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04 janeiro 2025

Especial: oito melhores filmes nacionais de 2024



Patrícia Cassese


Falamos anteriormente, na lista dos melhores filmes de 2024 (clique aqui para conferir) sobre o sucesso "Ainda Estou Aqui". A jornalista Patrícia Cassese fez uma seleção muito especial para o Cinema no Escurinho das melhores produções nacionais, incluindo esta que pode ser a representante do Brasil no Oscar 2025. Ela fala um pouquinho sobre cada uma das obras para ajudar nossos seguidores na hora de escolher o que assistir.

1) Ainda Estou Aqui (Walter Salles)
Lançado nos cinemas do Brasil no início de novembro, o filme de Walter Salles é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que, por sua vez, traz um recorte da família do autor nos anos 1970, a partir do desaparecimento do pai, Rubens Paiva. 

Com uma atuação soberba de Fernanda Torres como protagonista, bem como um elenco, no todo, afinado, o filme acerta ao lançar seu foco sobre um período traumático da história do Brasil. "Ainda Estou Aqui" está em cartaz nos cinemas e já foi visto por mais de 3 milhões de espectadores no país.

"Ainda Estou Aqui" - Alile Dara Onawale

2) Malu (Pedro Freire)
Outra produção com um viés biográfico, pero no mucho. Ao fazer um filme em homenagem à sua mãe, a atriz Malu Rocha (1947 - 2013), Pedro Freire adota algumas liberdades poéticas - em vez de dois filhos, por exemplo, na trama, ela tem só uma, Joana (interpretada por Carol Duarte). 

Destaque para o elenco, com particular ênfase na atuação de Yara de Novaes, como a personagem título. Ao fim, é impossível não se apaixonar por Malu ou não partir para os sites de pesquisas para saber mais sobre essa mulher tão fascinante. Em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

"Malu" - Primeiro Plano

3) Motel Destino (Karim Ainouz)
A assinatura de Karim Ainouz já é meio caminho andado para quem gosta de bom cinema. Aqui, Fabio Assunção capitaneia o elenco, junto a Iago Xavier e Nataly Rocha. Xavier é o forasteiro que adentra o Motel Destino, situado à beira de uma estrada no litoral cearense, transformando a vida de todos ali. Em tempo: o filme (confira o trailer) já pode ser visto no streaming, na plataforma Telecine.

4)  (Rafael Conde)
O filme do mineiro Rafael Conde aborda também a história de uma família atingida pela ditadura militar: no caso, a do mineiro José Carlos Novais da Mata Machado, o Zé, do título. Sim, tal qual "Ainda Estou Aqui", um filme biográfico envolvente e necessário. A cereja do bolo é a presença de Yara de Novaes (também de "Malu") no elenco. "Zé" está disponível nas plataformas por assinatura Claro TV+ e Vivo Play.

"Zé" - Embaúba Filmes

5) O Dia que Te Conheci (André Novais Oliveira)
Uma produção da Filmes de Plástico que encantou o Brasil em sua passagem pelos cinemas (confira o trailer clicando aqui). Em cena, Zeca (Renato Novaes) é um bibliotecário de uma escola pública que, certo dia, é demitido, com a justificativa de que está constantemente chegando atrasado ao trabalho. 

Ele aceita uma carona de Luísa (Grace Passô) e os dois começam a trocar confidências sobre suas vidas. Ótimos diálogos e muito carisma nesta história sem glamour, mas de muito encanto. Disponível na Globoplay e Canal Brasil.

"O Diabo na Rua no Meio do Redemunho" - Globo Filmes

Hours concours

O Diabo na Rua no Meio do Redemunho (Bia Lessa)
Essa transposição da icônica obra de Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas", para o cinema, com direção de Bia Lessa, é uma pepita, uma obra-prima. 

Nos papéis de Riobaldo e Diadorim, Caio Blat e Luiza Lemmertz estão irretocáveis. Filmado em um galpão, o longa traz soluções inventivas que arrebatam. Bia Lessa, como se sabe, também havia adaptado a obra para o teatro, em montagem que passou por BH.

Bônus

Aproveitando as indicações, a listagem ganha um bônus abordando o quesito documentários. Destaque para "Othelo, o Grande", biografia do ator Grande Otelo, dirigida por Lucas H. Rossi dos Santos. O filme está previsto para entrar em breve no Canal Brasil e no Globoplay.

E, ainda, “Nas Ondas de Dorival Caymmi”, sobre o saudoso cantor, compositor, pintor e instrumentista baiano. Direção de Locca Faria. Este documentário também deverá estrear em breve nas plataformas de streaming.


25 maio 2024

“O Aprendiz” e outros destaques de Cannes: estreias abordam urgências dos nossos tempos

Obras apresentadas no festival tratam de diversas crises
políticas atuais
 (Foto: Carolina V.)


Da Redação 


“Vamos tornar os filmes políticos de novo”. Essa foi a principal mensagem do diretor Ali Abbasi, que assina “O Aprendiz” (“The Apprentice”), na première do longa. Um dos destaques da Competição Oficial da 77ª edição de Cannes, o filme é uma tragicomédia que tematiza a ascensão de Donald Trump à fama e fortuna nas décadas de 1970 e 1980. 

O elenco é integrado por nomes como Sebastian Stan (muito elogiado pela sua interpretação do político estadunidense), Jeremy Strong (Roy Cohn, advogado de Trump) e Maria Bakalova (Ivana, ex-mulher do político).

Com roteiro assinado por Gabriel Sherman, “O Aprendiz” é centrado nos anos de formação do ex-presidente (e novamente candidato neste ano), com enfoque na difícil relação de Trump com o advogado Roy Cohn, dois homens consideravelmente ambiciosos. 

