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03 maio 2024

Com passeios por Paris, belas canções e uma breve lição de vida “Conduzindo Madeleine” é um filme para lavar a alma

Line Renaud e Dany Boon protagonizam este drama francês com pitadas de romance e violência doméstica (Fotos: California Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Histórias que dão voz ao acaso costumam emocionar, assim como as que tratam de relatos de lembranças de pessoas maduras e solitárias. Claramente inspirado em “Conduzindo Miss Daisy” (1989), o longa francês de Christian Carion, “Conduzindo Madeleine”, que estreia no Cineart Ponteio nesta quinta-feira (9), acrescenta a isso pitadas de romance e violência doméstica. Tudo embalado por uma trilha sonora de lindas canções do jazz e do blues. 

Quando Madeleine Keller, de 92 anos, pede um táxi para levá-la à instituição de idosos onde vai passar o resto de seus dias, o mal-humorado taxista Charles, que só aceita a corrida porque precisa muito do dinheiro, não imagina como aquela tarefa pode mudar sua vida. 


Em atuação brilhante de Line Renaud, a velhinha vai amolecendo aos poucos o coração daquele trabalhador que, beirando os 50 anos, está desiludido e cheio de problemas financeiros. E é passeando por toda a Paris que ele vai descobrindo que, por trás de toda aquela aparente doçura, sua passageira esconde uma trajetória de sofrimento e superação.

Além de se emocionar com os laços que vão sendo lentamente construídos naquela viagem pelas ruas de Paris, com direito a passadinhas por símbolos icônicos da Cidade Luz, o espectador ainda pode observar uma discreta declaração de amor ao teatro e um claro discurso em favor da causa das mulheres submetidas à violência. 


Vale ressaltar a interpretação sutil de Dany Boon como Charles, o 'chauffeur' – como querem os franceses – se deixando levar pela conversa da sua passageira, passando, com leveza, do mutismo e da indiferença para o encantamento, as risadas e a cumplicidade.

Como um bom filme que tem as memórias como fundamento, “Conduzindo Madeleine” apela para um sem-número de oportunos flashbacks, claro. E nas lembranças da protagonista, surge a jovem romântica e sonhadora Madeleine (interpretação de Alice Isaaz) que, aos 16 nos, na década de 1950, se apaixona por um soldado americano Matt (Elie Kaempfen). 


Destaque também para Jéreme Laheurte, que faz Raymond, o jovem e violento marido da moça; Gwendoline Hamon como Denise Keller, a mãe dela, e Thomas Alden como Mathieu.

Acima de tudo, “Conduzindo Madeleine” é um filme delicado, cujo título original, não por acaso, é “Une Belle Course”, que pode ser livremente traduzido do francês para “Uma Bela Corrida” ou "Um Belo Curso".

Com roteiro inteligente e bem construído de Cyril Cely, que intercala romance, amizade e violência de forma perspicaz, elenco afinado e belas tomadas de Paris, essa é aquela típica produção que faz com que o público saia do cinema de alma lavada.


Ficha técnica:
Direção: Christian Carion
Distribuição: California Filmes
Exibição: Cineart Ponteio, sessão às 19h15
Duração: 1h31
Classificação: 12 anos
País: França
Gênero: drama

08 agosto 2023

"Ursinho Pooh: Sangue e Mel" é um terror bizarro ruim, com enredo esquecível

Matança e torturas predominam na versão macabra dirigida por Rhys Frake-Waterfield (Fotos: Jagged Edge Productions)


Marcos Tadeu
Blog Narrativa Cinematográfica


Um terror sanguinário, completamente oposto às histórias fofinhas do famoso ursinho amarelo que gosta de um pote de mel e seus simpáticos amigos. A partir desta quinta-feira (10) estreia nos cinemas "Ursinho Pooh: Sangue e Mel" ("Winnie-The-Pooh: Blood and Honey"), um longa macabro do gênero slasher com muita violência, mas com enredo esquecível.

A obra apresenta a relação de Christopher Robin (Nikolai Leon), que foi para a faculdade e esqueceu seus animais de infância - Pooh (Craig David Dowsett) e Leitão (Chris Cordell). 

Se sentindo traídos e abandonados, eles perdem suas personalidades amigáveis e se tornam selvagens e violentos, atacando e matando quem entrar em sua floresta. 


