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18 novembro 2024

"Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal" - imersão poético sensorial nas vivências de uma mulher negra

A personagem Mackenzie é interpretada por quatro atrizes diferentes que vão representá-la em cada fase da vida (Fotos: A24/Divulgação) 


Silvana Monteiro


A chegada de "Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal" ("All Dirt Roads Taste of Salt") aos cinemas de Belo Horizonte em 21 de novembro não poderia ser mais oportuna. No mês da Consciência Negra e um dia após o feriado nacional que celebra a luta, resistência e o valor ancestral do povo negro, o filme, dirigido por Raven Jackson, apresenta uma narrativa visual e poética que retrata com profunda sensibilidade a trajetória de uma mulher negra no Mississippi ao longo de décadas. 

Com momentos singelos e intensos, a obra se torna um tributo à força, memória e histórias que moldam a identidade da protagonista. Adotando uma estratégia narrativa de poucos diálogos e focando-se nos sons e nas imagens captadas em 35mm, o filme evoca uma conexão profunda com a natureza e o ambiente rural dos anos sessenta, conferindo um significado diferenciado a cada cena. 


O drama, produzido pela A24 e distribuído pela Pandora Filmes, estreou no Festival de Sundance em 2023 ´é uma homenagem à riqueza das emoções humanas e às experiências que moldam uma personalidade.  

Destaque para a abordagem poética e sensorial, oferecendo uma experiência cinematográfica que foge do convencional. Dirigido com uma sensibilidade rara, o filme convida a uma imersão nas camadas da memória e da identidade negra no sul dos Estados Unidos , através da vivência de sua protagonista.

O longa acompanha a vida de Mackenzie, uma mulher negra no Mississippi, desde a sua infância até a idade adulta, revelando suas alegrias, dores e o impacto do tempo, do espaço e das relações. 

A personagem é interpretada por quatro atrizes diferentes para representá-la em cada fase da vida. São elas Mylee Shannon, Kaylee Nicole Johnson, Charleen McClure e Zainab Jah. 


A narrativa é construída como um mosaico, uma coleção de memórias, que se entrelaçam para formar um retrato da vida da protagonista. Os diálogos, minimalistas e precisos, funcionam como complemento à atmosfera, mais do que como condutores da história.

Cada palavra é cuidadosamente escolhida, carregando uma profundidade que ressoa com a experiência vivida. Esse estilo narrativo privilegia o silêncio como uma linguagem própria da obra, onde os gestos, toques e olhares dizem mais que qualquer discurso.


A fotografia é um dos pontos mais fortes do filme. A câmera capta a textura da terra, da pele, dos cabelos; o timbre aveludado das vozes em conversas íntimas; o brilho do sol filtrado pelas árvores e os tons quentes que dominam a paleta visual, ecoando a estética negra que embeleza seus personagens. 

Cada cena é cuidadosamente composta, quase como uma pintura, refletindo a conexão visceral entre a protagonista e sua terra. A forma como a luz é utilizada para destacar os detalhes dos rostos e das paisagens cria uma intimidade visual que aproxima o espectador da experiência intimista dos acontecimentos.

O design de som é outro destaque especial. A trilha sonora, composta majoritariamente por sons ambientes e mínimas músicas instrumentais, cria uma atmosfera imersiva. O espectador é transportado para cada ação desenvolvida pelos personagens, desde o ato de pescar até o manuseio do solo.

Os sons da natureza - o vento passando pelas folhas, o murmúrio de um riacho distante, os grilos - são integrados para intensificar o senso de pertencimento e nostalgia.


A diretora, que também é poeta e fotógrafa, utiliza sua sensibilidade para construir uma ode à ancestralidade e aos momentos que nos moldam de maneira quase invisível. Nesse sentido, a obra se assemelha a "Dias Perfeitos" (2024), em que o simples se torna extraordinário, e o retrato do cotidiano se revela grandioso e vivaz.

"Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal" é uma obra de arte que desafia as convenções narrativas e visuais do cinema tradicional. É uma experiência que exige paciência e contemplação do espectador, recompensando-o com uma profundidade emocional rara. 

Ao capturar a essência negra com tanto respeito e autenticidade, o filme se estabelece como uma raridade. É, sem dúvida, uma obra que merece ser vista e sentida.


Ficha técnica
Direção e roteiro: Raven Jackson
Produção: A24
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: no Centro Cutural Unimed BH-Minas
Duração: 1h18
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: drama, ficção

15 julho 2024

“O Sequestro do Papa” busca fato do passado para falar de fundamentalismo e intolerância religiosa

Atual e sensível, filme é baseado em uma história verídica que chocou a Itália no século XIX
(Fotos: Pandora Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Que ninguém se engane. Embora o título possa induzir, “O Sequestro do Papa” ("Rapito") não é uma comédia. Ao contrário, trata-se de um filme denso, sério, questionador e, acima de tudo, atual. 

Com uma reconstituição perfeita do século XIX, conta a história do garoto Edgardo Mortara, que, aos seis anos, foi raptado de sua casa em Bolonha, para ser criado num seminário em Roma. O longa entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira (18).


Com muita coragem e um elenco afiado, o diretor Marco Bellocchio coloca o dedo na ferida, relembrando um tempo em que Estado e religião se misturavam. 

Na época em que se passa o filme, em 1858, a Itália era comandada com mãos de ferro por Pio IX e, apesar da carolice, faltava compaixão e sobrava a arrogância típica dos donos da verdade.


No auge da autoridade do Papado, a família judia de Momolo Mortara é surpreendida um dia com a chegada dos agentes do Estado/Igreja para levar Edgardo, um de seus oito filhos. 

O menino é retirado à força dos braços dos pais em cumprimento a uma denúncia de que ele havia sido batizado. De acordo com a lei vigente, cristãos não podiam ser criados por judeus pagãos.


A partir desse sequestro, o espectador acompanha a luta de Marianna e Momolo Mortara para reaver o filho, enfrentando viagens a Roma, humilhações e processos até o julgamento do caso, em 1860. A história deles revela um capítulo sombrio da tirania histórica na Igreja tendo como pano de fundo uma nação à beira da revolução. 

Cabe ressaltar a atuação, convincente e comovente, do menino Enea Sala como Edgardo. Aliás, todo o elenco merece aplausos: Leonardo Maltese como Edgardo adulto, Paolo Pierobon como o arrogante Papa Pio IX, Filippo Timi como o cardeal Giacomo Antonelli, Fabrizio Gifuni como o advogado Jussi, Anna Morisi como a babá, Bárbara Ronchi como a mãe Marianna Padovani, Fausto Russo Alesi como Momolo Mortara e outros.


Enfim, “O Sequestro do Papa” é, antes de tudo, um filme político como outros de Marco Bellocchio, que antes dirigiu, por exemplo, “Bom Dia, Noite” (2003).

O longa tem tudo para prender a atenção do público e é uma ótima oportunidade de reflexão para esses tempos de moralismo, lavagem cerebral, intolerância religiosa, investidas fundamentalistas e perigosas misturas de religião e Estado.


Ficha técnica:
Direção: Marco Bellocchio
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h14
Classificação: 12 anos
Países: Itália, França, Alemanha
Gêneros: drama, história

27 junho 2024

Lento e arrastado, “Salamandra” é confuso, mal contado e não prende o espectador

Drama estrelado pela atriz francesa Marina Foïs e o brasileiro Maicon Rodrigues se passa em Olinda e Recife (Fotos: Pandora Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


É possível arriscar que apenas as pessoas que leram o romance do mesmo nome são capazes de entender – e gostar – do filme “Salamandra”, primeiro longa do diretor Alex Carvalho, que estreia no Centro Cultural Unimed BH - Minas. 

