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16 junho 2021

Homenagem do diretor às artes cênicas, o filme “Veneza” é pura poesia

Produção conta com grande elenco e atores de renome internacional como a espanhola Carmem Maura, ao centro sentada (Fotos: Mariana Vianna/Imagem Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Há pelo menos duas inspirações claras no filme “Veneza”, de Miguel Falabella, que entra em cartaz nos cinemas de todo o Brasil nesta quinta-feira (17). A alusão a matriarcas sofridas vem nitidamente de Almodóvar, mas há cores, sombreados e cenas que remetem ao cinema italiano com suas divas de seios fartos e decotes generosos. Ou seja: o diretor acertou em cheio ao construir um filme poético que, ao final, não deixa de ser um elogio aos sonhos, à esperança e à arte de representar.


“Veneza” é, antes de tudo, um filme de mulheres. O roteiro foi adaptado por Falabella a partir da peça teatral "Venecia", do argentino Jorge Accame. Criativo e sensível, o ator e diretor usou o melhor da peça e ainda a enriqueceu com histórias paralelas, todas elas envolventes e emocionantes. Junte-se a isso um elenco estelar e eis uma pequena obra-prima que tem tudo para comover plateias país afora.


Gringa é dona de um bordel localizado em algum lugar desse imenso Brasil. Está velha, demente e cega, mas ainda alimenta o desejo de conhecer a cidade de Veneza onde, acredita, vai se encontrar com seu único e grande amor, a quem precisa pedir perdão por um erro do passado.

Acontece que Gringa é vivida por Carmem Maura, atriz espanhola preferida de Almodóvar e isso faz toda a diferença. A artista está inteira no papel e fisga o espectador desde suas primeiras aparições.


Na gerência do bordel está Rita, interpretada pela sempre talentosa Dira Paes, que comanda com afeto, carinho e sororidade as meninas Jerusa (Danielle Winits), Madalena (Carol Castro) e Janete (Maria Eduarda de Carvalho), entre outras, cada uma carregando sua história de abandono e solidão. Lindas em seus figurinos clássicos de profissionais do sexo, elas esbanjam sensualidade.

Como uma espécie de figura masculina que protege as prostitutas, está Tonho, feito por Eduardo Moscovis totalmente desprovido de vaidades e em bela atuação. Numa das histórias paralelas, aparece Júlio, feito pelo jovem ator Caio Manhente, que vive um romance nada convencional com a romântica Madalena.


Completam o elenco de "Veneza" a bela uruguaia Camila Vives, que faz a Gringa jovem, e Magno Bandarz, interpretando seu amado Giácomo, além de participações internacionais da argentina Georgina Barbarossa (Madame) e da colombiana Carolina Virgüez (Dora). A produção conta ainda com a música-tema "Pecado", clássico bolero de Andrés Carlos Bahr, Enrique Francini e Armando Francisco Punturero, interpretada em espanhol pela cantora Ludmilla, a convite de Miguel Falabella.

Para fazer com que Gringa chegue até Veneza, o pessoal do bordel se une à trupe de um circo que está passando pela cidade. O plano é tão bonito quanto mirabolante, tão improvável quanto poético. Surpreendente como sempre, Miguel Falabella brinda os amantes das artes cênicas com uma história inesquecível e comovente.


O longa-metragem foi filmado em Montevidéu, no Uruguai, e em Veneza, na Itália, sendo premiado com os Kikitos de melhor direção de arte (Tulé Peake) e melhor atriz coadjuvante (Carol Castro) no Festival de Gramado. Recebeu quatro troféus no Los Angeles Brazilian Film Festival – melhor direção de fotografia (Gustavo Hadba), melhor ator (Eduardo Moscovis), melhor ator coadjuvante (André Mattos) e melhor atriz coadjuvante (Carol Castro), além de melhor roteiro (Miguel Falabella) no Brazilian Film Festival of Miami.


Ficha técnica:
Direção: Miguel Falabella
Exibição: nos cinemas (sem previsão de exibição nas plataformas de streaming)
Produção: Ananã Produções / Globo Filmes / FM Produções
Distribuição: Imagem Filmes
Duração: 1h31
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: Drama

06 julho 2018

"Berenice procura": suspense nacional que não doura a pílula

Cláudia Abreu é a protagonista deste drama nacional dirigido por Allan Fiterman (Fotos H20 Films/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Talvez nem haja parâmetro para comparações. Mas como são dois filmes que tratam, digamos, do submundo de inferninhos, com seus shows de travestis e amores proibidos, dá para arriscar alguma semelhança entre "Paraíso Perdido", que esteve em cartaz até pouco tempo, e "Berenice procura", que está em exibição nos cinemas de Belo Horizonte. 


Entre as afinidades, pode-se dizer também, que ambas são produções nacionais de qualidade. Mas a diferença que os separa é razoável, principalmente porque, enquanto o primeiro é lúdico, lânguido, romântico, o segundo é cru, realista e duro, embora não seja literalmente violento.

Resumo da história: Berenice é uma taxista moradora de Copacabana e vive mal, muito mal, com o marido Domingos, que é um daqueles repórteres policiais que adoram espetacularizar a violência. Ocupados demais com seus trabalhos e suas vidas, ambos não têm tempo para enxergar como o filho Thiago, que acaba de sair da adolescência, está descobrindo e vivendo a própria sexualidade. 


Berenice é vivida pela tarimbadíssima Cláudia Abreu, que imprime tanta naturalidade ao seu vai-e-vem no próprio apartamento que quase esquecemos que está representando um papel. Domingos é Eduardo Moscovis, igualmente tarimbado, perfeito no papel de um típico homem machista e moralista. E o jovem Thiago é interpretado pelo excelente Caio Manhente, que não fica atrás na competência ao revelar um jovem inseguro, tímido e carente. O elenco traz ainda Emílio Dantas como o malandro Russo, Vera Holtz como a cafetina Greta e Fábio Herford como Jaime, um assíduo cliente do táxi de Berenice.

Mas quem rouba a cena mesmo em "Berenice procura" é a atriz trans Valentina Sampaio, que faz o travesti Isabelle, um dos destaques do inferninho de Copacabana onde os shows e os fatos acontecem. Muitos a têm considerado a grande revelação da arte da interpretação, depois de se destacar como modelo e capa de revistas famosas. Bonita, sensual e com uma voz quente, Isabelle é o personagem chave nesta história baseada no livro homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza, respeitado por seus romances policiais. 

Merecem elogios também os roteiristas Flávia Guimarães e José Carvalho, além é claro, da direção segura de Allan Fiterman. Graças a eles, o espectador vai acompanhando atentamente os caminhos de Berenice, que é apaixonada por páginas policiais e que decide, por conta própria, investigar uma misteriosa morte numa praia de Copacabana. O suspense é mantido até o final.

Enquanto "Paraíso Perdido" é sensual e melódico, "Berenice procura" quase exagera no realismo das cenas de sexo, que nada têm de eróticas e os ângulos escolhidos pelo diretor parecem fortalecer essa ideia. Se, por um lado, essa opção deixa claras as intenções do filme de não querer dourar a pílula, por outro, pode causar certo distanciamento. Afinal, muita gente vai ao cinema em busca também de um refresco para a vida. Ainda assim, vale a pena ver e prestigiar mais essa produção nacional.
Classificação: 14 anos
Duração: 1h28



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