O roteiro é ruim, com desenvolvimento preguiçoso e não aprofunda na relação do passado entre Christopher, Pooh e Leitão. O diretor Rhys Frake-Waterfield pouco se preocupa em mostrar os vilões em alguma situação difícil em que eles podem se dar mal. Quando acontece, a dupla consegue se recuperar e continua a matança. 

Nenhuma atuação do elenco consegue convencer. As máscaras borrachudas e os poucos diálogos pioram a situação, fazendo com que os personagens se tornem descartáveis - se forem mudados por qualquer outro, não fará a menor diferença. 


Se a intenção do diretor era vender a ideia de que tudo o que acontece no filme faz parte da fantasia de Christopher, essas máscaras de borracha e os trajes só tornam mais difícil gostar do longa.

"Ursinho Pooh: Sangue e Mel" é só um terror genérico que não entretém e pode desagradar até mesmo quem gosta deste tipo de filme. Para piorar, está confirmada uma continuação e a possibilidade de que outros clássicos como Bambi e Peter Pan, também possam receber versões macabras.


Onde perdemos Pooh?

Em 1920, o escritor Alan Alexander Milne (A. A. Milne) criou o adorado ursinho de pelúcia Winnie-The-Pooh e seus amigos, incluindo Christopher Robin (nome do filho de Milne), que se tornaram famosos por meio das produções da Disney. 

Durante anos, a empresa manteve os direitos autorais da coleção, até que em 2022, o primeiro livro de Pooh entrou em domínio público em outros países. No Brasil isso só ocorrerá em 2027. 


A partir daí, qualquer pessoa poderia usar, distribuir e adaptar a história sem a necessidade de permissão ou pagamento de royalties. Rhys Frake-Waterfield decidiu usar os personagens Pooh e Leitão em suas versões mais macabras que pouco se assemelham à beleza dos clássicos personagens. E promete outras produções bizarras para adultos com personagens infantis.


Mesmo com orçamento baixo (em torno de US$ 100 mil), tendo sido gravado em dez dias e entregando uma qualidade duvidosa, "Ursinho Pooh: Sangue e Mel", lançado em fevereiro deste ano em outros países como México e Estados Unidos, atingiu uma bilheteria alta. Como aconteceu com “Terrifier 2”. Prova que o slasher, mesmo ruim, ainda consegue ser lucrativo. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Rhys Frake-Waterfield
Produção: Jagged Edge Productions e ITN Films
Distribuição: California Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h24
Classificação: 18 anos
País: Reino Unido
Gênero: terror

22 fevereiro 2023

“A Baleia” - A tristeza e a beleza sob a interpretação de Brendan Fraser

Filme dirigido por Darren Aronofsky concorre a três estatuetas do Oscar 2023, incluindo o de Melhor Ator (Fotos: Califórnia Filmes) 



Wallace Graciano


Culpa é um dos fardos mais torturantes que carregamos em nossa vida. Seja qual for o motivo que causa tamanho desconforto, ela está presente em nossa vida e muitos não sabem como lidar. E é justamente esse o ponto que norteia “A Baleia” ("The Whale", no título original), que estreia nesta quinta-feira (23) nos cinemas de todo o país. 

Com uma interpretação magnífica de Brendan Fraser, o filme de Darren Aronofsky ("Mãe" - 2017), que é adaptado de uma peça homônima, não cativa e destoa na parte estética, mas tem personagens intensos, que tiram seu ar.


Não à toa, garantiu três indicações ao Oscar (Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Cabelo e Maquiagem), chegando com grande potencial de conquista nas três. Abaixo, mostraremos o porquê, além de contar nossas impressões sobre o filme. 

Qual é a história de “A Baleia”?

“A Baleia” conta a história de Charlie (Brendan Fraser), um professor de redação que enfrenta uma obesidade mórbida. De uma inteligência afiada, ele tem percepção exata de como o mundo o encara, com preconceitos e escárnio. 

Não à toa, sequer tem coragem de ligar a câmera de seu notebook enquanto ministra aulas online. Porém, sua condição física esconde traumas do passado. Ele carrega a culpa de ter abandonado sua filha em troca de um amor homossexual, que não conseguiu ir adiante devido a uma tragédia. 


