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05 dezembro 2022

Simples e sem arroubos, "O Milagre" atrai ao explorar o fanatismo, a verdade e a fé

Florence Pugh e a jovem Kíla Lord Cassidy são as protagonistas deste thriller psicológico (Fotos: Netflix)


Silvana Monteiro


Idolatria, ceticismo, abuso infantil, luto perinatal e distúrbios alimentares são temas de "O Milagre" ("The Wonder"), novo filme em exibição na Netflix. Nesse domingo (4), a produção faturou o prêmio de Melhor Trilha Sonora (composta por Matthew Herbert) do British Independent Film Awards (BIFA) 2022, além de receber outras 11 indicações para essa importante premiação britânica.

O longa é uma adaptação do romance homônimo de Emma Donoghue, com um roteiro que provoca desconfiança e remete à frieza dos fatos. É exatamente por sua construção fria, sem arroubos, que ele chama a atenção.


A história se passa no ano de 1862 e narra o drama da jovem Anna O’Donnell (Kíla Lord Cassidy), de 11 anos, que vive num vilarejo da Irlanda e não come há quatro meses. 

A enfermeira inglesa Lib Wright, vivida por Florence Pugh (de "Adoráveis Mulheres" - 2020 e "Viúva Negra" - 2021) e a freira Irmã Ryan (Josie Walker) são enviadas à casa da garota a fim de manterem uma vigilância ininterrupta de 15 dias e testemunharem a veracidade dos fatos e se lá estaria ocorrendo um milagre. 


Elas precisam fazer relatórios para um grupo de autoridades masculinas do povoado. Anna é muito religiosa e passa a dizer que vive de maná dos céus, o que faz com que seus pais e o povo da província passem a tratá-la como uma santidade. A história ganha mais força com a insistência do médico Dr. McBrearty (Toby Jones) e do padre Thaddeus (Ciarán Hinds).


Junto a Alice Birch ("Normal People", "Succession") e o diretor Sebastián Lelio, premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2018, por "Uma Mulher Fantástica", a escritora Emma Donoghue adaptou sua obra para o cinema, inspirada em casos reais de virgens jejuadoras - adolescentes que deixavam de comer acreditando que seriam abençoadas pela penitência.

Ela já recebeu indicações ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao BAFTA pela adaptação para as telas do best-seller, "O Quarto de Jack" (2015), estrelado por Brie Larson.


"O Milagre" tem uma fotografia interna que provoca a sensação em quem o assiste de que é preciso ver além do que é mostrado nas cenas. É isso que mantém o telespectador de olhos vidrados e ouvidos atentos. Nos ambientes internos, o diretor abusa de cenas feitas sob baixa iluminação. 

Nas tomadas claríssimas em grande plano realizadas fora da casa, nos momentos em que a enfermeira perambula com a menina pelos campos, ele faz uma referência ao isolamento vivido pela profissional de saúde. Tanto pelas suspeitas do mistério que envolve a menina, quanto por seu sofrimento, vivenciando um drama pessoal que só o público conhece.


A obra explora bem a sonoplastia, com poucas inserções de canções e muitos efeitos sonoros. Traz uma dicotomia enigmática a ausência de alimentos na vida da garota e o voraz apetite da enfermeira. Além de instigar a percepção de quem tenta desvendar o que mantém a sobrevivência da jovem. 


A grande sacada do filme é a chegada do repórter do Jornal Daily Telegraph, William Byrne (Tom Burke), que insiste em fazer uma matéria sobre Anna. 

Mesmo impedido pela enfermeira, ele fica pelas redondezas, o que vai mudar totalmente o destino da história e unir quatro personagens, três deles presentes na trama: o repórter, a garota e a enfermeira.

O quarto, supostamente morto, é retratado em meio aos acontecimentos que levam à descoberta do real motivo pelo qual a menina está sem se alimentar. 


Acuada, isolada e sem ninguém que acredite em suas palavras, a enfermeira Lib Wright vai tomar decisões que podem parecer antiéticas, mas que de fato serão o milagre dessa história. 

Destaque para as ótimas interpretações de Florence Pugh e da jovem Kíla Lord Cassidy. Surpreendentemente dramático e estranho, "O Milagre", entre a penumbra e a luminosidade, merece que você acredite nele.


