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29 junho 2020

"Wasp Network - Rede de Espiões": a arte de fazer um bom filme a partir de um livro

O elenco conta com nomes como Wagner Moura, Gael Garcia Bernal, Penélope Cruz, Edgar Ramirez, Ana de Armas e Leonardo Sbaraglia (Fotos: Memento Films Distribution)

Mirtes Helena Scalioni


Quando contam uma mesma história, o livro é sempre melhor do que o filme. A tese continua válida para "Wasp Network - Rede de Espiões", em cartaz na Netflix. Só que, desta vez, o longa dirigido pelo francês Olivier Assayas consegue, se não surpreender, no mínimo encantar até mesmo os que já leram o excelente "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", do mineiro Fernando Morais, no qual a produção foi baseada. 

Ambas as obras instigam leitores e espectadores, talvez por se tratar de uma história que poucos sabiam: na década de 1990, jovens cubanos foram infiltrados em organizações de ultradireita instaladas em Miami, que tinham como objetivo minar a economia cubana e matar Fidel Castro. O grupo foi chamado, na época, de Rede Vespa.


Só para lembrar, com o fim da União Soviética, Cuba ficou sem apoio financeiro e entrou em crise. A única saída viável a médio prazo para o país de Fidel Castro era o turismo. Exatamente para impedir que essa ideia prosperasse, e na tentativa de desestabilizar o governo, grupos anticastristas estabelecidos na Flórida orquestraram inúmeros ataques terroristas à ilha, que iam desde explodir bombas em hotéis e pontos turísticos até sobrevoar cidades jogando panfletos contra o presidente cubano, ou matando plantações com venenos jogados por aviões. Ou seja: virou guerra. O que poucos sabem é que, a partir das informações obtidas por esses espiões cubanos infiltrados em Miami, muitos ataques - e consequentemente mortes - foram evitados.


Para contar essa história verdadeira, minuciosamente pesquisada e descrita por Fernando Morais em seu livro, foi montada uma equipe poderosa de produção, que uniu brasileiros, franceses, espanhóis e belgas. O elenco também é tão diverso quanto estelar. Só para ficar nos principais, "Wasp Network..." conta com o brasileiro Wagner Moura (Juan Pablo Roque), o mexicano Gael Garcia Bernal (Manuel Viramontez/Gerardo Hernandez), a espanhola Penélope Cruz (Olga Salanueva), o venezuelano Edgar Ramirez (René Gonzalez), a cubana Ana de Armas (Ana Margarita Martinez) e o argentino Leonardo Sbaraglia (Basuto), todos absolutamente brilhantes em seus papéis. 


Em certo momento, para clarear possíveis confusões de tramas e personagens, a direção faz opção por uma voz em off que, além de esclarecer, contextualiza o funcionamento da Rede Vespa.  

É difícil falar sobre o filme sem cometer spoiller. Melhor, portanto, é contar, genericamente, que embora se trate de um longa de espionagem, não há carrões, mulheres lindas de biquini, mansões ou armas poderosas. Há sim, algumas cenas de ação, como um ataque aéreo no espaço cubano, mas o que o diretor conseguiu mesmo foi fazer um thriller político com alguns toques de humanidade ao abordar questões familiares e afetivas por trás das missões.


Atenção para a cena em que Olga, a personagem de Penélope Cruz, é obrigada a deixar sua filhinha de cerca de um ano aos cuidados de uma tia. A atuação do bebê merece Oscar. Como tanto americanos quanto cubanos têm considerado que "Wasp Network - Rede de Espiões" tendeu para o lado oposto, é sinal de que as escolhas de Olivier Assayas foram acertadas. Um filme imperdível.  


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Olivier Assayas
Exibição: Netflix
Duração: 2h08
Classificação: 14 anos
Gêneros: Ação / Suspense / Drama

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20 abril 2019

Comovente, "O Tradutor" revela o poder transformador da compaixão

Rodrigo Santoro interpreta Malin, um professor universitário cubano que vai trabalhar em um hospital para crianças vindas de Chernobyl (Fotos: Gabriel G. Bianchini)

Mirtes Helena Scalioni


Tudo pode mudar a qualquer momento. A rotina, a vida, as certezas, tudo pode se transformar de uma hora para a outra quando alguém se envolve em um acontecimento marcante e é tocado de alguma forma por ele. Essa parece ser a verdade escancarada no filme "O Tradutor", que conta a história de Malin, um sisudo professor universitário cubano de Literatura Russa que vê sua vida tranquila e equilibrada virar de cabeça para baixo quando é convocado pelo governo a trabalhar na ala infantil de um hospital em Havana. Lá, estão em tratamento dezenas de crianças vítimas do desastre nuclear de Chernobyl, algumas com leucemia. 


Antes, é preciso salientar que o filme é dirigido pelos irmãos Rodrigo e Sebastián Barriuso, filhos do professor Malin original, o verdadeiro tradutor. Eles são, portanto, praticamente testemunhas do fato, se não presenciais, no mínimo como portadores das histórias que cresceram escutando, ou mesmo como vítimas da transformação do próprio pai. Isso confere legitimidade a "O Tradutor", que emociona sem pieguices e exageros. O excelente desempenho de Rodrigo Santoro no papel principal também ajuda. Falando russo e espanhol com certa fluidez e naturalidade, exibindo uma expressão corporal primeiro altiva, depois deprimida, decadente, o ator brasileiro convence e merece aplausos. 


Além de Santoro, cuja transformação o público acompanha a olhos vistos, fazem parte do elenco Yoandra Suárez como Isona, a mulher do professor; Estelinda Nuñes como a Dra. Rivas; Genadijs Dolganous como Vladimir, o pai de uma das crianças; e, destacando-se, Maricel Álvarez como a enfermeira Gladys, que faz um jogo bonito de se ver com o brasileiro. As cenas em que os dois atuam, num bate-bola convincente entre dois atores experientes, são eficientes, além de comover. Merecem atenção também as atuações das crianças, verdadeiras e envolventes.


Detalhe que chama atenção no longa: como é passado em 1989, Havana é apresentada ao público em dois períodos diferentes. Antes da queda do muro de Berlim, é notório o progresso e a fartura de Cuba. Supermercados sortidos e casas confortáveis se chocam, após a queda, com a escassez de combustíveis, as dificuldades, a falta de tudo. O mesmo acontece com o professor Malin, que primeiro detesta a missão que lhe é imposta, mas vai aos poucos sendo tomado pela empatia ao presenciar o sofrimento das crianças e suas famílias. Enfim, "O Tradutor" é um filme melancólico, pois fala de transformação pela dor. Mas mesmo assim - talvez por isso - imperdível.  Sessões no Belas 1, às 14h e 18h40.
Duração: 1h47
Classificação: 12 anos
Distribuição: Galeria Distribuidora


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