Com esse psicológico frágil, usa a comida como muleta emocional para esconder a dor e a frustração por seus erros, perdas e decepções. Somente a enfermeira Liz (Hong Chau, indicada ao Oscar) o visita, sendo sua amiga e eterna confidente. Ela o vê de forma nua e crua. Sabe do seu passado e presente. 

Após vê-lo ter um princípio de infarto, a profissional da saúde insiste para que ele se interne, o que é prontamente negado por Charlie, que teme contrair uma dívida, devido à ausência de sistema universal de saúde nos Estados Unidos. 


Sabendo que sua vida está nos últimos dias, inclusive sob avaliação da própria Liz, Charlie tenta se reaproximar da filha, Ellie (Sadie Sink, de “Stranger Things”) para tentar redimir os erros do passado. E é nesse contexto que a trama se desenvolve. 

O que achamos de "A Baleia"?

Por ser baseado em uma peça (escrita por Samuel D. Hunter, que também é o roteirista do longa), trata-se de uma obra que não tem muitos ambientes ao seu redor. Basicamente, toda a construção da trama se dá em um cenário: a casa de Charlie. 

Para alguns espectadores, pode ser sufocante, mas o filme, assim, consegue colocar uma lupa na culpa e dor do protagonista. Ele é lento, pois foca demais nas camadas de Charlie, além de desenvolver os personagens sem muita celeridade. 


Porém, o que o faz cativante ao público é justamente essa condução que nos tira do conforto, intercalando as condições físicas precárias do personagem com suas relações pessoais tão deturpadas quanto.

E Brendan Fraser faz isso com maestria. Se outrora foi um ator considerado galã, principalmente após sua atuação em “A Múmia” (1999), agora consegue nos envolver com cada ato, fazendo com que uma simples queda por mobilidade reduzida traga um contexto peculiar. 


Ainda que os diálogos com Liz, Ellie e o missionário Thomas (Ty Simokins) não tenham o ritmo acelerado que muitos gostam, eles nos prende por apresentar todas as nuances que cercam o protagonista e seus traumas. 

Ou seja, vá ao cinema focando nas atuações dos personagens e no que elas podem nos trazer. Essas interpretações fazem com que a estética, enredo e trilha virem meros detalhes na trama.

Quais são as indicações ao Oscar de “A Baleia”?

Melhor Ator: Brendan Fraser;
Melhor Atriz Coadjuvante: Hong Chau;
Melhor Cabelo e Maquiagem


Ficha técnica:
Direção: Darren Aronofsky
Roteirista e autor da obra: Samuel D. Hunter
Produção: A24 e Protozoa Pictures
Distribuição: Califórnia Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração:1h57
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gênero: drama
Nota: 4,5 (5)

31 agosto 2022

Óbvio e raso, a comédia francesa “Entre Rosas” diverte, enternece, mas não chega a convencer

O charme do longa é que as flores do título são os personagens principais com sua beleza, perfume e simbologia (Fotos: Califórnia Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Que ninguém espere profundidade, aventura ou ação no filme “Entre Rosas” (“La Fine Fleur”), comédia francesa dirigida por Pierre Pinaud (“Fale de Você” - 2021). O longa, que entra em cartaz nesta quinta-feira (1º), é dessas produções rasas, descompromissadas, cujo único objetivo parece ser enternecer o público diante de uma surrada disputa entre o industrial e o artesanal, a busca do lucro e a paixão pelo ofício, as grandes corporações e os pequenos negócios. 

O charme do longa é que as rosas são os personagens principais, com tudo o que elas trazem em termos de cores, beleza, perfume e simbologia.


Eve Vernet (Catherine Frot, de “Marguerite” - 2015 e “Quem Ama Me Segue” - 2018) é dona da Rosas Vernet, pequena propriedade de cultivo de rosas na área rural da França e está à beira da falência. Ela e sua ajudante Véra (Olivia Côte) resistem como podem às investidas de Lamarzelle (Vincent Dedienne), proprietário de poderosa empresa concorrente que quer comprar o pequeno roseiral de Eve.


O que anima o filme – de certa forma – é a chegada de três personagens, uma jovem, um jovem e um homem maduro, que surgem para ajudar Eve a salvar sua empresa: Nadège (Marie Petiot), Fred (Melan Omerta) e Samir (Fatsah Bouyahmed). A surpresa é que os três são ex-presidiários e estão em processo de ressocialização. A partir daí, vale tudo, até a ideia de que os fins justificam os meios.


