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29 dezembro 2021

Em um mundo cada vez mais burro, "Não Olhe Para Cima" é o óbvio que precisa ser dito

Com um elenco estelar, produção está sendo considerada uma das melhores de 2021 da plataforma de streaming (Fotos: Niko Tavernise/Netflix)


Jean Piter Miranda


Os astrônomos Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) descobrem um cometa no sistema solar. Eles calculam que esse corpo celeste vai atingir a Terra dentro de seis meses e acabar com a vida no planeta. Os dois então levam a notícia para a presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean (Meryl Streep).

O assunto vai parar nos noticiários e nas redes sociais. E isso é só o início do caos. Essa é a história de “Não Olhe Para Cima” ("Don't Look Up"), produção da Netflix de US$ 75 milhões que está entre os mais acessadas e comentadas desde a sua estreia, no dia 24 de dezembro.


Para início de conversa, o filme é sim sobre os dias atuais. E para os brasileiros, dá até a impressão de que a estória é sobre o Brasil. A começar pelo negacionismo, pelas pessoas que não confiam na ciência. Mais do que isso, gente que cria milhares e milhares de teorias da conspiração sobre um tal “sistema” que controla o mundo. Em um tempo em que todos têm vez e voz nas redes sociais, a desinformação passa a ter até mais peso que as informações passadas por cientistas.


A partir daí, é tudo um show de absurdos. Espera-se que a presidente do EUA faça uma missão para dar um jeito de destruir o cometa antes que ele chegue à Terra. Mas ela diz que vai  esperar e avaliar. Ela pensa só nela e dá prioridade às eleições, como se o assunto do cometa não fosse uma urgência mundial. Os dois astrônomos são vistos com desconfiança e a descoberta deles só é validada depois que pesquisadores de universidades maiores e mais renomadas confirmam os dados.  


A imprensa não dá a devida importância ao assunto. Está mais preocupada com engajamento nas redes sociais e monetização do que com o dever de informar. Apresentadores de TV (interpretados por Cate Blanchett e Tyler Perry) se comportam como comediantes. Celebridades se expõem demais. 

A polícia age para atender aos interesses pessoais de um governante e não de acordo com a lei. Pessoas sem qualificação ocupam cargos de confiança. Tem também a idolatria de parte da população por militares e por armas. Gente que prega o fim do politicamente correto. E tem até cientista que se deixa seduzir pela fama.


Tem gente que diz que o cometa não é isso tudo. Outros que dizem que nem existe cometa. Ideias que são reproduzidas por autoridades, políticos, comunicadores e influencers. Todo mundo querendo aproveitar um pouco do assunto do momento para ganhar seus likes, curtidas, fãs, seguidores e, claro, aumentar sua monetização. É a regra do jogo, é como funciona a economia da atenção nos dias atuais. É muita coisa ao mesmo tempo pra processar. É como navegar pelos trends do Twitter.  


E por falar em dinheiro, tem bilionário na história, que vende a imagem de um bom e simples cidadão que só quer fazer do mundo um lugar melhor para todos. Que patrocina campanhas políticas e depois manda mais que os próprios governantes. Bilionário que é idolatrado e tem até fã clube. É um show de absurdos que a gente só se dá conta quando está na ficção. No dia a dia, o povo já se acostumou, já normalizou. Mas na ficção, incomoda muito.

Di Caprio e Jennifer Lawrence estão ótimos. Meryl Streep brilha como sempre. Cate Blanchett está sensacional como a apresentadora de TV Brie Evantee, com o rosto cheio de plásticas e botox. Mark Rylance manda muito bem no papel de Peter Isherwell, o bilionário da tecnologia com complexo de grandeza. 


Mas o destaque fica mesmo por conta de Jonah Hill, que faz Jason Orlean, o filho da presidente, mimado, arrogante, escroto e meio burro. Não é exagero dizer que é a melhor atuação da sua carreira, isso num elenco com muitas estrelas, onde Ron Perlman (o astronauta Benedict Drask), Ariana Grande (como a cantora Riley Bina) e Timothée Chalamet (o adolescente Yule) quase passam despercebidos, assim como Himesh Patel (Phillip). 


“Não Olhe Para Cima” é uma grande produção. É uma crítica ao sistema político, econômico, à imprensa, às redes sociais e ao negacionismo. É uma crítica à sociedade como um todo, que tem ficado cada vez mais alienada e até mesmo mais burra, misturando política, com religião, com patriotismo, com anticiência e outras coisas mais. 

É comédia, é entretenimento, e pode ser uma experiência bem incômoda para muitos. Mas é um filme necessário que vai deixar todo muito bem pensativo. É o obvio que precisa ser dito em forma de ficção pra tentar ser ouvido.  


