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01 maio 2025

"Homem com H" faz brilhar na telona a inventividade e a coragem de Ney Matogrosso

Jesuíta Barbosa encarna os olhares e trejeitos do cantor de forma quase perfeita (Fotos: Marina Vancini) 
 
 

Eduardo Jr.

 
Estreia nos cinemas, neste dia 1º de maio, a cinebiografia do homem que ousou ser livre: Ney Matogrosso. Distribuído pela Paris Filmes, "Homem com H", longa escrito e dirigido por Esmir Filho, expõe na telona a vida e a formação de um dos maiores artistas do Brasil e dono de uma das mais belas vozes do mundo. 

A apresentação do artista com uma sequência de imagens que o compara a um bicho se mostra acertada. O próprio Ney se define assim, em alguns momentos. Quando menino, ao se ver diferente dos irmãos, buscava se encontrar. 


No entanto, o caminho foi difícil, o único apoio vinha da mãe Beita (interpretada por Hermila Guedes). O maior dos obstáculos era a figura do pai (vivido por Rômulo Braga), um militar conservador e violento, que não tolerava os dons artísticos do jovem e dizia que não queria um filho gay.    

Sob a condução de Esmir fica fácil uma identificação com histórias da vida real. O público pode encontrar, inclusive, elementos que expliquem a dureza do pai, a conduta de colegas de banda e ‘otras cositas más’. 


Em uma das cenas, Ney sai de casa de cabeça em pé, dizendo ao pai que não era viado, mas que, quando fosse, o Brasil inteiro iria saber. Começava ali a trajetória de descobertas e autoconhecimento de Ney Pereira da Silva, que mais tarde se tornaria Ney Matogrosso. 

A direção mostra a passagem do artista pela Aeronáutica (isso mesmo, Aeronáutica). E curiosamente, naquele ambiente castrador, Ney viveu um amor platônico. Foi na corporação que ele se reconheceu e vislumbrou uma autoaceitação. 


Ao sair dali foi que se deparou com o que o destino reservava: a morte do jovem para se tornar, então, o homem com H dos dias atuais, além do contato com o artesanato. 

A atividade permitiria posteriormente a ele criar alguns de seus próprios acessórios e figurinos - que inclusive foram utilizados por Jesuíta Barbosa (que encarna os olhares e trejeitos de Ney de forma quase perfeita). 


A interpretação elogiável de Jesuíta vai além do trabalho de corpo. Se deve também a uma impetuosidade que o ator imprime e que adere à personalidade do cantor, já conhecida por entrevistas e posicionamentos ao longo da vida. 

No entanto, o biografado não é força bruta o tempo todo. A sensibilidade se apresenta no longa, entre outras coisas, pela insegurança do cantor em certas escolhas, enquanto a classe artística via nele uma potência que o próprio Ney parecia não se dar conta.  


O público ganha uma forcinha para comprovar que certos artistas, quando em cena, crescem. A câmera faz questão de mostrar, nas primeiras apresentações da banda que se tornaria o fenômeno Secos e Molhados, que as provocações do público faziam Ney Matogrosso se agigantar no palco. 

Uma demonstração metafórica da força do artista que, desde cedo, sabia o que estava fazendo e o quão poderosa era sua liberdade. E claro, tem muito brilho, 'sex appeal' e atuações provocativas.  


A liberdade para o amor também marca presença no longa. A tão falada relação entre Ney e Cazuza (papel de Júllio Reis) também é apresentada, mas vestida de forma mais robusta de sentido se em comparação com as demais obras que já abordaram essa passagem da vida de Ney. 

Mais clara também é a abordagem de um dos relacionamentos mais importantes da vida de Ney. O namoro com o médico que traz para o longa um recorte do drama da AIDS nos anos 1980 e a incredulidade de Ney Matogrosso sobre nunca ter se contaminado (algo que o cantor já mencionou em diversos depoimentos). 