Embora óbvio – antes da metade do longa o público já imagina o que vai acontecer – “Entre Rosas” traz alguma novidade como por exemplo, a pequena aula de Eve ensinando seus novos auxiliares como fazer enxertos para obter uma rosa híbrida e rara, um processo minucioso e desconhecido do grande público. 

O espectador vai aprender também que rosas não são simplesmente cultivadas. Num mundo de concorrências e campeonatos, elas podem também ser criadas e, para isso, é preciso talento, conhecimento e paciência, atributos que ela herdou do pai.


Como a maioria dos filmes franceses, o longa de Pierre Pinaud – que escreveu também o roteiro junto com Fadette Drouard – é marcado por ótimas interpretações naturalistas, alguns silêncios, excelente trilha sonora, vinhos e até cachimbos para enfatizar pausas e reflexões. Destaque também pela fotografia, que não poupa cores, formatos e texturas das flores.

Óbvio também parece ser o processo de ressocialização dos três ex-presidiários na tentativa de recuperação do roseiral. A quase moral da história enaltece a transformação das pessoas pela delicadeza, dedicação e, por que não dizer, beleza. Talvez até coubesse dizer que “Entre Rosas” é ruim, mas é bom. Afinal, estamos falando de rosas.


Ficha técnica:
Direção:
Pierre Pinaud
Distribuição: Califórnia Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h35
Classificação: 12 anos
País: França
Gêneros: comédia, drama

08 abril 2022

"Mar de Dentro" mostra a maternidade nada edulcorada

Mônica Iozzi interpreta a personagem principal que vive a situação de uma gravidez não planejada (Fotos: California Filmes/Divulgação)


Patrícia Nunes Coelho


Logo na primeira parte do filme, Manu (Mônica Iozzi) comenta com o namorado, Beto (Rafael Losso), o motivo de não nutrir muito apreço pelo mar: em sua infância, ela viveu um episódio que lhe deixou traumas profundos. Provavelmente daí o título do longa - "Mar de Dentro" - dirigido por Dainara Toffoli (nome por trás da excelente série "Manhãs de Setembro", da Amazon Prime Vídeo) e distribuído pela Califórnia Filmes. 

O mar que a personagem de Iozzi vai ter que enfrentar não é o real, mas igualmente assustador. Mas antes de seguir em frente, um parênteses. O filme, que estreia em breve em BH, (embora já tenha sido exibido em festivais, como a 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema) parte de uma situação muito particular (a perda do parceiro em plena gestação) para falar da maternidade sem o viés do romantismo que muitas vezes está atrelado ao tema. 



É fato: ainda hoje, apesar da vasta bibliografia sobre o tema - nomes como Brooke Shields já escreveram sobre o outro lado da maternidade -, muitos ainda edulcoram essa dita missão atribuída às mulheres. No caso, além da perda, Manu tem que lidar com uma série de situações inesperadas - lembrando que a gravidez não foi planejada. 


Quem já viveu a maternidade por meio de lentes reais certamente vai se identificar com as situações mostradas: problemas na gravidez que exigem o afastamento do trabalho, o medo de outro profissional se sobressair neste período e tomar o seu lugar, o parto nada idílico, o corpo que não se recupera, o pouco tempo para se preocupar com a aparência, o leite que empedra, as intromissões indesejadas daqueles que acreditam ter resposta para tudo, como fica o desejo sexual... Até a volta ao trabalho é abordada na obra, em um veio bem realístico: no retorno, muita coisa mudou. É certeiro.


No caso, no filme, como já dito, Manu vive um luto. Não tivesse ocorrido a morte súbita, provavelmente o parceiro, entusiasmado que estava em ser pai, lhe daria total amparo, mesmo que a relação a dois não vingasse. 

Com a perda dele, ela até tem uma rede de apoio, ainda que tímida, formada pela irmã e, mais tarde, por duas profissionais contratadas (uma delas, também mãe de uma criança pequena). Mas basta ter os olhos abertos ao mundo para saber que não poucas mulheres no país enfrentam a maternidade solo em condições ainda piores. Muito, muito piores. 