Ficha técnica:
Direção: Sebastián Lelio
Produção: Netflix / Volta Pictures / Element Films
Exibição: Netflix
Duração: 1h48
Classificação: 16 anos
Países: Irlanda, Reino Unido, EUA
Gêneros: drama, suspense

12 dezembro 2020

“O Gambito da Rainha” até agrada, mas pode cansar como assistir a uma demorada partida de xadrez

 

Minisérie, em exibição na Netflix, está na 1ª temporada com sete episódios e é ambientada entre as décadas de 1950 e 1960 (Fotos: Netflix)

Mirtes Helena Scalioni


Desde que foi lançada em outubro, tornando-se o maior sucesso da Netflix, o que mais se ouve em relação a “O Gambito da Rainha” ("The Queen’s Gambit") é: “não é preciso entender de xadrez para gostar da série”. Verdade. A trajetória da órfã Elizabeth Harmon (Anya Taylor-Joy), desde que foi entregue a um orfanato até se tornar uma campeã de xadrez, é capaz sim de despertar o interesse dos espectadores, até porque não se trata de uma menina qualquer.

 
Deixada no orfanato depois que sua mãe morreu em um acidente de carro quando ela tinha nove anos, Beth Harmon sofre com lembranças e traumas. É neste período que ela começa a aprender xadrez até se revelar uma criança-prodígio nesse jogo, reservado praticamente só aos homens na década de 1950. Enquanto a menina – e depois a jovem - revive seu passado, vai revelando ao público o que a faz ter tantos problemas e feridas não cicatrizadas. 


Para quem não sabe, “gambito” é uma manobra de xadrez que consiste em driblar o adversário entregando a ele uma peça importante do jogo para, logo à frente, conseguir vantagens. Claro que o jogo é também uma metáfora da vida sofrida de Beth que, além de ser única num universo dominado por homens, faz uma personagem complexa e contraditória, cheia de vícios e, muitas vezes, disposta à autodestruição.


Cenários e locações deslumbrantes nos Estados Unidos, no México, na França e na União Soviética, também ajudam, assim como os figurinos, impecáveis, que acompanham o crescimento da personagem dos nove aos vinte e poucos anos, do sisudo uniforme do orfanato à leveza dos godês de cinturinha fina até chegar às saias acima dos joelhos. As décadas de 1950 e 1960 estão muito bem representadas no longa. Uma curiosidade: o filme foi adaptado do romance homônimo escrito em 1983 por Walter Tevis.


Além da performance de Anya Taylor-Joy, que enfeitiça o público e cria mistérios com olhares e uma expressão corporal perfeita, há que se destacar a atuação de Marielle Heller como Alma Wheatley, a mãe adotiva de Beth, responsável pelos momentos mais ternos, afetuosos e humanos do longa. Um truque talvez da direção de Scott Frank e Allan Scott para aliviar o olhar do espectador cansado de tantos tabuleiros, bispos, cavalos, torres e partidas. 


Conta-se que a produção de “O Gambito da Rainha” fez questão de contratar profissionais de xadrez como consultores para garantir a realidade dos jogos. Nada, nenhum lance ou deslocamento de peça no tabuleiro é aleatório. Pode ser. O que cansa, na verdade, é o número exagerado de partidas. Quando não está jogando em torneios e campeonatos, Elizabeth está treinando, lendo sobre o jogo ou brincando de jogar com os amigos. Chega a ficar repetitivo.

É certo que, como já foi dito, ninguém precisa entender de xadrez para apreciar a série. Mas é certo também que parece inverossímil alguém levar a vida jogando ou só pensando no jogo dia e noite. Beira o fanatismo. E vai ver que é.


Ficha técnica:
Direção:
Scott Frank e Allan Scott
Exibição: Netflix
Duração: média 60 minutos por episódio (1ª Temporada - 7 episódios)
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Drama / Série

Tags: #OGambitoDaRainha, #NetflixBrasil, #drama, #xadrez, #AnyaTaylor-Joy, #MarielleHeller, #minisérie, @CinemanoEscurinho

26 julho 2020

"Desejo Sombrio" - A vingança é um prato que se come bem devagar

Alma Solares e Darío Guerra vivem um tórrido romance na nova série da Netflix (Fotos: Netflix/Divulgação)

Silvana Monteiro


"Desejo Sombrio" ("Oscuro Deseo") é uma série mexicana produzida pela Argos Comunicación que estreou, dia 15 de julho, a 1ª Temporada no catálogo da Netflix. O suspense dramático já está entre os títulos mais assistidos do momento. A fotografia da série é impecável. As locações são perfeitas e rendem quadros maravilhosos. Alma Solares (Maite Perroni, ex-integrante do grupo musical RBD) é uma mulher bem sucedida, professora universitária de Direito, mãe de Zoe (Regina Pavon), uma jovem irreverente e cheia de conflitos internos, e esposa fiel do famoso e incorruptível juiz Leonardo Solares (Jorge Poza).

