Estranho, forte, real, contundente e mágico, filme dirigido por Helvécio Ratton é baseado no conto homônimo de Murilo Rubião (Fotos: Bianca Aun e Lauro Escorel) |
Mirtes Helena Scalioni
Que ninguém se engane. O filme “O Lodo”, baseado no conto
homônimo de Murilo Rubião, que estreia nesta quinta-feira (13) em todo o
Brasil, não tem nada de leve e divertido como pode parecer no início, quando
muita gente ri da insistência meio pegajosa do psiquiatra Dr. Pink.
Ele quer, a todo custo, continuar cuidando do seu novo
cliente Manfredo, já que ele, embora deprimido, desiste do tratamento na
primeira sessão.
A cena dos dois discutindo naquele consultório – um no divã e
o outro de costas, no sofá – leva o público a inevitáveis risadas. Puro engano.
O grande mérito do filme dirigido pelo mineiro Helvécio
Ratton talvez seja este: enlevar, quase enfeitiçar o público até transportá-lo,
com destreza e maestria, para um outro lugar.
Devagar, o riso vai virando um sorriso amarelo e, bem aos
poucos, uma espécie de desconforto vai sendo construído na cabeça e no corpo do
espectador, que acaba atolado num lamaçal – lodo? - que mais parece uma areia
movediça.
Roteiro, direção, iluminação, fotografia, edição, tudo
parece ter sido minuciosamente pensado para quebrar as estruturas do público.
Dita assim, rasteiramente, a história poderia ser simplesmente resumida como: Manfredo, funcionário burocrático de uma empresa de seguros, anda se sentindo desanimado e procura um especialista com o objetivo de obter um remedinho e voltar à normalidade.
Só que, desde a primeira consulta, o Dr. Pink insiste, de
maneira incisiva e autoritária, que seu cliente precisa de novas sessões para
falar do passado e, só assim, se livrar do lodo interno que o corrói e adoece.
Quem conhece o escritor sabe que “O Lodo” é essencialmente Murilo Rubião, com seus absurdos concretamente reais, seus delírios solidamente palpáveis.
Sem nenhum estranhamento, o público do filme de Ratton assimila
– e aceita – a mágica fantasia dos personagens e acontecimentos. De bom grado e
com naturalidade, como se tudo aquilo fizesse parte da vida.
As atuações de “O Lodo” são um capítulo à parte, assim como
o cenário, a região mais central de Belo Horizonte, com locais facilmente
reconhecíveis por quem conhece a cidade.
Assim como a maioria do elenco, Eduardo Moreira, que
interpreta magistralmente o protagonista, faz parte do Grupo Galpão.
Ele
entrega um Manfredo trabalhador, burocrático, solteiro convicto, paquerador e
mulherengo, sem nenhuma disposição para remexer o passado, talvez por medo das
próprias lembranças.
Renato Parara, outro ator experiente, faz com brilho o
esquisitíssimo psiquiatra que passa a perseguir seu cliente tanto em pesadelos
como na vida real.
Estão ainda no elenco, todos com atuações perfeitas e na
medida, Teuda Bara como D. Sirlene, a dedicada empregada de Manfredo; Maria
Clara Strambi e Inês Peixoto como Epsila, a irmã adolescente e depois adulta do
protagonista; Rodolfo Vaz como Xavier, o colega de trabalho de caráter
duvidoso; Thaís Mazzoni como a colega de trabalho gostosinha Ana.
Temos também Fernanda
Vianna como a amante Laura; Samira Ávila como a sedutora secretária do Dr.
Pink; Mário César Camargo (que nos deixou há pouco tempo), como o chefe da seguradora;
e Claudio Márcio como o estranho menino que chega a Beagá com Epsila.
Também é preciso citar a fotografia ora onírica, ora real,
de Lauro Escorel, e a participação de L.G Bayão como roteirista parceiro de
Helvécio Ratton a partir do conto.
Com facilidade, ao final, o público vai sair
com a certeza de que o grupo foi cuidadosamente montado para que a magia do
filme pudesse acontecer. Imperdível!
Ficha técnica:
Direção: Helvécio Ratton Produção: Quimera Filmes
Distribuição: Cineart Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h34
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: drama