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25 maio 2024

“O Aprendiz” e outros destaques de Cannes: estreias abordam urgências dos nossos tempos

Obras apresentadas no festival tratam de diversas crises
políticas atuais
 (Foto: Carolina Cassese)


Carolina Cassese


“Vamos tornar os filmes políticos de novo”. Essa foi a principal mensagem do diretor Ali Abbasi, que assina “O Aprendiz” (“The Apprentice”), na première do longa. Um dos destaques da Competição Oficial da 77ª edição de Cannes, o filme é uma tragicomédia que tematiza a ascensão de Donald Trump à fama e fortuna nas décadas de 1970 e 1980. 

O elenco é integrado por nomes como Sebastian Stan (muito elogiado pela sua interpretação do político estadunidense), Jeremy Strong (Roy Cohn, advogado de Trump) e Maria Bakalova (Ivana, ex-mulher do político).

Com roteiro assinado por Gabriel Sherman, “O Aprendiz” é centrado nos anos de formação do ex-presidente (e novamente candidato neste ano), com enfoque na difícil relação de Trump com o advogado Roy Cohn, dois homens consideravelmente ambiciosos. 

Filme "O Aprendiz" (Fotos: Divulgação)

Ao acompanharmos a história, podemos nos dar conta de que os valores de Trump são de fato compartilhados por muita gente e, ainda, se associam diretamente ao conceito de “masculinidade tóxica”. 

Homens que, sob o pretexto de serem “muito verdadeiros” (como se ter um mínimo de civilidade fosse sinônimo de “ser falso”), tratam mulheres como objetos e, ainda, precisam se mostrar como “matadores”. 

Esse termo ('killers', no original) aparece diversas vezes ao longo da história: o entorno de Trump (e principalmente o próprio protagonista) acredita firmemente que existe uma divisão entre “matadores” e “perdedores”. 

Segundo eles, o primeiro grupo é o único que merece respeito, mesmo que não se importem com o próximo (afinal de contas, os “matadores” também aniquilam uns aos outros). 


Logo nos damos conta de que, sim, homens milionários, de terno e gravata, podem ser extremamente violentos. Em diálogo com o filme, um cartaz colocado na Croisette estampava o recado: “A única minoria perigosa são os ricos” ("The only dangerous minority are the rich"). 

No discurso após a exibição do longa (bastante ovacionado por outros atores, como Cate Blanchett), Abbasi contou que foi desencorajado a realizar o filme, pois lhe disseram que ele deveria falar sobre política de uma maneira mais metafórica ou, ainda, menos personificada. 

Cate Blanchett aplaude a atriz Maria Bakalova,
do filme “O Aprendiz” (Foto Carol Cassese)

Mas Abbasi rebateu: "o que isso significaria? Mais um filme sobre as Guerras Mundiais? Não, agora é preciso falar sobre Trump - até porque contar a história dessa figura é também falar sobre o sistema capitalista e, como dissemos, sobre modelos ultrapassados (mas ainda muito presentes) de masculinidade. É também abordar a noção existente de “América”, essa terra tão idealizada (que, segundo os republicanos mais extremistas, precisa ser “great again” - again)".

Ainda sobre temas sociais, vale mencionar que Blanchett foi à première de “O Aprendiz” com um vestido que, em conjunto com o vermelho do tapete, formava as cores da bandeira da Palestina. 

Esse tema evidentemente dialoga com assuntos da política norte-americana, já que os Estados Unidos foram (e seguem sendo) um dos principais aliados de Israel. 

Não é difícil nos darmos conta, portanto, de que vivemos tempos urgentes - e o novo filme de Ali Abbasi nos ajuda a ter dimensão da gravidade da situação. 



Situação brasileira

Os processos políticos também são o fio condutor do filme “Lula”, assinado por Oliver Stone e Rob Wilson. O longa, que foi apresentado na Sessão Especial do festival, narra a ascensão, queda e retorno do líder brasileiro, com enfoque na jornada das eleições de 2022 para reconquistar a Presidência.

Parte da imprensa brasileira criticou o filme por ser muito “parcial” (a favor do atual presidente), mas, em primeiro lugar, é preciso considerar que Stone não tem a pretensão de se apresentar como um realizador “neutro”, pois seus posicionamentos políticos já são conhecidos. 

