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Filme acompanha um grupo de negros e brancos que escapa do naufrágio de um navio negreiro e vai precisar mudar seu modelo de convivência (Fotos: Hugo Azevedo/Divulgação) |
Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema
Último trabalho do cineasta luso-brasileiro José Barahona, "Sobreviventes" revisita a disputa do poder em meados do século XIX, após um naufrágio de um navio negreiro. O longa está em cartaz no Cine Una Belas Artes, com produção da Refinaria Filmes (Brasil) e David & Golias (Portugal).
A questão da escravidão é um tema que ainda assombra e se faz presente no século XXI de formas diferentes, mas com resquícios do passado. Barahona entrega um filme histórico e necessário ao tocar nas principais feridas do povo brasileiro.
A colonização do Brasil por Portugal é um exemplo de exploração econômica, violência contra os povos indígenas, implantação de um sistema escravocrata e a tentativa de imposição da cultura europeia.
O filme acompanha um grupo de homens e mulheres, negros e brancos, que, após escaparem de um terrível naufrágio de um navio negreiro, encontram-se isolados em uma ilha deserta, no Oceano Atlântico, no século XIX. Para sobreviverem, eles agora enfrentam um dilema: reproduzir as hierarquias do passado ou construir um novo modelo de convivência.
Temos todos os tipos de personagens, apesar de algumas vezes caricatos: João Salvador (o escravo), o branco que tenta manter a autoridade, o arrependido, o cruel, mulheres desvalorizadas e somente usadas para reprodução. Impossível não comparar a sociedade que temos hoje com a do passado.
A fotografia em preto e branco de Hugo Azevedo ajuda a fazer o contraste entre raças e seus discursos e ideologias. Um dos maiores acertos da obra é mostrar como, mesmo em uma situação difícil, as pessoas ainda querem manter o domínio sobre as outras.
Podemos até lembrar do longa “O Poço”, do diretor espanhol Galder Gaztelu-Urrutia, que discute política e fome em uma prisão vertical.
O maior trunfo de Barahona em sua obra é a maneira como ele, em determinado momento, subverte a lógica em relação à escravidão, transformando escravo em senhor e escravizando o homem branco. Tudo isso em uma narrativa densa e dolorosa, mostrando o maior defeito do ser humano: a crueldade.
O cineasta, que era um português branco, faz um filme para negros, para levar o público a pensar e repensar como a escravidão chegou ao Brasil e se impôs sobre outros povos. A colonização e a descolonização mostradas no longa são escancaradas de maneiras diversa e didática, sem enrolação.
O elenco dá um show de atuação, estrelado por Miguel Damião, Allex Miranda, Roberto Bomtempo, Zia Soares, Ângelo Torres e Anabela Moreira. Eles conseguem fazer o público ter empatia por seus personagens e, ao mesmo tempo, sentir raiva deles.
A trilha sonora original é assinada por Philippe Seabra, da banda Plebe Rude, e conta com a participação especial de Milton Nascimento em uma das faixas do filme, ampliando sua dimensão simbólica e afetiva.
“Sobreviventes” é um tipo de filme raro de se ver. Ele abre debates sobre a colonização e como o poder e a política funcionam até em uma ilha deserta com pessoas usando suas dores e diferenças para chegar a um objetivo, apelando até mesmo para a violência e a crueldade.
Ficha técnica:
Direção: José BarahonaProdução: Refinaria Filmes (Brasil) e David & Golias (Portugal)
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: Cine Una Belas Artes - sala 3, sessão 19h40
Duração: 1h51
Classificação: 16 anos
Países: Brasil e Portugal
Gênero: drama