Não dá pra deixar de destacar a riqueza desta produção - em diversos aspectos. Alguns dos figurinos utilizados em cena não são réplicas, e sim peças originais, garimpados no acervo do cantor e que serviram com perfeição no corpo de Jesuíta Barbosa. 

Ney Matogrosso gravou canções para que Jesuíta dublasse. Como na cena do coral e a versão de “O Mundo é Um Moinho” - que provocam arrepios, tamanha a qualidade vocal registrada. 


Gostar ou não do artista pode ser algo muito particular - e como devem ter notado, este que vos fala, gosta. Mas independente disso, ir aos cinemas assistir "Homem com H" é, além de mais uma chance de privilegiar o cinema nacional, uma oportunidade de conhecer e entender um pouco mais sobre um personagem importante da história da música brasileira. 

Porque, pra fazer o que Ney Matogrosso fez e vem fazendo até aqui, com seus 82 anos, só sendo um homem com H maiúsculo. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Esmir Filho
Produção: Paris Entretenimento
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h09
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, documentário

20 março 2025

"Milton Bituca Nascimento" – Uma ode a um gênio

Homenagem foi gravada em diversos países durante a turnê de despedida do cantor e compositor
(Fotos: Gullane+)


Wallace Graciano


Nos últimos anos, poucos artistas tiveram um reconhecimento tão completo de seu legado quanto Milton Nascimento. Dono da voz mais marcante da nossa música, a qual Elis Regina certa vez disse que “se Deus tivesse voz, essa seria a do Milton”, o artista teve uma série de homenagens que tentavam traduzir bem o impacto que nos causou a cada música. 

E talvez esse seja o grande mérito de "Milton Bituca Nascimento", dirigido por Flávia Moraes, que se apresenta como uma ode à vida e ao legado de um dos maiores ícones da música mundial.


Longe de ser apenas um registro de uma turnê de despedida, o filme é um tributo emocionante, uma viagem poética pela alma e história de um artista que marcou profundamente a cultura mundial.

Desde o primeiro instante, o filme deixa claro que não se trata apenas de um retrospecto cronológico da carreira de Milton. Em vez de seguir uma estrutura convencional, a narrativa se desenrola como um mosaico, entrelaçando depoimentos, imagens de arquivo e momentos da turnê final. 

Figuras icônicas como Spike Lee, Chico Buarque, Gilberto Gil, Simone, Paul Simon, Quincy Jones, Sérgio Mendes e Caetano Veloso oferecem visões complementares sobre o impacto de Bituca.


A direção sensível de Flávia Moraes captura não apenas a imponência da música de Milton, mas também sua profunda humanidade. Os cenários de sua jornada internacional, de Los Angeles a Veneza, refletem momentos de descoberta e conexão, mas também carregam a melancolia de um ciclo que se encerra. 

Para além, ela teve a brilhante ideia de contar com a presença de Fernanda Montenegro como narradora. Sua voz forte e carregada de emoção conduz o público por memórias e reflexões, intensificando o tom poético da narrativa.


O Legado de Bituca: Arte e Resistência

Milton Nascimento sempre foi mais do que um cantor: ele é um símbolo de resistência e identidade. O documentário não deixa de abordar as raízes profundas de sua arte, inserindo sua trajetória no contexto histórico do Brasil. 

A influência da colonização e da escravidão no cenário cultural do país é ressaltada, mostrando como sua obra floresceu como um grito de esperança e transformação.


A década de 1970, marcada pela repressão da ditadura militar, é um dos momentos mais intensos do filme. Milton e seus contemporâneos, como Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso, enfrentaram a censura com canções que se tornaram hinos de liberdade.

A música de Bituca, como um rio subterrâneo, sempre encontrou maneiras de emergir e tocar aqueles que precisavam de esperança.


A despedida, tema central do documentário, é tratada com grande delicadeza. Mais do que o encerramento de uma carreira, é um momento de reflexão sobre o significado da música e do legado que permanece. 

Com sua humildade característica, Milton convida o público a compartilhar sua jornada final, revelando suas emoções, medos e gratidão.