Em uma entrevista concedida ao canal Cine Resenhas, no bojo do lançamento, Mônica Iozzi lembrou que o filme se alinha a outras produções recentes, como "A Filha Perdida", de Maggie Gyllenhaal, baseada na obra homônima de Elena Ferrante, e de "Mães Paralelas", de Pedro Almodóvar. Fato, o tema está pulsante, e ele também começa a ser abordado na terceira temporada de "My Brilliant Friend" (HBO Max), em curso, apenas para citar mais um exemplo.


Além do roteiro, um ponto muito positivo para "Mar de Dentro" é a interpretação de Monica Iozzi, que se dá na justa medida. A atriz, que já se desvinculou totalmente de seu período "CQC" (e olha que, à época, algumas pessoas julgaram temerária a sua decisão de deixar o programa), consegue imprimir veracidade à personagem expressando, por meio de gestos sutis e de olhares profundos, a dor, as incertezas e angústia de Manu. 


O elenco de apoio também merece loas, com nomes de primeira linha, como ZeCarlos Machado, Magali Biff, Gilda Nomacce (da série "TodXs" ou Fabiana Gugli (atriz preferida de Gerald Thomas), dando perfeitamente o seu recado mesmo em papéis, entre aspas, "menores". 

Difícil saber se a produção vai agradar em cheio ao público masculino - aos que tentam exercer a empatia a este momento tão único da vida da mulher, certamente, sim. Mas, ao expressar a vida nada edulcorada da mãe solo, não há dúvidas que fala também por um contingente cada vez menos invisível no cinema.


Ficha técnica:
Direção: Dainara Toffoli
Produção: Elástica Filmes e Muiraquitã Filmes
Distribuição: Califórnia Filmes
Exibição: em breve nos cinemas de BH
Duração: 1h30
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: drama

16 outubro 2021

Misterioso e instigante, “Convidado de Honra” confunde, desorganiza e atiça o espectador

Estrelado por David Thewlis, sob a direção de Atom Egoyan, longa está disponível apenas nas plataformas digitais (Fotos: Califórnia Filmes/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni

Há quem chame de “filme de festival” produções mais fechadas, intimistas, questionadoras e normalmente contadas em flashbacks – uma ferramenta que alguns diretores têm usado muito na tentativa de valorizar a obra. Se isso for verdade, pode-se chamar assim a mais recente direção de Atom Egoyan, responsável também pelo roteiro de “Convidado de Honra” ("Guest of Honour").

O longa está disponível para aluguel, compra ou assinatura apenas nas plataformas digitais Claro Now, Amazon Prime Video, iTunes /Apple Tv, Google Play, YouTube Filmes e Vivo Play. E tem tudo para agradar principalmente os cinéfilos de carteirinha. Não por acaso, foi apresentado ao mundo no Festival de Veneza de 2019.


Misterioso do começo ao fim, o filme fala da relação tumultuada e cheia de equívocos e culpas entre Jim (David Thewlis, de "Liga da Justiça - Snyder Cut" - 2021,  "Mulher Maravilha" - 2017 e "A Teoria de Tudo" - 2015 ) e sua filha Verônica (a atriz canadense-brasileira Laysla de Oliveira). 

Solitário e exigente inspetor de alimentos, Jim faz de tudo para tirar a jovem filha da prisão, pois todos sabem que ela é inocente, embora acusada de abuso sexual. Porém, há um grande problema: ela não quer sair da cadeia porque quer expiar outras culpas.


“Convidado de Honra” começa com uma conversa entre Verônica e o padre Greg (Luke Wilson, de "Zumbilândia - Atire Duas Vezes" - 2019), com o objetivo de preparar o funeral de Jim. Sabe-se, portanto, desde o início, que ele está morto. A partir daí, muitas idas e vindas e infinitos flashbacks vão revelando ao espectador partes da vida dos dois. Ele, fiscal de restaurante; ela, professora de música de adolescentes.


Embora cheio de mistérios e repleto de dúvidas – talvez exatamente por isso – o filme acaba por criar um certo suspense, mesmo que, por vezes, desorganize o raciocínio do público. A cena em que o espectador descobre, por fim, por que o título do longa é “Convidado de Honra” é, ao mesmo tempo, impagável, inteligente e sutil.

Enfim, é preciso dizer que David Thewlis carrega o filme nas costas, com uma atuação cheia de nuances que ajudam a confundir ainda mais o espectador. Impossível ficar indiferente depois de ver “Convidado de Honra”, por mais estranho que a produção possa parecer.