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Adam McKay.
Produção e exibição: Netflix
Duração: 2h25
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Comédia / Ficção
Nota: 4 (de 0 a 5)

29 março 2018

"Jogador nº 1" - Uma produção Spielberg para ver, relembrar e curtir

Wade Watts terá de enfrentar vários desafios no mundo virtual para ganhar o jogo e conquistar a garota por quem é apaixonado (Fotos: Warner Bros. Pictures/Divulgação)

Maristela Bretas


Ter Steven Spielberg como diretor já é mais do que meio caminho para um ótimo filme, principalmente se a proposta for para entretenimento - "ET - O Extraterrestre" é inesquecível e marcou uma geração. E o gênio da diversão gastou uma cota considerável de competência e criatividade para entregar "Jogador nº 1" ("Ready Player One"), o melhor filme/animação/ficção do ano até o momento.


Baseado no livro homônimo escrito por Ernest Cline, que também participa como roteirista, a produção vai fazer muito marmanjo se sentir criança novamente ao rever velhos conhecidos do passado. Somente Spielberg seria capaz de construir o maior "easter egg" do cinema, colocando numa mesma produção figuras como as gêmeas do clássico do terror "O Iluminado", o famoso Batmóvel de Adam West, o DeLorean de "De Volta para o Futuro", Chuck, o boneco assassino, o temível Freddy Krueger, King Kong, o T-Rex de Jurassic Park, a aventureira Lara Croft, Street Fighter e milhares de personagens dos quadrinhos, do cinema e, principalmente, dos videogames.


"Jogador nº 1" faz as boas lembranças brotarem da memória, o filme é uma aula de cultura pop. Será preciso assistir várias vezes para conseguir identificar todos os conhecidos participantes que aparecem como avatares dos jogadores na vida real - cada um escolhe o personagem que desejar para participar do jogo. E estes heróis e vilões estão nas batalhas campais, nas disputas de rua e na frente da tv jogando. Bobagem tentar explicar o prazer de jogar num Atari, trocando cartuchos e usando um joystick de apenas um manche e um botão. Só entende quem já viveu esta inesquecível experiência.


Ao mesmo tempo em que proporciona diversão, "Jogador nº 1" é também uma crítica ao isolamento do mundo real provocado pelo uso sem controle da tecnologia. Milhares de pessoas deixam de lado suas vidas para passar o dia jogando "Oasis", um game que cria um universo paralelo de realidade virtual. Cada um foge de seu drama diário verdadeiro para se tornar um super-herói, o vilão predileto ou, simplesmente pessoas comuns que não precisam se preocupar com nada. Tudo é virtual e o jogador faz o que quiser com seu avatar.


Se o início do filme deixa a impressão de que se trata apenas uma grande animação sobre games, a caçada ao Easter Egg vai atraindo mais o público que reencontra a cada nova cena um velho conhecido. Se não bastasse o roteiro, a direção, a computação gráfica, "Jogador nº 1" ainda apresenta uma trilha sonora arrasadora com sucessos do passado, apesar de ser ambientando em 2045.

Tudo acontece em Columbus, nos EUA, dividido entre duas realidades: a população miserável que vive em barracos montados em estruturas de metal abandonadas, semelhantes a uma estante. E o mundo tecnológico que controla a todos, e onde vivem dois grandes amigos nerds, que enriqueceram com a criação do game Oasis.



Wade Watts (Tye Sheridan), como o resto da humanidade, prefere a realidade virtual do jogo ao mundo real. Quando um dos criadores do jogo, o excêntrico e tímido James Halliday (Mark Rylance) morre, ele lança um desafio para os jogadores: aquele que encontrar três chaves e vencer o jogo irá herdar trilhões de dólares de Halliday, além do controle da empresa.

Entre fugas e perseguições contra os demais competidores, Watts, cujo avatar se chama Parzival, descobre que, para vencer, terá de se unir a alguns amigos virtuais, mas desconhecidos na vida real. E ainda apaixonar-se por Samantha (Olivia Cooke), a garota "mais descolada" que já conheceu e que usa o avatar Artemis. Ponto positivo para os demais componentes do clã High Five, de Artemis - Lena Waithe, Win Morizaki e Philip Zhao.


Claro que nada disso seria possível sem um bom vilão. No caso dois - Sorrento (Ben Mendelsohn), o dono da empresa IOI e concorrente da Oasis, e i-R0k (voz de T.J.Miller) , um gigante cibernético atrapalhado que divide com Sorrento os momentos mais engraçados do filme. Perguntar se vale a pena pagar o ingresso da sala #Imax para ver "Jogador nª 1" é até bobagem. Só vale, seja pelos efeitos visuais são ótimos, com cenas bem ágeis, especialmente no "modo game". Uma sessão da tarde, no futuro, que vale a pena ver de novo, diversas vezes, e que ainda conta com uma ótima sonora que pode ser conferida completa clicando aqui.



Ficha técnica:
Direção: Steven Spielberg
Produção: De Line Pictures / Village Roadshow Productions / Random House Films / Reliance Entertainment
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 2h20
Gêneros: Ação / Aventura / Ficção
País: EUA
Classificação: 12 anos
Nota: 4,5 (0 a 5)

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