A começar pelo lugar onde se passa a história, nada é muito claro no drama estrelado pela atriz francesa Marina Foïs. Não fosse o apoio da Secretaria de Cultura de Pernambuco explícito no início da projeção, o que leva o espectador a deduzir que tudo acontece em Olinda e Recife, sequer a locação estaria clara.


A sinopse do filme, baseado no romance "La Salamandre", de Jean-Christophe Rufin, diz que a história trata da vinda de Catherine (Marina Foïs) para o Brasil, após a morte do pai. 

Aqui, ela pretenderia se reconectar com a irmã, vivida por Anna Mouglalis e casada com Ricardo (Bruno Garcia). Mas logo nos primeiros dias se apaixona pelo jovem Gilberto, interpretado por Maicon Rodrigues, apesar de todas as censuras e desigualdades entre os dois.


A começar pelo título, “Salamandra” deixa muitas pontas soltas, levando o espectador a um verdadeiro jogo de adivinhação. Aos poucos, vai-se descobrindo que o jovem negro Gilberto é uma espécie de rato de praia, vivendo de pequenos trambiques. 

Mas nada abala a paixão da francesa, que se entrega ao romance, apesar das diferenças entre eles. Quem se interessar em pesquisar, vai descobrir que salamandra é um anfíbio semelhante a um lagarto, cuja imagem é associada ao fogo e, com algum esforço, à paixão.


Com duração de cerca de quase duas horas, o filme se arrasta em cenas longas e lentas, inclusive as de sexo entre Catherine e Gil, evidenciando a diferença dos corpos e da cor da pele dos dois. Os demais atores, como Bruno Garcia, Attan Souza Lima (como Pachá, ex-patrão de Gil) e outros, apenas gravitam em torno dos dois protagonistas sem interferência ou vida própria.

Com alguma boa vontade, é possível enxergar algum discurso antirracista e até alguma referência às desigualdades sociais e aos relacionamentos em que a mulher é mais velha do que o homem. Mas é preciso muita boa vontade para gostar de uma história tão mal contada, tão sem pé nem cabeça. Haja paciência pra buscar significados e metáforas.


Ficha técnica
Direção e roteiro:
Alex Carvalho
Produção: NFilmes, Cinenovo, Scope Pictures, coprodução Canal Brasil e Telecine
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed BH - Minas, sala 2, sessão 20h10, somente nos dias 27 e 30 de junho e 2 de julho
Duração: 1h56
Classificação: 18 anos
Países: Brasil, França, Alemanha e Bélgica
Gênero: drama

13 junho 2024

“A Ordem do Tempo” questiona o fluxo da vida e a fragilidade da existência

Obra é inspirada no best-seller homônimo do físico especialista em mecânica quântica, Carlo Rovelli, sobre o fim do mundo (Fotos: Pandora Filmes) 


Silvana Monteiro

Imagine se durante uma celebração entre amigos você descobrisse que o mundo estaria prestes a acabar. Este é o drama italiano "A Ordem do Tempo" (“L’Ordine Del Tempo”), que chega ao Cineart Ponteio, ao Centro Cultural Unimed-BH Minas e ao Una Cine Belas Artes nesta quinta-feira (13). Amigos inseparáveis, que adoram comemorar a beleza e os momentos marcantes da vida, se vêem diante desse dilema. 


A obra, distribuída pela Pandora Filmes, traz uma instigante narrativa inspirada no best-seller de mesmo nome do físico-teórico Carlo Rovelli. Dirigido pela veterana cineasta italiana Liliana Cavani, em colaboração com o roteirista Paolo Costella, o filme apresenta uma perspectiva profunda e intimista sobre a percepção humana de como o tempo é implacável. O tempo é fluxo contínuo? Ele se dá de forma cronológica? Os fatos do presente, passado e futuro estão conexões? E como lidar com ele?


Um dos grandes destaques de "A Ordem do Tempo" é a forma como a autora transmite a temporalidade dos acontecimentos na percepção dos personagens, ora prestes a acabar, ora distante e tenso. Cavani finalizou o longa em 2023, ao completar 90 anos.

