A trama acompanha a transformação de Irène e sua família na França, em meio a um tenebroso contexto histórico (Fotos: Pandora Filmes) |
Carolina Cassese
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Somando mais de três décadas de bons serviços prestados ao cinema à frente das câmeras, a atriz Sandrine Kiberlain decidiu migrar para o outro lado, se arriscando no ofício de roteirista e diretora.
O resultado pode ser apreciado em "A Garota Radiante” ("Une jeune fille qui va bien"), em cartaz na sala 2 do Minas Tênis Clube Cinema, sessão das 18h10.
A trama se passa em 1942, quando a França vivenciava a ocupação nazista. A protagonista é Irène (Rebecca Marder), uma jovem que mora com a avó Marceline (Françoise Widhoff), o pai André (André Marcon) e o irmão Igor (Anthony Bajon), com quem divide o quarto.
Eles vivem numa Paris onde medidas de discriminação contra os judeus vão ganhando força - em uma das cenas, eles têm que entregar telefones, assim como outros itens que facilitem o contato como os outros, e até bicicletas.
A medida que mais atinge a família, porém, é o carimbo da palavra "judeu" nos documentos de cada membro. Em dado momento do filme, vemos Irène com uma identificação amarela em seu próprio blazer.
Em entrevistas, Sandrine comentou que, propositadamente, não quis mostrar, de modo muito explícito, sinais da ocupação nazista nas ruas e lugares pelos quais Irène transita. A ideia era de que o espectador fosse se inteirando da ameaça pelos olhos da própria personagem.
É possível se manter alheio a um contexto tão violento? Essa é uma pergunta que permeia o longa, já que a protagonista parece evitar pensar nas ameaças que a rodeiam.
Uma questão relevante para a obra é a da encenação: a personagem principal é atriz, dentro e fora dos palcos. Simula desmaios, ensaia cenas com os familiares, finge precisar de óculos apenas para reencontrar um oftalmologista que despertou seu interesse.
E o que os olhos de Irène mais refletem no início é o "joie de vivre" da juventude. O brilho da descoberta do primeiro amor e o êxtase de poder vivenciá-lo, ao ser correspondida. As brincadeiras que ainda a ligam à infância, mas que, pouco a pouco, vão perdendo espaço.
A paixão pela carreira com a qual se identifica. O encanto pela avó, que, como ela mesma ressalta, fuma e tem um ar moderno. O futuro parece ser um horizonte repleto de possibilidades, e, para alcançá-lo, ela conta com o afeto dos colegas, a maioria, não judeus, e o amor de seu círculo.
A estrada está ali, se descortinando à sua frente, e tudo conspira a favor. Bem, não tudo. Pouco a pouco, Irène vai se dando conta da nuvem carregada que se aproxima, e da qual não há muito como fugir.
A iluminação do filme dialoga bem com a gravidade das situações retratadas: em uma das cenas, a paisagem se escurece assim que o pai da protagonista começa a falar sobre perseguições.
Em determinado momento, a avó e uma companheira judia procuram o conceito de medo no dicionário: “Sentimento de angústia, vivenciado na presença ou pensamento de um perigo, real ou suposto. Por exemplo, uma ameaça”.
Entretanto, não há definição formal que alcance a intensidade do pavor que acomete as duas.
Com boas atuações e uma trilha sonora de primeira (que inclui Tom Waits e Charles Trenet), Sandrine entrega um filme comovente, que dá a sua contribuição para que esse período tão maculoso da humanidade não seja esquecido ou mesmo minimizado.
Mesmo porque, não há mais tempo para inocência. Outros perigos pairam entre nós.
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sandrine KiberlainProdução: France 3 Cinéma
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: sala 2 do Minas Tênis Clube Cinema, sessão das 18h10
Duração: 1h38
Classificação: 14 anos
País: França
Gêneros: drama / histórico