Guerreira reúne um grupo de combatentes bem diversificado para combater um tirano que invade e passa a dominar seu planeta (Fotos: Netflix)
Jean Piter Miranda
“Rebel Moon - Parte 1: A Menina do Fogo” atingiu o status de filme mais visto na Netflix em todo o mundo nos últimos dias. Mas engana-se quem pensa que se trata uma grande obra. Não é. Prova disso é que, até o momento, o novo longa do diretor Zack Snyder só tem 24% de aprovação da crítica e 61% da audiência no Rotten Tomatoes.
O filme tem como protagonista a camponesa Kora (Sofia Boutella, de "A Múmia" - 2017). Ela vive em um planeta pacífico de agricultores. Só que a paz desse lugar fica ameaçada quando tropas do exército do governo tirânico de Balisarius chegam em busca de suprimentos. Os militares ocupam a região, exigem que toda a plantação seja entregue a eles e começam a oprimir os moradores.
Para salvar seu povo, Kora, que na verdade não é uma simples camponesa, se revolta e elimina as tropas que ocupam o planeta. Por conta disso, a guerreira revelada tem que fugir. Mas ela vai além. Com o plano de eliminar o império Balisarius da galáxia, ela sai em busca de novos combatentes que possam se juntar à sua causa.
Nessa primeira parte, o filme apresenta o almirante Atticus Noble (Ed Skrein, de "Midway - Batalha em Alto-Mar" - 2019), o antagonista da vez. O vilão e sua tropa usam fardas militares com detalhes vermelhos em um clara alusão ao nazismo. Um clichê recorrente em filmes de heróis estadunidenses.
As tropas são malvadas gratuitamente. Mais um clichê do maniqueísmo, dividindo os grupos entre o bem e o mal, mocinhos e vilões. Uma forma muito rasa e simplista de se construir personagens. O almirante Atticus Noble, por sinal, parece uma cópia barata do magnífico Hans Lanna, de “Bastardos Inglórios” (2009).
Nas primeiras cenas de lutas, vemos mais um show de clichês. Snyder abusa do uso de câmera lenta. O que talvez tenha o objetivo de dar mais emoção, de criar um momento memorável, só deixa o filme mais chato e arrastado.
Os combates são difíceis de engolir. Soldados treinados que não acertam um único tiro nem se preocupam em se defender, atacando de qualquer jeito. Socos que não deixam marcas nem tiram sangue e tiros de laser que imitam "Star Wars". Depois de cenas de ação em filmes como “John Wick” (2014), “Ong Back” (2003), "Oldboy" (2003), “Anônimo” (2021), entre tantos outros, não dá pra aceitar lutas lentas. Ainda mais quando se trata de guerreiros, de combatentes de elite. Muito menos pancadas que não tirem sangue.
Seguindo a trama, Kora passa 80% do filme recrutando guerreiros para seu grupo. O primeiro que a acompanha é Gunnar (Michiel Huisman), da colônia de agricultores. Um cara sem experiência de batalha, sem nada de especial. Não dá para entender o porquê de ele estar no grupo. Depois, ela acha Kai (Charlie Hunnam, de "Rei Arthur - A Lenda da Espada" - 2019), um piloto mercenário. Tem o clichê da briga de bar e um milhão de frases feitas motivacionais ao longo do caminho.
O time então vai se formando com o General Titus (Djimon Hounsou, de "Shazam! - Fúria dos Deuses" - 2023), um gladiador que já serviu Balisarius e está arrependido de seu passado; Tarak (Staz Nair), um guerreiro nativo que busca redenção, sabe-se lá de que; Nemesis (Doona Bae), um ciborgue espadachim; Darrian Bloodaxe (Ray Fisher) e Milius (E. Duffy), guerrilheiros de um exército rebelde de resistência ao império.
Apesar das duas horas e quinze minutos de duração, o filme não desenvolve nenhum dos personagens. É tudo muito superficial. O passado de Kora é apresentado aos poucos, mas não convence nem cativa. Sobre os demais, não dá pra saber suas motivações ou objetivos. Todos embarcam em um missão praticamente suicida depois de um jogo de frases feitas motivacionais.
Um gladiador negro, uma guerreira oriental que usa katanas, um guerreiro com aparência indígena, um piloto loiro bonitão, um soldado e uma soldada, um camponês e uma líder ex-militar super treinada. Personagens os quais, no máximo, dá para guardar descrições físicas. Uma seleção diversa, o que é bem positivo. Mas não passa disso.
Sem tempo de tela para desenvolver características de personalidade, habilidades, poderes, motivações, todos os personagens se tornam completamente esquecíveis. Não dá pra ter simpatia ou identificação com nenhum deles. Nem com a protagonista.
