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06 junho 2024

"Grande Sertão" não perde em nada para produções hollywoodianas

Luísa Arraes e Caio Blat interpretam Diadorim e Riobaldo, os protagonistas na adaptação da obra literária de Guimarães Rosa (Foto: Helena Barreto)


Larissa Figueiredo 


Com ares de distopia cyberpunk, o filme "Grande Sertão", de Guel Arraes, estreia nos cinemas nesta quinta-feira (6). Adaptação do romance homônimo de Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas”, a produção é protagonizada por Luísa Arraes, como Diadorim, e Caio Blat, na pele de Riobaldo. 

O tempo da narrativa oscila entre o passado e o presente de Riobaldo. O roteiro e a montagem preservam as divagações do protagonista sobre o certo e o errado, Deus e o diabo, amor e ódio, e todas as dicotomias que moldam o desenrolar da história. 

Foto: Ricardo Brajterman/Divulgação

É nessas cenas que Blat “encarna” o jagunço, ora louco, ora lúcido, e mostra um total domínio do texto dinâmico, melódico e lírico, assim como na obra literária. 

Já Luisa Arraes, em sua primeira vez sendo dirigida pelo pai, não soou natural como Blat ao adentrar o universo da obra. A complexa personagem Diadorim é a força motriz do enredo e demanda uma profundidade que Arraes não correspondeu, entregando uma performance carregada de artificialidade. 

Intencionalmente ou não, a atriz também atribuiu à personagem trejeitos cômicos e exagerados que decepcionam o público que conheceu Diadorim no romance literário de Guimarães Rosa. 

Foto: Paris Filmes/Divulgação

A interpretação de Eduardo Sterblitch é uma das grandes surpresas do longa de Arraes. O ator e humorista encarou o desafio de trazer Hermógenes às telas. O personagem impiedoso e sinistro que tem pacto com o diabo ganhou um carisma assustadoramente único. Em "Grande Sertão", ele mostra sua genialidade e prova ao grande público sua versatilidade. 

A história se passa numa grande comunidade da periferia brasileira chamada “Grande Sertão”. A luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra e traz à tona questões como lealdade, vida e morte, amor e coragem, Deus e o diabo. 

Riobaldo entra para o crime por amor a Diadorim, mas não tem coragem de revelar sua paixão. A identidade de Diadorim é um mistério constante para Riobaldo, que lida com escolhas morais e dilemas éticos, enquanto busca entender seu lugar no mundo e sua própria natureza. 

Foto: Helena Barreto/Divulgação

De forma geral, além do texto lírico, a obra remonta às origens do cinema e traz forte contribuição do teatro. Todos os personagens são hiperbólicos em seus movimentos, falas e expressões. 

O cenário de "Grande Sertão", que na adaptação é uma favela, não perde em nada para produções hollywoodianas, assim como a fotografia e a montagem, altamente coerentes esteticamente com a proposta da adaptação. 

Foto: Helena Barreto/Divulgação

As cenas de ação são extensas na medida certa entre o extraordinário e cansativo, mas bem coreografadas. Elas abordam com profundidade a estrutura das milícias nas comunidades e a retroalimentação do ciclo da violência na “luta” entre bandidos e policiais. 

"Grande Sertão" veio em boa hora. A adaptação é fiel ao livro e renova as discussões elaboradas por Guimarães Rosa em 1956. Por fim, é inegável dizer que o filme pode cativar tanto o público que leu o romance, quanto o que não conhece a obra. 


Ficha técnica:
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes e Jorge Furtado
Produção: Paranoid Filmes, coprodução Globo Filmes
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h48
Classificação: 18 anos
País: Brasil
Gêneros: ação, drama
Nota: 4 (0 a 5)

01 outubro 2022

“Duetto” apresenta trama sensível e ótimas atuações

Longa foi filmado no Brasil e na Itália, com elenco dos dois países (Fotos: Mariana Vianna/Imagem Filmes)


Carolina Cassese
Blog no Zint



Nome por trás de narrativas cinematográficas de variadas abordagens, como o terno "Caminho das Nuvens" (2003), o biográfico "Irmã Dulce" (2014) e "A Divisão" (2019), para citar alguns, o diretor Vicente Amorim retoma os trabalhos com "Duetto", filme que estreou nos cinemas nessa quinta-feira. 