Ficha técnica:
Direção: Atom Egoyan
Exibição: Plataformas digitais Claro Now, Amazon Prime Video, iTunes /Apple Tv, Google Play, YouTube Filmes e Vivo Play
Duração: 1h45
Classificação: 14 anos
País: Canadá
Gênero: drama

17 junho 2021

Comédia francesa "A Boa Esposa" tem ótimo elenco, mas roteiro perde o fio da meada no final

Interpretações de Juliette Binoche, Yolande Moreau e Noémie Lvovsky são a ponto alto da produção (Fotos: California Filmes)


Maristela Bretas


A proposta era ótima, uma comédia crítica, passada às vésperas dos protestos de maio de 1968 que transformam a sociedade francesa. Mas o que vemos em "A Boa Esposa" ("La Bonne Épouse") são 89 minutos abordando os costumes machistas da época, representados pelo ensino numa escola de formação de adolescentes. Os dez minutos restantes são de correria, muitos furos e uma canção final sobre liberdade feminina. Faltou equilíbrio na abordagem entre o que existia e o que precisava ser mudado.


"A Boa Esposa", com estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas, começa bem. Apresenta a escola Van Der Beck para jovens sem fortunas que são enviadas pelos pais para se tornarem boas esposas e mães. Assim elas poderão ser escolhidas (como gado) por futuros pretendentes - em geral homens muito mais velhos. Logo na primeira aula, a diretora apresenta para as adolescentes as sete regras básicas que devem ser seguidas “por quem não quer ser uma solteirona".

No entanto, o roteiro perde a ideia inicial, que seria explorar a revolução dos hábitos, a sexualidade e, especialmente, a descoberta da força e do poder das mulheres. A sinopse anuncia isso, mas não acontece desta forma. 


Do nada, “A Boa Esposa” vira um filme comum, com direito a romances adolescentes e secretos, perde a parte cômica e aborda superficialmente a tal mudança esperada. Ficou parecendo que sofreu uma tesourada para encerrar logo porque não sabiam como tratar a questão da emancipação das mulheres.

Da noite para o dia (exatamente isso!), tudo muda: as personagens descobrem que podem ser donas de suas vidas, os conceitos ensinados caem por terra, as regras mudam e todo mundo sai cantando numa estrada a caminho de Paris. Só faltou alguém gritar "Vivre La Révolution!". 


O ponto positivo foram as atuações. Juliette Binoche está bem como Paulette Van Der Beck, esposa do proprietário da escola que segue à risca e pratica o que ensina às alunas. Inclusive na hora de fazer sexo com o marido, por quem não tem qualquer desejo. 

O lado cômico fica por conta de Yolande Moreau, como Gilbertte, cunhada de Paulette, uma solteirona de meia idade retraída, louca para encontrar o amor, que dá aulas de gastronomia e bons modos à mesa. 

Já Noémie Lvovsky faz o papel da engraçada freira Marie-Thérèse, mesmo quando está tentando doutrinar as alunas com hábitos ultrapassados. Ao mesmo tempo em que prega moral e rigidez, ela fuma escondido e olha os outros pela fechadura.


No comando desta falsa casa de boas maneiras está Robert Van Der Beck (François Berléand), marido de Paulette, que cuida das contas e paga as despesas da casa. Um homem muito mais velho que a esposa, mas bem safado e com hobbies caros, que gosta de espiar as alunas por buracos nas paredes. 

A morte súbita de Robert expõe a verdadeira condição financeira da família e da escola. Paulette terá de aprender a gerenciar a instituição que está à beira da falência e descobrir que é capaz de várias coisas que lhe eram proibidas, como dirigir e amar. 


O elenco conta ainda com Edouard Baer, como o gerente de banco André Grunvald, que poderá ajudar com as finanças. Como pano de fundo da história, os noticiários anunciam os protestos pela revolução que já tomam as ruas de Paris.

Enquanto isso, na escola as alunas estão mais interessadas em quebrar regras e resolverem dilemas típicos das jovens da época - primeira menstruação, casamento arranjado sem amor e sexualidade reprimida. A proposta de "A Boa Esposa" é bem bacana, mas o roteiro foi mal conduzido para o final, penalizando o trabalho apresentado na maior parte do filme. 


