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19 março 2023

Lento, mas indispensável, “Entre Mulheres” é um filme que dá voz à alma e à luta feminista

Com elenco estelar, o filme é praticamente todo passado numa espécie de paiol (Fotos: Orion Releasing)



Mirtes Helena Scalioni


Embora seja baseado no livro homônimo de Miriam Toews, que por sua vez se inspirou em fatos ocorridos na Colônia de Manitoba, na Bolívia, “Entre Mulheres” (“Women Talking”) parece funcionar mesmo como uma espécie de conto épico.

Estão ali, naquele microcosmo feminino, longas e nem sempre profícuas conversas recheadas de conflitos, cantorias, choros, rezas, desespero, risos, solidariedade, abraços, brigas e até mesmo um rasgo de histeria.


Com elenco estelar, o filme é praticamente todo passado numa espécie de paiol, onde meninas, jovens, adultas e velhas conversam e tentam mudar o destino de suas vidas.

Numa isolada colônia da religião Menonita, um grupo de mulheres descobre que os homens da comunidade estão usando drogas e remédios de animais para dopá-las e estuprá-las durante a noite.


Os abusos, muitas vezes, resultam em gravidez. A explicação dos agressores é sempre a mesma: obra de Satanás ou da já conhecida loucura feminina.

Como se trata de uma religião – sempre ela –, uma das primeiras opções apresentadas diante das agressões é permanecer na comunidade e perdoar – como mandam as escrituras. Os outros dois caminhos são: ficar e lutar ou então fugir.


Diante das três ideias, e como, a princípio, o consenso não foi possível, o grupo decide fazer uma espécie de plebiscito. E é aí que acontecem as longas conversas permeadas das mais variadas emoções.

Há quem ache o filme monótono e cansativo. Afinal, trata-se de um período de 1 hora e 45 minutos de argumentos, discursos, ideias. Quase duas horas de palavras. Nada mais feminino.


Talvez a grande sacada da diretora Sarah Polley, autora também do roteiro, tenha sido a opção por dar voz – literalmente – às mulheres. Nada de cenas de estupros, agressões, violência.

No elenco, há apenas um homem: Ben Whishaw, que interpreta August, jovem professor que está na colônia para alfabetizar os meninos – e apenas os meninos, já que não é dado a elas o direito ao conhecimento. August participa das reuniões como uma espécie de secretário, anotando votos, escrevendo a ata.


É tão expressivo e acertado o elenco, que torna-se impossível destacar alguém. Convém citar Claire Foy, como Salome; Rooney Mara, como Ona; Frances McDormand, como Scarface Janz; Michele McLeod, como Mejal; Judith Ivey, como Agata; Sheila McCarthy, como Greta,e Kate Hallett, como Autje.

A fotografia, linda e acinzentada, imprime mais austeridade ao longa.


Antes que se pense que tudo isso se passa em tempos longínquos, é preciso dizer que o espectador descobre, a certa altura do filme, que o ano é 2010. 

É como se a diretora quisesse nos mostrar que qualquer semelhança com tempos atuais, mesmo que guardadas as devidas proporções, mesmo que estabelecidos os devidos símbolos, não é mera coincidência.

A luta feminista – a mais longa de todas – ainda tem muita briga pela frente. Muita discussão, cantoria, fé, esperança, desespero, solidariedade, abraços. Haja conversa.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sarah Polley
Produção: MGM / Orion Pictures / Plan B
Distribuição: Universal Pictures Brasil
Exibição: Cine Belas Artes (sessões legendadas às 14 e 18 horas); Cineart Ponteio (sessão às 17h30) e Cinemark Diamond Mall (sessão 21h30)
Duração: 1h45
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gênero: drama

08 novembro 2018

Muita ação e talento de Claire Foy salvam "A Garota na Teia de Aranha"

Lisbeth Salander, a garota com a tatuagem de dragão, agora terá de impedir que o controle bélico do mundo vá parar em mãos erradas (Fotos: Sony Pictures/Divulgação)