Na verdade, o longa ítalo-brasileiro foi filmado em 2019, portanto, antes da pandemia, em São Paulo e, do outro lado do Atlântico, em cidades da região da Puglia, no sul da Itália, cuja beleza é evidenciada na tela. 


A trama, que se passa em 1965, tem início quando, após um momento de tensão com a mulher, Isabel (Maeve Jinkins), o personagem Marcelo (Rodrigo Lombardi) sofre um acidente de carro no qual perde a vida. 

A notícia da morte, claro, convulsiona a vida de sua filha, a jovem Cora (Luísa Arraes), e a da mãe, Lucia (Marieta Severo), que o tinha como único filho. Não sem antes culpar a nora pela tragédia, Lucia decide viajar de volta à sua terra natal na Puglia, levando consigo Cora.


Neste momento, a ação de fato se desloca para o país europeu, introduzindo atores italianos como Michele Morrone ("365 dias”), Elisabetta de Palo e Giancarlo Giannini. 

Ao chegar à sua cidade e rever a irmã Sofia (Elisabetta) e o cunhado, Gino (Giannini, que já trabalhou com diretores do naipe de Ettore Scola e Ridley Scott), Lucia esconde dos dois a notícia da perda do filho. 


Aos parentes, que comandam um restaurante com a ajuda de Carlo (Gabriel Leone), ela diz estar ali de passagem, apenas para resolver a venda da casa que as duas herdaram dos pais, visto que seu propósito seria seguir viagem para conhecer mais a Europa. 

No entanto, um entrave burocrático obriga Lucia a permanecer mais tempo por ali. Isso faz com que Cora possa, como desejava, desfrutar do festival de música que se desenrola por lá. E é justamente no evento que ela se encanta por um dos concorrentes, o cantor Marcello Bianchini (Morrone).


Enquanto os dois jovens se deixam envolver pela atmosfera do festival, o espectador tenta decifrar o motivo da tensão estabelecida entre Lucia, a irmã e o cunhado - que só é revelada do meio para o final da narrativa. 

A chegada de Isabel ao cenário, em busca da filha, é o acontecimento que faz com que não haja mais margem para mentiras. Frente a frente, Lucia e Sofia fazem um acerto de contas, revivendo mágoas e passando a limpo os acontecimentos que provocaram a ruptura da relação.


Um dos pontos centrais não é necessariamente um tema pouco explorado no cinema, mas nem por isso menos válido: como atitudes que tomamos em determinados momentos da vida são capazes de se propagarem em ondas que, para além de nossas próprias vidas, afetam de forma contundente a de muitas pessoas que estão no nosso entorno, muitas vezes mudando o curso da história delas de maneira definitiva. 


O outro é o ritual de passagem para a vida adulta, enfrentado por Cora. A culpa é definitivamente um sentimento que permeia toda a narrativa, já que muitos personagens parecem mergulhados em arrependimentos. 

Um acerto do filme é mostrar que as relações são de fato complexas e, ainda, como é difícil etiquetar as pessoas como apenas “boas” ou “más”.


Há mais eventos que se desenrolam paralelamente, como o mistério envolvendo o cantor Marcello Bianchini - um ocorrido que é deixado no plano das possibilidades. 

Do que se tem em tela, há uma história que, com as devidas nuances, está na órbita do familiar a todas as pessoas, conduzida por atores de gerações distintas.


Se não se trata de nenhuma surpresa no que diz respeito a Marieta Severo, fica a oportunidade de desfrutar do talento de Giannini e Elizabetta, visto com menos frequência por aqui. 

Sem contar as já citadas maravilhas da região da Puglia e outros atrativos, como música e figurino.


Ficha técnica:
Direção: Vicente Amorim
Produção: Nexus Produções
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: salas Cineart dos shoppings Cidade e Del Rey e no Cinemark BH Shopping
Duração: 1h42
Classificação: 14 anos
Países: Brasil e Itália
Gênero: drama