Documentário "Lula", de Oliver Stone e Rob
Wilson (Foto Ricardo Stuckert/PR)

Além disso, a história de Lula foi por muito tempo narrada por meios hegemônicos, a partir de um viés primordialmente favorável às ações de Sérgio Moro, figura que aparece muito no documentário. Vários dos ocorridos, vale lembrar, são extremamente recentes e muitos dos fatos não são inteiramente conhecidos. 

Diante do cenário, parece ingênua a defesa (ou até mesmo a crença) de que existe uma suposta “neutralidade” - afinal de contas, não é como se já soubéssemos qual é a maneira “correta” de contar essa história. 


Bastante didático, o documentário de Stone se esforça para explicar eventos complexos, como a Lava Jato e, posteriormente, a Vaza Jato. O público majoritariamente estrangeiro da sessão pareceu compreender como funcionam várias das disputas de poder no Brasil, o que é sem dúvidas um mérito de Stone. 

De qualquer maneira, existem ainda muitas possibilidades de narrar essas histórias - muito do que acontece no nosso país, como sabemos, “é coisa de filme”.

Karim Aïnouz e elenco de "Motel Destino"
 (Foto: Steffen Osburg)

Ainda falando de temas urgentes, vale mencionar o documentário “A Queda do Céu”, dirigido pelos brasileiros Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha, que marcou presença na Quinzena dos Cineastas (na Competição Oficial, o Brasil foi representado pelo diretor Karim Aïnouz, com o longa "Motel Destino"). 

O filme foi inspirado na proposta do livro homônimo, assinado por Davi Kopenawa com o antropólogo Bruce Albert, que apresenta um registro da cosmologia Yanomami. 

De maneira bastante respeitosa, a obra apresentada no festival trata sobre a realidade do grupo indígena e, ainda, associa o tema com outras questões climáticas. Como sabemos, o ataque aos povos indígenas é também uma ofensiva contra o planeta.

(Foto: Pedro HG Araújo)

Diante de um cenário mundial tão turbulento (vale lembrar que conflitos como a Guerra da Ucrânia seguem ocorrendo), é esperado que novas obras abordem algumas das mazelas sociais e processos políticos contemporâneos. 

A pretensão da maior parte desses filmes não é de oferecer respostas simples, mas, principalmente, de apresentar outros olhares sobre temas tão importantes. Por vezes, o cinema nos ajuda a esquecer dos nossos problemas; em outros momentos, porém, lembrar pode ser um ato de resistência. 

28 janeiro 2023

Cate Blanchett coloca “TÁR” na lista de indicados ao Oscar

Filme de Todd Field é bem editado, mas exige calma para lidar com as tensões da protagonista
(Fotos: Focus Features)


Eduardo Jr.


A chegada de “TÁR” aos cinemas brasileiros promete encantar e também incomodar. Durante as duas horas e 40 minutos do novo filme do diretor norte-americano Todd Field, o espectador experimenta o encanto, por meio da atuação de Cate Blanchett.

E também o incômodo, por conta da construção de uma personagem tão difícil - que carrega doses de genialidade, mas não se explica pelo clichê dos gênios excêntricos; que se masculiniza e ainda assim consegue expressar feminilidade; que poderia ser militante de uma causa, mas apresenta uma complexidade ainda maior. 


Tudo começa com a apresentação (‘beeem’ longa) da personagem central, Lydia Tár. Mas prepare-se para ser hipnotizado por Blanchett. É este o momento que nos permite conhecer a inteligência - e a agressividade - de uma mulher lésbica, que gosta de ser chamada de maestro, e que está à frente de uma das maiores orquestras do mundo. 


Quando Lydia fala, tudo é silêncio. E, se o que escuta não a convence, ela age, com força, e sem pestanejar. Mas além do silêncio, a edição do filme, que costura a música a momentos determinados para anunciar novas camadas (e, consequentemente, mexer com os sentimentos do público), só engrandece a produção.   


Lydia controla. É ela quem figura como organizadora da casa onde mora com a mulher e a filha. No mundo da música clássica, dominado por homens, ela é quem rege. Mas a mulher forte, no ápice da carreira, tem esqueletos no armário. E pra quem está no topo, só resta a queda. 


O diretor nos coloca dentro do ambiente para assistir como uma pessoa é capaz de certas atitudes em relação àqueles ao seu redor. O que nos deixa tensos e apreensivos sobre o que virá a seguir. Cada ameaça à projeção de Lydia vai dando mais força para o desfecho do filme.  


Ainda assim, vemos na protagonista não só um lado ‘monstro’, mas também um ser humano que erra. Imersa no universo da música clássica, Lydia tem dificuldades em aceitar a modernidade. 

