons Du Cinéma, com coprodução de StudioCanal, France 3 Cinéma, Les Films Du Fleuve, Radio Télévision Belge Francophone (RTBF)
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: Cinemark Pátio Savassi
Duração: 1h21
Classificação: 12 anos
Países: França e Bélgica
Gêneros: animação, drama, história
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