Para não dizer que é tudo ruim, os efeitos especiais merecem elogios. A maquiagem e a caracterização de seres interplanetários é muito bem feita. Seres que, por sinal, são tantos que não dá para decorar nomes, raças, espécies, saber a importância de cada um para a trama ou o que representam para esse universo. É tanto personagem em tão pouco tempo de tela que dá a impressão de estar vendo uma montagem com recortes de vários filmes.
O robô Jimmy (voz de Anthony Hopkins) também é muito bem feito. É aliado momentâneo que não embarca na jornada e que deixa um ar de que, talvez, seja um personagem importante para a "Parte 2", prevista para estrear em abril deste ano.
O ator e cantor irlandês Fra Fee interpreta o grande vilão Balisarius, o ditador intergaláctico. Ele praticamente só aparece em cenas do passado, deixando expectativa para que tenha uma participação maior e mais ativa na continuação.
Zack Snyder tem um currículo cheio de grandes produções. Sucessos como “300” (2006), “Watchmen – O Filme” (2009) e “A Lenda dos Guardiões” (2010). Mas também tem obras que não emplacaram como “Army of the Death – Invasão de Las Vegas” (2021), “Batman VS Superman – A Origem da Justiça” (2016) e “Liga da Justiça” (2017), que inclusive ganhou uma versão estendida em 2021 - "Snyder Cut". Em comum, são sempre obras com orçamentos volumosos.
O fato é que, com ou sem Snyder, as produções da DC não decolaram. E os motivos são muitos. Mas não dá pra reclamar de recursos. Os elencos são bons, assim como os roteiristas, equipes técnicas e demais profissionais. Dinheiro nunca faltou. De forma geral, não agradou a crítica nem o público. Mas rendeu uma boa grana. No fim, o diretor sempre tem saído com prestígio.
É inegável que Snyder tem um fã clube enorme. Há quem goste muito de seu trabalho, mesmo com os altos e baixos. O próprio diretor tem uma super autoestima e acredita que está criando uma linguagem cinematográfica própria. Uma falta enorme de senso de realidade. “Rebel Moon - Parte 1” mostra isso. Um caminhão de clichês e escolhas erradas com um orçamento de US$ 90 milhões. Um grande elenco e um história que copia um monte de histórias já vistas.
No fim, o longa promete ser o novo “Star Wars”, a nova série cinematográfica que vai marcar época e geração. Mas que entrega uma obra chata, sem graça e muito cansativa, como um filme repetido de baixo orçamento de “Sessão da Tarde”.
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Zack Snyder Produção: Netflix Exibição: Netflix Duração: 2h13 Classificação: 14 anos País: EUA Gêneros: aventura, ficção, ação Nota: 2,5 (0 a 5)
George MacKay entrega uma boa interpretação do fora da lei
mais famoso da Austrália no século XIX (Fotos: A2 Filmes/Divulgação0
Maristela Bretas
Tenso, instigante e com locações que completam todo o clima
que o enredo de "A Verdadeira História de Ned Kelly" ("True
History Of Kelly Gang") exigia. Inspirado no romance best-seller de Peter
Carey, “A História do Bando de Kelly”, o filme é narrado pelo próprio Ned Kelly
(muito bem interpretado por George MacKay, de "1917") que, por meio de cartas endereçadas
ao filho, resolve contar a sua versão do mito criado em torno de seu nome que o
colocou como o mais famoso fora da lei ("bushranger") da história da
Austrália.
Descendente de irlandeses, filho de um pai expulso do país e
levado pelos ingleses para a colônia britânica de Victoria, o jovem Ned, de 12
anos (papel de Orlando Schwerdt), viveu a infância e adolescência tendo que
assumir o lugar de "homem da casa" após o pai ser preso. Dominado
pela mãe Ellie Kelly (Essie Davis), numa relação que beira o incesto, ele é
obrigado a conviver com a constante troca de parceiros dela por dinheiro.
Do sargento O'Neill (Charlie Hunnam) ao ladrão de cavalos e
procurado pela polícia Harry Power (Russell Crowe), para quem ele é vendido
pela mãe para que amadureça como homem, Ned vai passando da infância para a
adolescência vivendo uma realidade distorcida e cada vez mais violenta. Poucas
coisas fizeram com que ele se sentisse humano. Uma delas é o filho
recém-nascido, para quem ele escreve cartas, contando como foi sua trajetória,
nem sempre violenta e de crimes, de forma que ele saiba quem foi
realmente.
Diferente dos demais bandidos da década de 1870 (quando se
passa a história), o bando de rebeldes recrutados por Ned Kelly ficou conhecido
por usar vestidos em seus crimes. Mas o chefe do grupo foi além e criou uma
armadura de ferro para o peito e a cabeça com apenas espaço para os olhos,
capaz de defendê-los das balas da polícia. E foi assim que escreveu sua
história, como lhe ensinou Harry Power: "Sempre se certifique de que você
é o autor de sua própria história, porque os ingleses sempre pegam e estragam
tudo".