Acostumada às obras requintadas, criadas por homens brancos forjados pelo machismo de décadas e décadas, autoridades oriundas do Youtube e julgamentos que viralizam nas redes sociais se tornam o inferno para a regente. 


Julgamentos morais parecem ser uma especialidade de Todd Field. É ele a mente por trás de “Pecados íntimos” (PlayArte, 2007). Mas agora, em “TÁR”, o diretor vai além e propõe um filme ‘de personagem’. 

A construção do roteiro associada à criação da personagem de Blanchett é impecável! Principalmente pelo final apresentado. 


Filme de arte! Um adjetivo que pode ser prejudicial na luta pela principal categoria do Oscar. Embora ainda concorra com outras indicações (melhor direção, melhor atriz, melhor roteiro original, melhor edição e melhor fotografia), “TÁR” e Cate Blanchett merecem passar à história como um exemplo do que é cinema de qualidade.  


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Todd Field
Produção: Focus Features / Standard Films
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h38
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: drama / musical

01 março 2022

“O Beco do Pesadelo” é a maldade do ser humano na visão de Guillermo del Toro

Bradley Cooper interpreta um ilusionista charlatão que aplica golpes na elite rica de Nova York  (Fotos: 20th Century Studios)


Marcos Tadeu


Falar de Guillermo del Toro é falar de obras com criaturas monstruosas como “Helboy”, “A Forma da Água", "Labirinto do Fauno” e “Blade”. Em seu mais recente filme, “O Beco do Pesadelo” ("Nightmare Alley"), obra adaptada de  William Lindsay publicada na década de 1940 e concorrendo a “Melhor Filme” na corrida para o Oscar, o diretor assina seu trabalho mais simplista, com uma pegada noir. 

Se antes os monstros eram protagonistas de suas histórias, agora é o ser humano quem é colocado em foco como o vilão, devido à sua ganância e à busca intensa por poder.


A trama conta a vida de Staton "Stan" Carlisle (Bradley Cooper), carismático e sem sorte que busca uma oportunidade em um circo de charlatões liderado por Clem Hoatley (Willem Dafoe), quando a vidente Zeena (Toni Collette) e seu marido mentalista Pete (David Strathairn) ganham apreço por Stanton e decidem ensiná-lo a arte da enganação.

O protagonista então tenta ganhar mais dinheiro colocando Molly Cahill (Rooney Mara) com um número completamente novo e perigoso. Os dois começam a se aproximar e vivem um romance.  


Os anos passam e Stan ganha um bilhete para enganar a elite rica de Nova Iorque nos anos 40. As coisas começam a mudar quando a psicóloga rica Lilith Ritter (Cate Blanchett) surge na vida de Stan e o incentiva a fazer escolhas que poderão levá-lo à vitória ou à derrota.

Do ponto de vista do protagonista somos aguçados a conhecer um mundo de circo e aberrações. Stan é um cara que, inicialmente, parece muito tímido e com medo do que está vendo, mas que depois faz de tudo para ser visto e reconhecido por Clem. De todos os personagens apresentados, Stan é o que mais se destaca por crescer com sua ambição e fome de poder.


Lilith é uma personagem cercada de muito mistério. É visível seu interesse em Clem e como ele pode ajudá-la a conseguir suas vitórias. Ao mesmo tempo em que ela é muito doce, também é dúbia. O enredo apresenta riqueza  na forma de construir e desconstruir a personagem, principalmente na reviravolta de seu último arco, que nos deixa sem saber quem é mais monstro, Clem ou Lilith. 

Curioso pensar que até o nome da personagem é famosa na mitologia por ser um demônio com corpo de mulher que vivia no inferno. E não é para menos: as intenções da psicóloga são sempre duvidosas, o que nos faz torcer hora para o bem, hora para o mal.


Outro ponto que se destaca é o design de produção. A atmosfera noir, o circo sombrio, as atrações bizarras são muito bem ambientadas e conseguem refletir tudo a que o filme se propõe.

O que talvez deixe a desejar, no entanto, é o enredo, que falha por não aprofundar na maioria dos personagens. Exceto Clem e Lilith, que não têm muito o que ser desenvolvido, o que é uma pena. São bem estilizados, mas ficam em uma camada extremamente rasa.