Ficha técnica:
Direção: Martin Provost
Exibição: Nos cinemas e sem previsão nas plataformas digitais
Distribuição: California Filmes
Duração: 1h49
Classificação: 14 anos
País: França
Gênero: Comédia

30 março 2021

"A Despedida" faz chorar de emoção com boas interpretações, bela fotografia e trilha sonora com clássicos

Susan Sarandon e Kate Winslet são os destaques no drama sobre vida e morte dirigido por Roger Michell (Fotos: California Filmes/Divulgação)


Maristela Bretas


Prepare o lencinho para a estreia nesta quarta-feira (31/03) nas plataformas digitais do drama "A Despedida" ("Blackbird"), que reúne um elenco com interpretações envolventes, uma fotografia que encanta e uma trilha sonora perfeita. Dirigido por Roger Michell, o filme tem em seu elenco principal as premiadas com o Oscar Susan Sarandon e Kate Winslet dando show cada vez que aparecem. Não são poucos os momentos que levam as pessoas a ficarem com os olhos marejados graças a essas duas atrizes, que receberam um bom suporte com as atuações dos demais integrantes do grupo. 


Susan Sarandon é a peça chave do filme, no papel de Lily, uma mulher de quase 60 anos inteligente e espirituosa, que tem uma doença terminal. Ela se acha perfeita e por ter sido controladora a vida inteira decide quando e como será seu fim. Não quer que a família tenha pena de seu estado e que permaneça estruturada (o que nunca foi) após sua partida. Até na vida de sua melhor amiga Liz (Lindsay Duncan) ela interfere.


Lily e o marido Paul (Sam Neill) se preparam para um fim de semana com as filhas, o neto e companheiros das filhas, além de Liz.  Apesar de sua mobilidade prejudicada, Lily insiste em preparar tudo sozinha, numa comemoração de despedida, já que pretende antecipar sua morte com a ajuda do marido médico para não sofrer com a degeneração do corpo e da mente. Entre jantares, jogos de adivinhação e passeios na praia, a família vai tentando fingir que tudo aquilo é "normal".


Mas, à medida que as horas avançam, os dramas vão surgindo, assim como os segredos do passado e do presente. E é aí que entra o outro peso-pesado do filme, Kate Winslet, no papel da filha mais velha, Jennifer. Tentando sempre ser reconhecida pela mãe e um retrato dela, controla o marido e filho (ou pelo menos acha isso) e tem sérios conflitos com a irmã caçula Anna (Mia Wasikowska). 


Jennifer é uma mulher insatisfeita emocionalmente e sexualmente e no fundo, apesar de ter concordado com a morte prematura da mãe, não aceita e não se sente segura com a perda. Winslet está ótima no papel, quase irreconhecível com grossos óculos e usando roupas que a deixam com aspecto de uma mulher bem mais velha - está mais para irmã de Lily que para sua filha.


Outra que se sai bem no papel é Mia Wasikowska, uma mulher frágil, insegura, cheia de mágoas, que mantém uma relação instável com Chris (Bex Taylor-Klaus), uma jovem de comportamento adolescente, mas que segura a barra da companheira mesmo nos momentos difíceis. Mia e Winslet também entregam bons diálogos, especialmente quando Anna e Jennifer discutem a relação entre elas e com a mãe. 

Chama a atenção o fato de o pai sempre ficar de fora quando o assunto é relacionamento. Como se ele fosse apenas um coadjuvante da família. A força toda do filme está nas mulheres da família, especialmente nos conflitos, e os homens da trama são deixados de lado. Isso fica claro na postura de Paul, no casamento de Jennifer com Michael (Rainn Wilson) e na relação dela com o filho Jonathan (Anson Boon). Eles só ganham mais espaço no final, em parte por interferência de Lily, como sempre.


Sam Neill especialmente merecia mais destaque, uma vez que interpreta o marido apaixonado pela esposa, mas resignado por sua decisão, que o coloca como o responsável por planejar todo o procedimento médico. Sofre calado pelos cantos da casa, ao mesmo tempo em que tem de parecer seguro para dar o suporte à família para o que está por vir. 

O certo é que à medida que o fim de semana vai chegando ao final, o clima se torna cada vez mais tenso. O que antes era um acordo familiar passa a ser descartado pelas filhas e a despedida de Lily pode não ser tão pacífica como ela planejou.


