Documentário em quatro episódios conta a vida de um dos maiores contraventores do país (Fotos: Globoplay/Reprodução) |
Mirtes Helena Scalioni
Personagens absurdos, incoerentes e paradoxais costumam encantar leitores e espectadores da ficção. E quando essas figuras saltam dos livros e das telas para o mundo real, aí sim é que fascinam e instigam. É o caso do bicheiro Castor de Andrade, cujas vida e obra são contadas com maestria no documentário “Doutor Castor”, em cartaz no Globoplay. Em quatro episódios bem amarrados, imagens inéditas e uma variedade grande de depoimentos, a minissérie prende e fisga o público.
Nascido em 1926, o carioca Castor Gonçalves de Andrade e
Silva se estabeleceu e fez sua vida, digamos, profissional, em Bangu, subúrbio
do Rio de Janeiro. Simpático, carismático e sedutor, era capaz de gestos
extremos de generosidade e crueldade num mesmo dia sem perder o sorriso.
Afinal, tinha nas mãos o poder de comando das duas maiores paixões do Brasil: o
futebol e o Carnaval.
Bicheiro assumido, Castor presidiu praticamente a vida toda
o Bangu Atlético Clube, que viveu sua fase áurea nas décadas de 1960 a 1985,
ano que conquistou o vice-campeonato brasileiro, além de comandar a Mocidade
Independente de Padre Miguel, escola que foi cinco vezes campeã do Carnaval.
Tendo essas duas funções como vitrine, ele circulou pelo high society carioca,
frequentou a mesa de políticos influentes e fez muitos amigos na imprensa, na
polícia e na Justiça. Ou seja: sua vida está intimamente ligada à história do
Rio de Janeiro, com suas estranhas relações de poder que ligam a bandidagem à
oficialidade.
O que mais confere autenticidade ao documentário dirigido
por Marco Antônio Araújo e Rodrigo Araújo são os depoimentos, variados e
editados de forma inteligente e equilibrada. Historiadores, pesquisadores, ex-jogadores,
amigos e jornalistas contam histórias curiosas, edificantes, inacreditáveis e
escabrosas do bicheiro.
Chamam atenção as falas de um ex-juiz de futebol, que
confessa ter recebido propina para beneficiar o time do Bangu; de Boni, ex-todo
poderoso da Globo, que despista como pode sua relação de amizade com Castor; e
de Michel Assef, ex-advogado do contraventor, que tenta justificar seus crimes.
Sem falar na entrevista que ele, como um pop star, concedeu a um então poderoso
Jô Soares.
Capítulo à parte entre os depoimentos são as declarações
mais do que contundentes da juíza Denise Frossard, responsável por um dos
processos e uma das prisões de Castor de Andrade, marcando, talvez, o início da
derrocada do império do maior bicheiro do Brasil.
Ao desnudar as relações da
contravenção com o poder, revelando o talento e senso de oportunidade do nosso
“capo di tutti i capi”, “Doutor Castor” coloca o Brasil no rol dos países que,
além de tratar bem, compactuam e acobertam seus mafiosos, com sua violência,
bizarrices e malas sempre repletas de dinheiro.
Ficha técnica:
Direção: Marco Antônio Araújo Exibição: Globoplay
Duração: Série de 4 episódios (média de 60 minutos)
País: Brasil
Gêneros: Documentário / Série