A direção de Cavani, reconhecida por seu olhar atento aos dramas humanos, conduz a narrativa com um ritmo pausado e uma atmosfera de tensão latente, permitindo que o público se engaje profundamente com as questões levantadas. 


Entre os sucessos de sua carreira está o polêmico filme "O Porteiro da Noite" (1974), que retrata a relação sadomasoquista entre um ex-oficial de um campo de concentração nazista e uma de suas prisioneiras. 

No elenco, ela conta com a atuação de Alessandro Gassmann, Claudia Gerini, Edoardo Leo, Kseniya Rappoport, Richard Sammel, Valentina Cervi, Francesca Inaudi, Angeliqa Devi, Mariana Tamayo, Fabrizio Rongione, Ángela Molina e Alida Baldari Calabria. 

Ao longo da trama, os amigos e seus cônjuges começam a tecer suposições e a revelar verdades, indagações, emoções e sentimentos guardados. Essa dinâmica de interações e conflitos internos cria um retrato vívido da forma como as pessoas lidam com a iminência do fim.


A atuação é destacada, com os intérpretes conseguindo transmitir a gama de emoções e dilemas experimentados por seus personagens. A construção cuidadosa dos diálogos e a ambientação elegante contribuem para criação de um drama intimista e reflexivo.

Longe de cair em sensacionalismos ou efeitos dramáticos excessivos, o filme mantém uma abordagem contemplativa e introspectiva, explorando as complexidades da percepção do tempo e suas implicações existenciais. 

"A Ordem do Tempo" é um filme que transcende o mero entretenimento, convidando o espectador a refletir sobre a natureza do tempo, a fragilidade da existência e a busca por significado em face da finitude. Uma obra cinematográfica instigante e merecedora de atenção.


Ficha Técnica:
Direção: Liliana Cavani
Roteiro: Liliana Cavani e Paolo Costella, a partir do livro de Carlo Rovelli
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: sala 3 do Cineart Ponteio - sessão de 21h05; sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas - sessão às 20h30; sala 2 do Una Cine Belas Artes - sessão às 18h20
Duração: 1h53
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gênero: drama

04 junho 2024

“Jardim dos Desejos” - quando os espinhos do passado voltam para ferir o presente

Thriller dirigido por Paul Schrader foi premiado nos festivais internacionais de cinema de Cannes, Veneza
e Berlim (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Estrelado por Joel Edgerton, Sigourney Weaver e Quintessa Swindell, estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 6 de junho, o longa “Jardim dos Desejos” ("Master Gardener"), premiado nos festivais internacionais de cinema de Cannes, Veneza e Berlim. 

Distribuído pela Pandora Filmes, o filme apresenta a mudança na vida de um jardineiro que se esconde de seu passado em meio às plantas. Ou seria ele uma metáfora de plantas que parecem inofensivas, mas guardam espinhos? 


O diretor Paul Schrader coloca em sua nova realização personagens que vão, gradualmente, se revelando para o espectador. “Jardim dos Desejos” fecha um ciclo iniciado em 2017 com “Fé Corrompida” (indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original e vencedor do Independent Spirit Award de Melhor Ator para Ethan Hawke). A continuação veio com “O Contador de Cartas”, de 2021, que tem no elenco Oscar Isaac, Tye Sheridan e Willem Dafoe.


Tudo começa quando a Sra. Haverhill (Sigourney Weaver - “Alien”, 1979 e “Êxodo: Deuses e Reis”, 2014), dona dos Jardins Gracewood, pede ao jardineiro Narvel Roth (Joel Edgerton, que também atuou em “Êxodo: Deuses e Reis”) para receber e ensinar o trabalho a Maya (Quintessa Swindell - “Adão Negro”, 2022), sua problemática sobrinha-neta. 

A chegada da jovem instaura o caos naquele ambiente de beleza e serenidade, e também na vida de Narvel, com seu cabelo alinhado estilo militar. 