“O Beco do Pesadelo” talvez seja um dos filmes mais fracos de Guillermo del Toro, apesar de potente na construção da narrativa. O autor deixa para o público a mensagem de como nossas ambições podem nos levar à glória, mas também ao fracasso.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Guillermo del Toro
Produção: Searchlight Pictures
Distribuição: 20th Century Studios
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h31
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: drama / suspense

29 dezembro 2021

Em um mundo cada vez mais burro, "Não Olhe Para Cima" é o óbvio que precisa ser dito

Com um elenco estelar, produção está sendo considerada uma das melhores de 2021 da plataforma de streaming (Fotos: Niko Tavernise/Netflix)


Jean Piter Miranda


Os astrônomos Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) descobrem um cometa no sistema solar. Eles calculam que esse corpo celeste vai atingir a Terra dentro de seis meses e acabar com a vida no planeta. Os dois então levam a notícia para a presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean (Meryl Streep).

O assunto vai parar nos noticiários e nas redes sociais. E isso é só o início do caos. Essa é a história de “Não Olhe Para Cima” ("Don't Look Up"), produção da Netflix de US$ 75 milhões que está entre os mais acessadas e comentadas desde a sua estreia, no dia 24 de dezembro.


Para início de conversa, o filme é sim sobre os dias atuais. E para os brasileiros, dá até a impressão de que a estória é sobre o Brasil. A começar pelo negacionismo, pelas pessoas que não confiam na ciência. Mais do que isso, gente que cria milhares e milhares de teorias da conspiração sobre um tal “sistema” que controla o mundo. Em um tempo em que todos têm vez e voz nas redes sociais, a desinformação passa a ter até mais peso que as informações passadas por cientistas.


A partir daí, é tudo um show de absurdos. Espera-se que a presidente do EUA faça uma missão para dar um jeito de destruir o cometa antes que ele chegue à Terra. Mas ela diz que vai  esperar e avaliar. Ela pensa só nela e dá prioridade às eleições, como se o assunto do cometa não fosse uma urgência mundial. Os dois astrônomos são vistos com desconfiança e a descoberta deles só é validada depois que pesquisadores de universidades maiores e mais renomadas confirmam os dados.  


A imprensa não dá a devida importância ao assunto. Está mais preocupada com engajamento nas redes sociais e monetização do que com o dever de informar. Apresentadores de TV (interpretados por Cate Blanchett e Tyler Perry) se comportam como comediantes. Celebridades se expõem demais. 

A polícia age para atender aos interesses pessoais de um governante e não de acordo com a lei. Pessoas sem qualificação ocupam cargos de confiança. Tem também a idolatria de parte da população por militares e por armas. Gente que prega o fim do politicamente correto. E tem até cientista que se deixa seduzir pela fama.


Tem gente que diz que o cometa não é isso tudo. Outros que dizem que nem existe cometa. Ideias que são reproduzidas por autoridades, políticos, comunicadores e influencers. Todo mundo querendo aproveitar um pouco do assunto do momento para ganhar seus likes, curtidas, fãs, seguidores e, claro, aumentar sua monetização. É a regra do jogo, é como funciona a economia da atenção nos dias atuais. É muita coisa ao mesmo tempo pra processar. É como navegar pelos trends do Twitter.  


E por falar em dinheiro, tem bilionário na história, que vende a imagem de um bom e simples cidadão que só quer fazer do mundo um lugar melhor para todos. Que patrocina campanhas políticas e depois manda mais que os próprios governantes. Bilionário que é idolatrado e tem até fã clube. É um show de absurdos que a gente só se dá conta quando está na ficção. No dia a dia, o povo já se acostumou, já normalizou. Mas na ficção, incomoda muito.

Di Caprio e Jennifer Lawrence estão ótimos. Meryl Streep brilha como sempre. Cate Blanchett está sensacional como a apresentadora de TV Brie Evantee, com o rosto cheio de plásticas e botox. Mark Rylance manda muito bem no papel de Peter Isherwell, o bilionário da tecnologia com complexo de grandeza. 


Mas o destaque fica mesmo por conta de Jonah Hill, que faz Jason Orlean, o filho da presidente, mimado, arrogante, escroto e meio burro. Não é exagero dizer que é a melhor atuação da sua carreira, isso num elenco com muitas estrelas, onde Ron Perlman (o astronauta Benedict Drask), Ariana Grande (como a cantora Riley Bina) e Timothée Chalamet (o adolescente Yule) quase passam despercebidos, assim como Himesh Patel (Phillip). 