Outro destaque de "A Despedida" é a bela trilha sonora, que conta com clássicos de Bach e Mozart, além de solos de violino e piano. Também a fotografia é um ponto alto. Apesar de ter poucas locações, com a maioria das cenas feitas dentro da casa, as externas são numa região a beira-mar com lindas praias e caminhos de pedra pela encosta que garantem boas imagens, inclusive do pôr do sol. 

Encantador e envolvente trata-se de um filme que faz pensar sobre morte e o que se leva dessa vida. Recomendo demais. "A Despedida" estará disponível para locação, no Now, iTunes, Google Play, Youtube Filmes, Vivo Play e Sky Play.


Ficha técnica:
Direção: Roger Michell
Exibição: Plataformas digitais para locação
Distribuição: California Filmes
Duração: 1h37
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gênero: Drama
Nota: 4 (de 0 a 5)

25 fevereiro 2021

"Mais Que Especiais" propõe um debate sobre o tratamento do autismo severo

Reda Kateb e Vincent Cassel são responsáveis por duas organizações sem fins lucrativos que cuidam de jovens autistas (Fotos: Carole Bethuel/California Filmes)

Jean Piter Miranda


É bem possível que hoje em dia todo mundo conheça ao menos uma pessoa autista. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças tem transtorno do espectro autista (TEA). Mas, talvez, poucas pessoas saibam que os autistas não são todos iguais. Eles podem apresentar dificuldades de comunicação e de socialização, em maior ou menor grau, entre outras características. Muitos filmes já abordaram esse tema. E o mais novo que chega nesta quinta-feira (25) aos cinemas é o francês “Mais que Especiais” ("Hors Normes").

 
O filme conta a história de Bruno (Vincent Cassel) e Malik (Reda Kateb). Eles são responsáveis por duas organizações sem fins lucrativos que cuidam de jovens autistas que foram recusados por outras instituições, por terem comportamento extremamente agressivo. A obra é baseada em uma história real, passada na França, que mostra o belo trabalho social desenvolvido pela dupla e todas as dificuldades que eles enfrentam.
 


 Bruno e Malik lidam diretamente com os jovens autistas de forma afetiva, mostrando que entendem o que estão fazendo. Ao mesmo tempo, eles têm que fazer de tudo um pouco: cuidar da parte administrativa, pagar funcionários, correr atrás de dinheiro, treinar cuidadores, lidar com a burocracia do governo, entre outras coisas. Sem contar que, pra agravar ainda mais a situação, os autistas que eles cuidam são de famílias carentes. É drama em cima de drama.
 

 
Ao longo do filme, vemos a luta de Bruno e Malik para dar qualidade de vida aos autistas que eles cuidam. Eles tentam de tudo para socializar os jovens, com tratamento bem humanizado. O que contrasta com a terapia oferecida pelas instituições tradicionais, baseada em isolamento e medicamentos sedativos. E nisso vemos também a principal preocupação dos pais: “O que vai ser do meu filho quando eu morrer? Quem vai cuidar dele?”.


"Mais que Especiais" é bem dramático. Tem cenas fortes, que mostram os jovens tendo crises, de Bruno e Malik rodando a cidade, correndo a procura de autistas que ficaram perdidos pelas ruas. Além da fiscalização dos órgãos do governo, que cobram muito e praticamente não oferecem ajuda. É um filme que traz um olhar bem diferente sobre o autismo, como talvez nunca tenha sido mostrado.
 

 
Vincent Cassel está maravilhoso, como sempre. E isso conta muito. O filme é dos diretores Olivier Nakache e Éric Toledano, os mesmo que fizeram “Intocáveis” (2011). "Mais que Especiais" propõe muitas reflexões. Apresenta uma realidade da França, mas que certamente tem muitas semelhanças com o que é vivido em várias partes do mundo. Não é uma história de superação, nem bonitinha. É uma história de dores, de renúncia e, principalmente, de amor a uma causa. É uma obra necessária que merece ser vista.
 


Ficha técnica:
Direção:
Olivier Nakache e Éric Toledano
Distribuição: Califórnia Filmes
Exibição: Nos cinemas
Duração: 1h54
País: França
Gênero: Comédia
Nota: 3,5 (de 0 a 5)