Ficha técnica:
Direção: Flávia Moraes
Roteiro: Marcelo Ferla e Flávia Noraes
Produção: Gullane, Canal Azul, Nascimento Música e Claro
Distribuição: Gullane+
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h59
Classificação: 10 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

16 janeiro 2025

"Luiz Melodia - No Coração do Brasil" amplifica a voz do poeta do Estácio

Documentário traz o artista carioca, falecido em 2017, como narrador da própria história (Fotos Embaúba Filmes) 


Eduardo Jr.


Dia 16 de janeiro foi a data escolhida para a estreia do documentário “Luiz Melodia: No Coração do Brasil”. Dirigido por Alessandra Dorgan, o longa traz o artista carioca, falecido em 2017, como narrador da própria história. A distribuição é da Embaúba Filmes. O filme poderá ser conferido no Una Cine Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Este não é um filme com movimentos de câmera autorais ou cores marcantes, daquelas que identificam de imediato o cineasta responsável. Todo o documentário é composto por material de arquivo. Gravações de áudios, entrevistas e shows foram cedidas por Jane Reis, viúva do artista e produtora associada nesta homenagem. 


Já de saída, uma mensagem na voz do cantor alerta que, nesses tempos de crise em que estamos vivendo, é bom se soltar enquanto existe música dentro de nós. 

Muito coerente com quem construiu um repertório que vai do samba ao jazz e levou aos palcos um corpo cheio de movimento, que parece nunca ter sentido que envelhecer seria um fardo. Melodia faleceu aos 66 anos, mas permanece vivo, sendo frequentemente regravado.


Essa mensagem sobre a importância de sentir e viver a arte fica ainda mais pertinente se olharmos para os bastidores da produção. 

Foram sete anos de pesquisa e muita luta para fazer o projeto sobreviver enquanto a Ancine e todo o audiovisual brasileiro enfrentavam problemas e ameaças de censura por parte do ocupante anterior da cadeira da Presidência da República. 


Mas Luiz era musicalidade e também resistência. Nascido no bairro do Estácio de Sá, seu corpo já evocava liberdade. Em algumas cenas, lá está ele, sem camisa, tranças soltas, e no seu canto, a poesia autoral. 

Em nome do direito de fazer o que queria, no momento desejado e de manter uma liberdade criativa, passou alguns períodos sem gravar, pois enfrentava gravadoras de peito aberto, e saía vitorioso. A aclamação do público é a prova disso.  


A própria voz de Luiz Melodia se encarrega de tudo. Com suas “canetadas”, foi despertando a atenção e fazendo amigos. Entre eles, Waly Salomão, Torquato Neto e Gal Costa, a responsável por fazer com que o compositor se instalasse "no coração do Brasil", como ele mesmo escreveu em “Magrelinha”.  

Nessa narrativa, enquanto vai desfiando suas histórias, a voz do poeta do Estácio é coberta em alguns momentos por imagens antigas do Rio de Janeiro, da cena cultural da cidade e acompanhada por ritmos que foram sua influência, como o samba de Zé Keti. 


Ao longo da imperceptível uma hora e quinze do documentário, o espectador vai descobrindo que Luiz Melodia era firme em suas escolhas. Doce ao bancar suas decisões. Inteligente em ler e entender o mercado fonográfico. E poético ao criar e levar o resultado ao público, que hoje pode desfrutar de registros e repertório incríveis (que passam por duetos memoráveis a trilhas de novela inesquecíveis). 


Ficha técnica:
Direção:
Alessandra Dorgan
Direção musical: Patricia Palumbo
Produção: Big Bonsai, coprodução MUK Produções e Plate Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Una Cine Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h15
Classificação: Livre
País: Brasil
Gênero: Documentário

29 março 2024

"Nada Será Como Antes" reforça a magia dos encontros musicais e a genialidade de Milton Nascimento

O envolvente documentário sobre a música do Clube da Esquina é dirigido por Ana Rieper (Fotos: Juvenal Pereira)


Silvana Monteiro


Uma parceria inusitada, um encontro fortuito, inúmeras conexões, explosão criativa e transformação coletiva. Tudo isto em torno de letras, notas e arranjos musicais. Foi assim que nasceu o lendário Clube da Esquina, imortalizado nos álbuns homônimos que marcaram a música brasileira para sempre e virou ícone mundial. 