“Não Olhe Para Cima” é uma grande produção. É uma crítica ao sistema político, econômico, à imprensa, às redes sociais e ao negacionismo. É uma crítica à sociedade como um todo, que tem ficado cada vez mais alienada e até mesmo mais burra, misturando política, com religião, com patriotismo, com anticiência e outras coisas mais. 

É comédia, é entretenimento, e pode ser uma experiência bem incômoda para muitos. Mas é um filme necessário que vai deixar todo muito bem pensativo. É o obvio que precisa ser dito em forma de ficção pra tentar ser ouvido.  


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Adam McKay.
Produção e exibição: Netflix
Duração: 2h25
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Comédia / Ficção
Nota: 4 (de 0 a 5)

08 novembro 2019

"Cadê Você, Bernadette?" expõe o incrível prazer de ligar o foda-se

Cate Blanchett interpreta a personagem principal, uma arquiteta que abandonou a profissão para se dedicar totalmente á família (Fotos: Universum Film /Divulgação)

Carol Cassese


Na Antártida, sozinha em um caiaque, em meio a blocos de gelos imponentes e à paisagem desértica, Bernadette Fox se depara com uma moça em outra embarcação individual, que lhe pergunta: "Ei, quem é você?". Ao que Bernardette responde algo do tipo: "É o que estava me perguntando... Quem sou eu". A questão em foco é, no fundo, a que muitos de nós, um dia, já nos colocamos - ou deveríamos nos colocar.  E é sobre ela que orbita "Cadê Você, Bernadette?" ("Where'd You Go, Bernadette?"), novo filme de Richard Linklater ("Boyhood") em cartaz nos cinemas. 

Na superfície, Bernadette, vivida por uma Cate Blanchett no auge de sua beleza, aos 50 anos, é uma arquiteta que abandonou oficialmente a profissão após um evento traumático, indo acompanhar o marido, que trabalha na Microsoft, em Seattle. Mas quem é ela de fato?



A parte em que aparece no continente gelado, na verdade, está na segunda hora do filme, já que a trama é contada de forma linear, tendo alguns recuos temporais. Eles são necessários à explicação de como Bernadette chegou a um nível tal de intolerância ao ser humano, ao convívio social, feitos por meio de um encontro com outro arquiteto, seu antigo colega (Laurence Fishburne, uma presença sempre marcante), que visita Seattle. E também de um documentário disponível no Youtube, cuja existência, na verdade, só é revelada à personagem central por obra do acaso, Uma jovem fã, para seu desgosto, aborda a personagem no único lugar em que ela se sente bem em Seattle fora de sua casa, um centro cultural. 


É por meio desse artifício que o espectador fica sabendo que, em Los Angeles, onde a família vivia antes, o nome de Bernadette estava numa espécie de tredding topics dos novos talentos da arquitetura, ofício no qual nunca se furtou a encarar desafios. Casada com Elgie (Billy Crudup), um homem pra lá de compreensivo e apaixonado, e mãe de Bee (Emma Nelson), ela, tal qual uma leoa, trata de defender sua cria, comportamento que também é explicado no curso da história.


Quando é acuada pelo marido, passa a se indagar quem é de fato aquela mulher que ele um dia pensou conhecer, e que, para sua surpresa, está sendo manipulada até pela máfia russa. Bernadette foge até de quem mais ama para, enfim, tentar se reencontrar, sem o suporte de medicamentos tarja preta ou uma assistente virtual, Manjula. A mulher notável e mãe excepcional, que deixou de lado seu trabalho como arquiteta para se dedicar à vida em família, decide que é hora de sair de sua zona de conforto e desaparece misteriosamente de uma hora para outra, para desespero da filha.


Baseado no premiado best-seller de Maria Semple, "Cadê Você, Bernadette?" é um filme que exige atuações na justa medida, um feito que o elenco talentoso consegue cumprir. Se Cate Blanchett encontrou o tom apropriado, há que não se deixar de lado a boa performance do carismático Crudup e o talento da estreante Emma Nelson, uma garota de extraordinária presença. 

Com "Time After Time", o hit de Cindy Lauper, pontuando a trilha de maneira marcante, o filme também vale a ida ao cinema pela oportunidade que dá ao espectador de conferir, na tela grande, as paisagens absurdamente arrebatadoras do continente Antártico, bem como sua particular fauna, que, num écran menor, certamente perderiam o impacto.