Maristela Bretas


Depois de se destacar como Janet Shearon, a esposa do astronauta Neil Armstrong em "O Primeiro Homem", em exibição nos cinemas, a atriz premiada com o Globo de Ouro pela série "The Crown", Claire Foy mostra sua versatilidade e competência interpretando a justiceira Lisbeth Salander em "Millennium: A Garota na Teia de Aranha" ("The Girl in the Spider’s Web: A New Dragon Tattoo Story"). Ela é a anti-heroína que vinga as mulheres agredidas por homens, trabalhando na calada da noite, mas que guarda um passado violento e dramático. 

Claire Foy está ótima no papel, com cabelos bem curtos, quase uma andrógina, com uma enorme tatuagem de um dragão nas costas e olhar frio Seu personagem apanha e bate muito, mas consegue conquistar o público à medida que o drama se desenrola e vai mostrando que Lisbeth não é de todo uma pessoa sem sentimentos.

Além da britânica Claire Foy, "Millennium: A Garota na Teia de Aranha" tem um elenco multinacional, com atores suecos, holandeses, dinamarqueses, norte-americanos, noruegueses e até uma luxemburguesa. Novamente para locação foram escolhidas a cidade de Estocolmo e as isoladas montanhas geladas da Suécia, seguindo a obra de Stieg Larsson, autor do primeiro livro da trilogia adaptado para o cinema. "Millennium: A Garota na Teia de Aranha" é o quarto, já de autoria do jornalista sueco David Lagercrantz, que deu continuidade ao trabalho do escritor após a morte dele.

Este é o segundo livro da saga  a ganhar as telas, iniciada com o ótimo "Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres" (2011), que apresentou a então investigadora particular/hacker Lisbeth Salander. Mulher de aparência e comportamento agressivos, a personagem foi interpretada por Rooney Mara. Daniel Craig foi seu par como Mikael Blomkvist, o jornalista investigativo da revista Millennium. Infelizmente, na continuação o papel ficou para o desconhecido e inexpressivo ator sueco Sverrir Gudnason.

Se no primeiro filme, elenco (que também contou com Chirstopher Plummer) e história foram bem conduzidos e garantiram ótimas avaliações dos críticos, o mesmo não se repete nesta continuação. O enredo apresenta falhas e mostra pouca criatividade em algumas situações. Até mesmo os vilões, apesar de não economizarem balas, bombas e ótimas derrapagens, são fracos e já no início é possível identificar quem será o calo no sapato de Lisbeth Salander.


Mesmo com esses pontos negativos, "Millennium: A Garota na Teia de Aranha" oferece um bom suspense e, principalmente muita ação, com cenas de perseguição de Salander em sua moto Ducatti de tirar o fôlego. E coloca Claire Foy como a estrela e heroína que segura o filme do início ao fim.

Na história, Lisbeth Salander, conhecida como a garota com a tatuagem de dragão nas costas que defendia as mulheres contra agressores, vive nas sombras, pegando serviços "delicados" que ninguém aceita. Até ser contratada por Frans Balder (Stephen Merchant) para recuperar um programa de computador criado por ele para o governo dos Estados Unidos. O Firefall, como é chamado, dá ao usuário acesso a um imenso arsenal bélico e Balder quer apagar o programa por considerá-lo perigoso demais.

Lisbeth aceita a tarefa e consegue roubá-lo da Agência de Segurança Nacional, mas terá de enfrentar outro grupo, os Aranhas, que está atrás da arma. Para descobrir quem são seus novos inimigos, Salander vai novamente contar com a ajuda do amigo jornalista Mikael Blomkvist.

Vale conferir Claire Foy em seu novo personagem, com cabelos curtos, ótima pontaria, boa direção e foda em alta tecnologia, muito parecida com Jessica Jones, a anti-heroína Marvel, da série de TV da Netflix, que também usa camiseta, jaqueta e calça justa e é cheia de conflitos familiares, no estilo "bad girl".