O casamento, até então perfeito, começa a dar sinais de alerta. A professora aproveita uma viagem do marido como um vale night. Ela vai chorar as mágoas com  Brenda, sua melhor amiga há décadas. São cúmplices, confidentes e parceiras. Mas será que essa amizade é isso tudo mesmo? Nessa saída noturna, ambas conhecem Darío Guerra (Alejandro Speitzer), um jovem estudante de Direito. Alma passa a noite com ele, mas apesar de ter se deliciado do corpo viril e ardente do moço, ela quer que o fato seja esquecido.


Ah! Mas o destino é traiçoeiro. Na manhã seguinte, a Dra. Solares não vai ter que lidar só com a culpa da infidelidade. Ela terá também que conviver com o fato de que sua amiga está morta e que, de alguma forma, o rapaz nunca antes visto, pode estar ligado ao crime. A partir daí, uma trama cheia de suspense vai se desenrolar.

Brenda cometeu suicídio? Foi morta? Por quem e por quê? Quem é Darío Guerra? Um amante apaixonado ou um sociopata? Essas perguntas são parte do clímax da série. E mesmo atormentando a todos, a Dra. Solares estará loucamente apaixonada pelo misterioso e onipresente estudante. 


Traições, crimes, verdades, mentiras, muito sexo, amor e ódio. Histórias e mortos do passado serão desenterrados. Mais mortes podem acontecer e verdades ocultas virão à tona. Qual a ligação entre Darío Guerra e Brenda e casos investigados no passado pelo juiz Leonardo Solares e seu irmão Esteban?

O enredo é ultra envolvente e tem conexões perfeitas que fazem o telespectador não querer se desligar. É o tipo de história que faz querer ver tudo, sem parar nem mesmo para comer. Ah! Mas de água você vai precisar, pois fogo é o que não falta, tanto no sentido literal, quanto no sentido figurado. Abasteça o squeeze!


A outra parte do clímax da série é o envolvimento de Darío com a família Solares, sobretudo com a jovem Zoe. A dúvida que paira sobre a honestidade do Sr. Juiz e de seu irmão, membro da polícia judicial, faz o telespectador coçar a cabeça e roer as unhas. Se você gosta de tramas forenses, casos policiais, romances proibidos e passionais, provavelmente vai suar com "Desejo Sombrio". Beba muita água e respire fundo: nada é o que parece ser.



Ficha técnica:
Criação:
Leticia López Margalli
Exibição: Netflix
Duração: 35 minutos em média cada episódio
Classificação: 16 anos
País: México
Gêneros: Suspense / Erótico / Série de TV


Tags: #DesejoSombrio, #OscuroDeseo, #MaitePerroni, #suspense, #drama, #intimidade, #policial, #NetflixBrasil, #seriedetv, @cinemanoescurinho, @cinemaescurinho

15 julho 2020

"The Old Guard" faz sucesso na Netflix e pode virar franquia


Charlize Theron comanda um grupo de mercenários que passa a ser perseguido por causa de suas habilidades especiais (Fotos: Aimee Spinks/Netflix)

Jean Piter Miranda


Quatro guerreiros imortais que se passam por pessoas normais. Eles vivem fazendo missões militares, como mercenários. Até aí, tudo bem. O problema aparece quando o segredo deles é descoberto e passam a ser perseguidos. Essa é a história de "The Old Guard", filme de ação com Charlize Theron, baseado na HQ de Greg Rucka, que também é roteirista da produção, em exibição na Netflix.

Desde o seu lançamento no dia 10 de julho, "The Old Guard" vem fazendo grande sucesso nacional e internacional, tendo recebido 80% de aprovação no Rotten Tomatoes. A direção de Gina Prince-Bythewood ("A Vida Secreta das Abelhas" - 2008) e a atuação de Charlize vêm recebendo elogios de fãs dos quadrinhos e de pessoas do meio artístico, como a diretora de cinema Patty Jenkins ("Mulher Maravilha" - 2017) e a atriz Mindy Kaling ("Oito Mulheres e Um Segredo" - 2018).


Tudo começa quando o grupo pega um novo serviço. Do tipo que é só mais um pra eles. O contratante é Copley (Chiwetel Ejiofor), um agente secreto. E aí o que parece ser uma missão normal acaba colocando o grupo na mira da indústria, digamos, farmacêutica, comandada por Merrick (Harry Melling). O empresário quer amostras de DNA dos “heróis” para poder descobrir o que eles têm de especial, fazer disso um produto e vender pra todo mundo.