Filme "O Aprendiz" (Fotos: Divulgação)

Ao acompanharmos a história, podemos nos dar conta de que os valores de Trump são de fato compartilhados por muita gente e, ainda, se associam diretamente ao conceito de “masculinidade tóxica”. 

Homens que, sob o pretexto de serem “muito verdadeiros” (como se ter um mínimo de civilidade fosse sinônimo de “ser falso”), tratam mulheres como objetos e, ainda, precisam se mostrar como “matadores”. 

Esse termo ('killers', no original) aparece diversas vezes ao longo da história: o entorno de Trump (e principalmente o próprio protagonista) acredita firmemente que existe uma divisão entre “matadores” e “perdedores”. 

Segundo eles, o primeiro grupo é o único que merece respeito, mesmo que não se importem com o próximo (afinal de contas, os “matadores” também aniquilam uns aos outros). 


Logo nos damos conta de que, sim, homens milionários, de terno e gravata, podem ser extremamente violentos. Em diálogo com o filme, um cartaz colocado na Croisette estampava o recado: “A única minoria perigosa são os ricos” ("The only dangerous minority are the rich"). 

No discurso após a exibição do longa (bastante ovacionado por outros atores, como Cate Blanchett), Abbasi contou que foi desencorajado a realizar o filme, pois lhe disseram que ele deveria falar sobre política de uma maneira mais metafórica ou, ainda, menos personificada. 

Cate Blanchett aplaude a atriz Maria Bakalova,
do filme “O Aprendiz” (Foto Carolina V.)

Mas Abbasi rebateu: "o que isso significaria? Mais um filme sobre as Guerras Mundiais? Não, agora é preciso falar sobre Trump - até porque contar a história dessa figura é também falar sobre o sistema capitalista e, como dissemos, sobre modelos ultrapassados (mas ainda muito presentes) de masculinidade. É também abordar a noção existente de “América”, essa terra tão idealizada (que, segundo os republicanos mais extremistas, precisa ser “great again” - again)".

Ainda sobre temas sociais, vale mencionar que Blanchett foi à première de “O Aprendiz” com um vestido que, em conjunto com o vermelho do tapete, formava as cores da bandeira da Palestina. 

Esse tema evidentemente dialoga com assuntos da política norte-americana, já que os Estados Unidos foram (e seguem sendo) um dos principais aliados de Israel. 

Não é difícil nos darmos conta, portanto, de que vivemos tempos urgentes - e o novo filme de Ali Abbasi nos ajuda a ter dimensão da gravidade da situação. 



Situação brasileira

Os processos políticos também são o fio condutor do filme “Lula”, assinado por Oliver Stone e Rob Wilson. O longa, que foi apresentado na Sessão Especial do festival, narra a ascensão, queda e retorno do líder brasileiro, com enfoque na jornada das eleições de 2022 para reconquistar a Presidência.

Parte da imprensa brasileira criticou o filme por ser muito “parcial” (a favor do atual presidente), mas, em primeiro lugar, é preciso considerar que Stone não tem a pretensão de se apresentar como um realizador “neutro”, pois seus posicionamentos políticos já são conhecidos. 

Documentário "Lula", de Oliver Stone e Rob
Wilson (Foto Ricardo Stuckert/PR)

Além disso, a história de Lula foi por muito tempo narrada por meios hegemônicos, a partir de um viés primordialmente favorável às ações de Sérgio Moro, figura que aparece muito no documentário. Vários dos ocorridos, vale lembrar, são extremamente recentes e muitos dos fatos não são inteiramente conhecidos. 

Diante do cenário, parece ingênua a defesa (ou até mesmo a crença) de que existe uma suposta “neutralidade” - afinal de contas, não é como se já soubéssemos qual é a maneira “correta” de contar essa história. 


Bastante didático, o documentário de Stone se esforça para explicar eventos complexos, como a Lava Jato e, posteriormente, a Vaza Jato. O público majoritariamente estrangeiro da sessão pareceu compreender como funcionam várias das disputas de poder no Brasil, o que é sem dúvidas um mérito de Stone. 

De qualquer maneira, existem ainda muitas possibilidades de narrar essas histórias - muito do que acontece no nosso país, como sabemos, “é coisa de filme”.

Karim Aïnouz e elenco de "Motel Destino"
 (Foto: Steffen Osburg)

Ainda falando de temas urgentes, vale mencionar o documentário “A Queda do Céu”, dirigido pelos brasileiros Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha, que marcou presença na Quinzena dos Cineastas (na Competição Oficial, o Brasil foi representado pelo diretor Karim Aïnouz, com o longa "Motel Destino"). 

O filme foi inspirado na proposta do livro homônimo, assinado por Davi Kopenawa com o antropólogo Bruce Albert, que apresenta um registro da cosmologia Yanomami. 

De maneira bastante respeitosa, a obra apresentada no festival trata sobre a realidade do grupo indígena e, ainda, associa o tema com outras questões climáticas. Como sabemos, o ataque aos povos indígenas é também uma ofensiva contra o planeta.

(Foto: Pedro HG Araújo)

Diante de um cenário mundial tão turbulento (vale lembrar que conflitos como a Guerra da Ucrânia seguem ocorrendo), é esperado que novas obras abordem algumas das mazelas sociais e processos políticos contemporâneos. 

A pretensão da maior parte desses filmes não é de oferecer respostas simples, mas, principalmente, de apresentar outros olhares sobre temas tão importantes. Por vezes, o cinema nos ajuda a esquecer dos nossos problemas; em outros momentos, porém, lembrar pode ser um ato de resistência.