Agora a história desta turma está imortalizada também no cinema com a estreia nessa quinta-feira de "Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina", envolvente documentário dirigido por Ana Rieper. 

Ele nos transporta para a fascinante história dos artistas responsáveis pelos aclamados álbuns "Clube da Esquina 1 e 2" e suas relações artísticas, culturais e sociais. Considerados por críticos como verdadeiras obras-primas, esses álbuns marcaram época e continuam a encantar gerações até os dias de hoje.


Após ter sido selecionado para o Festival do Rio e a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme chega às telonas de 20 cidades do Brasil, incluindo Belo Horizonte. As exibições fazem parte do projeto Sessão Vitrine Petrobras, que apoia o audiovisual brasileiro, levando um longa por mês aos cinemas.

Sob a direção habilidosa de Rieper, somos conduzidos pelo processo criativo dos músicos que compuseram o coração pulsante do Clube da Esquina, entre eles Milton Nascimento, o Bituca, Lô Borges, um jovem talentoso de apenas 16 anos na época, Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Beto Guedes, Robertinho Silva e Wagner Tiso. 


O documentário nos permite mergulhar na musicalidade desses artistas excepcionais, desvendando as influências e referências que moldaram suas canções imortais.

Milton Nascimento, figura central e líder indiscutível, emerge como um ímã de musicalidade, capaz de reunir talentos e criar uma sinergia única. O documentário revela seu papel fundamental na formação e consolidação do Clube da Esquina, bem como sua capacidade de unir diferentes vozes em uma única melodia. 

Por meio de depoimentos inéditos e imagens testemunhamos a força e a sensibilidade desse ícone da música brasileira. Uma das características mais notáveis presentes nessa obra é o equilíbrio alcançado pelo Clube da Esquina ao respeitar as diversas essências musicais de seus integrantes. 

O filme retrata com maestria como a magia do grupo estava na harmonia entre suas individualidades e na capacidade de absorver influências diversas, desde os Beatles até a riqueza do afro-brasileiro. 


Essa miscelânea de sons e estilos resultou em uma sonoridade única e inovadora, que cativou não apenas o público brasileiro, mas também conquistou reconhecimento internacional.

Além de explorar o universo musical, o documentário nos leva por uma viagem visual, com uma fotografia sofisticada, pelos rostos, personalidades, paisagens e lugares que inspiraram as composições. 

Das esquinas de Belo Horizonte, berço do movimento, às esquinas do mundo, somos conduzidos por cenários que se entrelaçam com a poesia e a história das canções, de seus compositores, intérpretes e colaboradores. 

Capa do disco "Clube da Esquina" (Reprodução)

Essa imersão nos permite compreender a profundidade das influências externas e como elas se entrelaçaram com as experiências pessoais dos artistas.

"Nada Será Como Antes" é uma obra indispensável para os amantes da música e para aqueles que desejam compreender a riqueza cultural do Brasil. Com uma abordagem sensível e cuidadosa, Ana Rieper nos presenteia com um mergulho profundo na alma do Clube da Esquina, revelando os segredos por trás de suas composições intemporais. 

A obra reforça de forma contundente a mensagem deixada pelo legado do grupo: a música é uma linguagem universal que transcende fronteiras e transforma tudo ao seu redor. Após a experiência com "A Música do Clube da Esquina", fica claro que nada mais permaneceu como antes.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Ana Rieper
Produção: Vitrine Filmes e coprodução Canal Brasil
Distribuição: Sessão Vitrine Petrobras e Lira Filmes
Exibição: nas salas Cineart Cidade, Una Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h19
Classificação: 10 anos
País: Brasil
Gênero: documentário