Ficha técnica:
Direção e roteiro: Fede Alvarez
Produção: Columbia Pictures / MGM Studios
Distribuição: Sony Pictures
Duração: 1h56
Gêneros: Suspense / Drama
País: EUA
Classificação: 14 anos
Nota: 3 (0 a 5)

Tags: #MillenniumAGarotaNaTeiadeAranha, #ClaireFoy, #suspense, #drama, #espaçoz, #SonyPictures, #MGMStudios, #cinemas.cineart, #CinemaNoEscurinho

30 outubro 2018

"O Primeiro Homem": para (tentar) desvendar a alma de Neil Armstrong

A escolha de Ryan Gosling para o papel principal é um dos pontos altos do filme dirigido por Damien Chazelle (Fotos: Universal Pictures/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


É claro que há cenas lindas da imensidão do espaço, o vazio e o infinito - tudo embalado por uma valsa empolgante capaz de provocar arrepios e fazer o espectador pensar no mistério da vida. Mas elas não são, nem de longe, o mote de "O Primeiro Homem" ("First Man"), filme de Damien Chazelle sobre a vida de Neil Armstrong, o astronauta norte-americano que, em 1969, pisou pela primeira vez na Lua depois de viajar na Apollo 11. 

Desta vez, a corrida espacial é apenas uma desculpa para falar de um jovem tímido, arredio e obstinado, pronto a pagar qualquer preço para cumprir o que parecia uma missão.

Mas, como falar da quase obsessão de um homem real, um pai de família como qualquer outro, se ele é calado, introspectivo e raramente deixa transparecer suas emoções? Eis aí o grande mérito do diretor, que acertou, pelo menos, três vezes: primeiro, ao escolher o talentoso Ryan Gosling, com quem trabalhou anteriormente em "La La Land" (2017), para o papel principal.

Segundo, por privilegiar closes do rosto e dos olhos do ator, permitindo que o espectador pelo menos tente desvendar o que vai na cabeça e na alma do astronauta. E terceiro, ao chamar Claire Foy (atriz premiada na série "The Crown") para o papel de Janet Shearon, mulher de Neil. É ela que humaniza a história e, de certa forma, faz o elo entre o espectador e Armstrong, dando alguns sinais do íntimo do marido, do que ele pensa e sente.

Atores e diretores falam sobre os obstáculos da produção


Damien Chazelle, que dividiu a função de produtor com Steven Spielberg, foi o diretor de "La La Land" e "Whiplash (2015)" - ambos também sobre personagens obstinados -, impõe ao público, em "O Primeiro Homem", torturantes sacolejos, posições e lugares claustrofóbicos como a solicitar sua participação e comprometimento. É como se dissesse: "Sintam como foi difícil ser astronauta e pioneiro em 1969".

Mesmo assistindo ao filme em projeções normais em 2D, há quem tenha saído do cinema com um pouco de enjoo no estômago, tamanha a turbulência das aeronaves - uma forma de mostrar como eram rudimentares as máquinas. E como corriam riscos os homens que se aventuravam naquele empreendimento incentivado a qualquer custo pelo governo norte-americano, preocupado unicamente em sair na frente da então União Soviética na corrida espacial. Possíveis mortes eram simples acidentes de trabalho.

Baseado no livro homônimo de James Hansen, "O Primeiro Homem" é diferente de outros filmes sobre o espaço, focados mais na aventura e nas conquistas. Principalmente porque deixa no espectador um certo incômodo que vai além das turbulências e das cenas barulhentas como se as naves fossem se desmanchar.

Seja em 2D ou nos modernos 3 e 4D, o que fica, no final, é a pergunta, a urgência de saber em nome de que - ou de quem - uma pessoa pode se embrenhar tanto num projeto tão cheio de sacrifícios, incertezas e perigos. No caso de Armstrong, é um mistério. Há quem acredite que ele queria conhecer a morte depois que perdeu sua filhinha de três anos.
Duração: 2h22
Classificação: 12 anos
Distribuição: Universal Pictures


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