É um filme de ação e, como a maioria, não dá pra fugir muito dos clichês. Algumas coisas ficam previsíveis. Traição, gente que se arrepende e muda de lado. E muita porrada e tiro, é claro. Nisso o longa é bem bom. Tem várias cenas ação, muito bem feita, sem economizar no sangue e na violência, coisa que agrada muito, por ser mais realista, e por não se ver em produções como as dos estúdios  Marvel e DC, por exemplo.


Charlize Theron manda muito bem na interpretação de Andy, a líder do grupo. Seja nos diálogos ou nas cenas de ação. O filme é dela, mesmo que muito da história gire em torno da personagem Nile Freeman (Kiki Layne). Charlize já se destacou em outros filmes de ação/futurista como "Mad Max: Estrada da Fúria" - 2016, "Aeon Flux" -2005 e o recente "Atômica" - 2017 (o segundo estreia em breve). A atriz que já ganhou um Oscar por "Monster" (2003) segue muito bonita, jovem e extremamente talentosa, aos 44 anos. Dá gosto de ver.


Voltando a "The Old Guard", o filme deixa muitas questões em aberto, como a origem dos personagens e o que poderia ser o ponto fraco deles. Certo é que vai ter continuação. Tem cena pós-crédito, bem fácil de entender. Ao que parece, se der sucesso, pode até virar franquia, mesmo que um ou outro ator deixe o elenco nas sequências.


Pra quem é mais exigente, mais detalhista, e mais chato mesmo, os clichês podem incomodar. Você vê uma e outra situação e tem certeza de já ter visto cenas iguais. É a receita que dá certo para a indústria do cinema, então não dá para arriscar muito. Para quem vai assistir como mero entretenimento, o filme é bem bom. Está consideravelmente acima da média. E tem Charlize, o que já conta muito.


Ficha técnica:
Direção:
Gina Prince-Bythewood
Produção: Skydance Productions / Denver and Delilah Productions
Exibição: Netflix
Duração: 1h59
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Ação/ Fantasia

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22 junho 2019

“Democracia em Vertigem” mostra um Brasil dividido e com o futuro incerto

Documentário de Petra Costa narra os principais fatos políticos do Brasil nas últimas décadas (Fotos: Netflix/Divulgação)


Jean Piter


Sabe aquela sensação repentina de que tudo em volta está girando? A vista embaçada, o mal estar no corpo, os pés que parecem não estar no chão e a incapacidade de fazer algo para dar a fim a essa agonia? É o que podemos chamar de vertigem. E é exatamente essa a reação que o documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, pode provocar. Um retrato melancólico e muito honesto da história recente do Brasil, que vai do processo de redemocratização à chegada da extrema direita ao poder, passando pelo golpe sofrido pela então presidente Dilma Rousseff.


O grande diferencial dessa obra é a crônica pessoal feita pela cineasta. Se Michael Moore faz documentários semelhantes a grandes reportagens, onde ele está ali para ouvir e questionar as pessoas, Petra inova ao ser ao mesmo tempo personagem e condutora da história. Ela narra os principais fatos políticos do Brasil nas últimas décadas. Paralelamente, conta as lembranças que tem da vida de sua família: de um lado, pais militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura, e do outro, parentes que eram grandes empresários da construção civil. Um pé na elite e outro na clandestinidade.


Petra resume com perfeição a história recente do Brasil, em duas horas de documentário que mesclam memórias, registros jornalísticos e imagens de bastidores. A euforia da reabertura da democracia, os protestos e manifestações populares, as eleições presidenciais, o surgimento e a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT), o crescimento econômico e os escândalos de corrupção. Em uma narrativa que não protege ninguém e que não poupa críticas e questionamentos a nenhum dos lados. Passa pelo impeachment de Dilma, pela operação Lava Jato e a divisão do país entre coxinhas e mortadelas.


O ponto alto dessa história são as imagens do arquivo pessoal de Petra e as entrevistas exclusivas com alguns personagens. É um documentário capaz de arrancar lágrimas de tristeza, de indignação e de desesperança. Um retrato fidedigno de uma República de Famílias, de uma jovem democracia que morre um pouco mais a cada dia. Uma obra necessária e que deve ser vista por todos.


Ficha técnica:
Direção: Petra Costa
Produção: Netflix Brasil
Duração: 2h02
Gênero: Documentário
País: Brasil
Classificação: 12 anos

Tags: #DemocraciaEmVertigem, #PetraCosta, #documentário, #NetflixBrasil, #entretenimento, #futuroincerto, #democracia, #cinemaescurinho