Com narração mais lenta em várias partes, o diretor Justin
Kurzel apresenta um Ned Kelly que gera dúvida no público - afinal ele foi um
cruel fora da lei ou uma vítima do preconceito contra os irlandeses levados
para a Austrália que acabou se tornando o bandido da lenda? Difícil dizer quem
é do bem e quem é do mal. Polícia e bandidos se comportavam de maneira
semelhante. Uma cena que choca é a do policial Fitzpatrick (papel de Nicholas
Hoult) ameaçando um bebê com um revólver.
Além do elenco que entrega boas interpretações, "A
Verdadeira História de Ned Kelly" ainda conta com ótimas locações que
ajudam a criar um clima sombrio, especialmente na floresta de Meulborne Gaol e
a neve do inverno australiano em Marysville, além da State Library,
Wangarratta, Dandengong Ranges, Glenrowan e uma bela e antiga fazenda chamada Mintaro.
Também a trilha sonora cumpre seu papel e ajuda a compor essa nova versão da
história de Ned Kelly.
A volta dos cinemas
Em cartaz de algumas cidades brasileiras que retomaram suas
exibições, "A Verdadeira História de Ned Kelly" poderá ser conferido
a partir do dia 31 de outubro em Belo Horizonte, quando as salas de cinema
serão reabertas. Segundo o Sindicato das Empresas Exibidoras de Minas Gerais
(Seecine-MG), todas as medidas de segurança sanitária serão tomadas e o
funcionamento será de 50% da capacidade.
Ficha técnica Direção: Justin Kurzel Roteiro: Shaun Grant Distribuição: A2 Filmes Duração: 2h05 Países: Austrália / França / Reino Unido Gêneros: Drama / Ação Classificação: 16 anos Nota: 3,5 (0 a 5)
Charlie Hunnam e Rami Malek interpretam os papéis que na primeira versão foram de Steve McQueen e Dustin Hoffman (Fotos: José Haro/Constantin Film)
Mirtes Helena Scalioni
Remakes costumam ser perigosos por vários motivos. Um deles: todo mundo já sabe o final da história. Outro: as comparações são inevitáveis, principalmente quando a primeira versão fez muito sucesso. Esse é o caso de "Papillon", filme inesquecível dirigido em 1973 por Franklin J. Schaffner e estrelado por ninguém menos que Steve McQueen e Dustin Hoffman nos principais papéis e que agora chega às telas pelas mãos de Michael Noer.
Se agora, em pleno ano 2018, o diretor dinamarquês decide contar de novo a história de Henri Charrière, o Papillon, um homem que passa praticamente a vida inteira tentando fugir da prisão, é sinal de que o assunto continua interessando. Na verdade, o personagem, baseado na autobiografia de Charrière, é mesmo fantástico. Sua ânsia de liberdade, sua resistência física e inteligência para criar planos mirabolantes de fuga continuam atraindo o público, que já mostrou esse interesse em produções similares como "Um Sonho de Liberdade" e "À Espera de um Milagre", ambos de Frank Darabon - para ficar só nos mais famosos.
Pequeno resumo para quem não conhece a história, baseada em fatos reais: Henri Charrière é um bandidinho chinfrim que vive na Paris dos anos de 1930. Aventureiro e exímio arrombador de cofres, vive nas altas rodas entre malandros, ladrões e prostitutas, sem qualquer preocupação com o futuro, até ser preso acusado de um assassinato que não cometeu. Traído por ex-comparsas que montaram para ele uma armadilha, Papillon - que é chamado assim por ter uma borboleta (em francês, papillon) tatuada no peito - é condenado à prisão perpétua e levado para um presídio na Guiana Francesa, de onde ninguém jamais conseguiu fugir.
Steve McQueen e Dustin Hoffman (Divulgação)
Como todo personagem de presídio que se preza precisa de um parceiro, Charrière vira amigo e protetor de um falsário, Louis Dega, vivido na primeira versão pelo grande Dustin Hoffman e, agora, pelo também talentoso Rami Malek. E já que as comparações são inevitáveis, Charlie Hunnam se sai bem como protagonista da versão atual, embora fique a alguns quilômetros de distância do carismático Steve McQueen.
Inesquecível também a trilha sonora da versão de 1973, em especial a música-tema de "Papillon" sob a batura de Jerry Goldsmith, indicada ao Oscar como Melhor Música em 1974. Na nova versão, a trilha é toda composta por músicas francesas orquestradas, algumas com a participação de corais, sob a direção de David Buckley. Bonita, mas não causa o mesmo impacto da anterior.
O resto, todo mundo já sabe: muita violência, muito sofrimento, torturas e truculência entremeadas de lições de lealdade e companheirismo. No fundo, "Papillon", como quase todos os filmes e histórias que tratam da privação da liberdade, falam mesmo é de como o homem pode ser forte e persistente em seu sonho de ser livre, a ponto de levar uma vida inteira correndo atrás dele. Classificação: 16 anos Duração: 1h57 Distribuição: Imagem Filmes