Ficha técnica:
Direção: Richard Linklater
Distribuição: Imagem Filmes
Duração: 1h51
Gêneros: Drama / Comédia
País: EUA
Classificação: 14 anos

Tags: #CadeVoceBernadette, #CateBlanchett,  #LaurenceFishburne, @imagemfilmes, #Cinemark, @Cinemarkoficial, @cinemaescurinho, @cinemanoescurinho

06 junho 2018

"Oito Mulheres e Um Segredo" - uma aula de vigarice com charme e glamour

Filme dirigido por Gary Ross tem um elenco diversificado até no talento (Fotos: Barry Wetcher/Warner Bros. Pictures)

Maristela Bretas


O elenco feminino pode não ter nomes tão talentosos quanto "Onze Homens e um Segredo" (2001), "Doze Homens e Outro Segredo" (2004) e "Treze Homens e Um Novo Segredo" (2007), mas o diretor Gary Ross (que assina o roteiro com Olivia Milch) soube explorar bem o potencial de cada uma das integrantes da quadrilha do maior roubo de joias de Nova York em "Oito Mulheres e Um Segredo" ("Ocean's 8").

Se nos três  filmes masculinos dirigidos por Steven Soderbergh brilharam George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon e Andy Garcia, na produção feminina as estrelas são as premiadas Sandra Bullock, Cate Blanchett e Anne Hathaway, que dão banho de charme, beleza, talento e vigarice. Também entregam ótimas interpretações as atrizes Helena Bonham Carter, Sarah Paulson, Mindy Kaling, Awkwafina e a cantora Rihanna.


Além das atrizes, o que mais chama a atenção é o planejamento minucioso do roubo, cada detalhe cronometrado sem que nenhuma das personagens tivesse uma importância menor no plano. Excelente também a escolha dos figurinos de gala e das joias, assim como a trilha musical de Daniel Pemberton.

Para que a trama mantivesse a mesma linha de condução, com cada passo sendo pensado e trabalhado minuciosamente até o grande roubo nada melhor que ter o próprio Soderbergh como um dos produtores. O filme de Gary Ross, no entanto, supera nos divertidos diálogos entre as personagens, principalmente quando Debbie e a parceira Lou Miller (Blachett) vão recrutar as especialistas para a quadrilha.


Helena Bonham Carter está muito bem como a decadente estilista de moda Rose, cujo mau gosto para se vestir chega a causar espanto. Sarah Paulson é Tammy, uma pacata dona de casa que leva uma segunda vida como receptadora de objetos roubados. Rihanna se garante como a hacker jogadora de sinuca Nine Ball, enquanto Mindy Kaling é Amita, especialista em fazer e desfazer joias que odeia viver com a mãe. Awkwafina é Constance, uma divertida golpista batedora de carteira e relógio incorrigível.

Destaque para James Corden, que faz o investigador de seguros, e a rápida aparição de Elliott Gould, interpretando Reuben Tishkoff, um dos integrantes da quadrilha de Danny Ocean, papel de George Clooney, que é a ligação entre as produções. Danny é o irmão "tecnicamente morto" de Debbie Ocean (Sandra Bullock), citado no filme e mostrado apenas em uma foto - uma pena, é sempre um prazer ver aquele "sonho de consumo" num filme.


Cinco anos, oito meses, 12 dias se passaram até que Debbie Ocean fosse solta da penitenciária, depois de cumprir pena por aplicar golpes. E todo esse tempo só serviu para que ela planejasse o maior e mais ousado roubo de sua vida. Para isso terá de formar um time com as melhores especialistas em cada área e contar com sua antiga parceira de golpes Lou, na escolha.

O alvo é um colar de diamantes que vale cerca de 150 milhões de dólares e que estará pendurada no pescoço da famosa atriz internacional Daphne Kluger (Anne Hathaway), durante o evento do ano, o Baile de Gala do Museu Metropolitan, de Nova York. O plano precisa correr perfeitamente para que a equipe consiga entrar no evento e sair de lá com as joias à vista de todos.

"Oito Mulheres e Um Segredo" é um filme divertido, que prende pela trama leve e muito parecida com as produções de 2001, 2004 e 2007, porém atualizada. Na execução do roubo perfeito, a quadrilha emprega tecnologia avançada, sem deixar de lado o velhos truques como uma carta na manga. Na prática, uma verdadeira aula de vigarice com glamour e sofisticação.



Ficha técnica:
Direção e roteiro: Gary Ross
Produção: Warner Bros Pictures / Village Roadshow Pictures
Distribuição: Warner Bros Pictures
Duração: 1h50
Gêneros: Comédia / Policial
País: EUA
Classificação: 14 anos
Nota: 4 (0 a 5)

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