Nas aparições da Sra. Haverhill e nas interações entre tia e sobrinha-neta, vamos percebendo o perfil da personagem de Sigourney Weaver e a personalidade de Maya. Na aproximação da jovem com o tutor, descobrimos o passado de Narvel - e mais tarde, porque ele chegou ali. 

Durante uma hora e 51 minutos o espectador acompanha um homem de passado violento sendo protetor, se agarrando a uma vida tranquila, e inclinado a retomar a brutalidade de tempos atrás. Não é a primeira vez que o diretor se dedica a investigar sofrimentos, reclusões e mudanças de vida. 


Em “Jardim dos Desejos”, o público se depara com suspense, drama, road movie e personagens entregando arrogância, rebeldia, fragilidade, violência. Encontra também a recompensa em uma estrada que vai se iluminando, se tornando florida quando se abraça à redenção. 

Este é um filme que não precisa de tiros e explosões para impactar. Tem silêncios tão provocativos quanto outros textos elaborados. Assista e decida se essa redenção é, de fato, possível. 


Ficha Técnica:
Direção e roteiro: Paul Schrader
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas e já em exibição na sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas, com sessão às 21 horas
Duração: 1h51
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: thriller, romance, suspense

14 maio 2024

“A Estrela Cadente” é tentativa de paródia que não chega onde deseja

Tim e Kayoko tentam encontrar um sósia para trocar a identidade do amigo Boris, interpretado por Dominique Abel (Fotos: Pandora Filmes)
   

Eduardo Jr.


Chega aos cinemas no dia 16 de maio o longa “A Estrela Cadente” ("L´Étoile Filante"). Dominique Abel e Fiona Gordon protagonizam e ainda assinam o roteiro e a direção do longa. Distribuída pela Pandora Filmes, esta é uma comédia que se pretende paródia de filmes policiais. E fica mesmo na pretensão. O filme poderá ser conferido no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

O longa conta a história de Boris, um fugitivo que leva uma vida tranquila atrás do balcão de um bar. Até que o passado o encontra, na forma de um assassino amputado que carrega uma arma no braço mecânico - e perde esse braço quando tenta atirar em Boris. 


Este cartão de visitas parece dizer que o filme será uma comédia. Mas o flerte com o cinema mudo, com cenas alongadas, de trabalho corporal dotado de um certo exagero e recheado de caras e bocas, tiram a graça de cena para dar lugar ao cansaço. 

A promessa de reviravolta vem quando Tim (Philippe Martz) e Kayoko (Kaori Ito), amigos do protagonista, encontram Dom, um homem idêntico a Boris, e trocam os dois de lugar. 

O que teria tudo pra ser um pastelão e arrancar risos, acaba perdendo força, pois em certos momentos os dois homens (vividos por Dominique Abel) parecem se adaptar às novidades. 


Em linhas gerais, o filme reúne um grande esforço pra colocar tudo na conta do destino (que faz com que a detetive do caso, Fiona, interpretada por Fiona Gordon, seja justamente a ex-mulher do fugitivo). 

Atuações que parecem misturar mímica e palhaçada, e uma junção de personagens estranhos em cenas que não têm muito pra contar. Se o resultado desejado era se aproximar do ridículo, o longa consegue abraçar com louvor esse objetivo.   


Se na história do cinema temos obras que trazem detetives atrapalhados, situações non sense, e roteiros de comédia afiados, aqui não é exatamente o caso. 

“A Estrela Cadente” é um filme sonso. Tem a intenção de ser uma paródia de filmes policiais e investigativos, mas é apenas mais uma cópia fraca. Se você tem 98 minutos disponíveis, boa sorte.  


Ficha Técnica:
Direção, roteiro e produção: Dominique Abel e Fiona Gordon
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h38 minutos
Classificação: 12 anos
Países: Bélgica, França
Gêneros: comédia, policial

22 abril 2024

“Clube Zero” provoca com questões alimentares e alienação

Filme da diretora austríaca Jessica Hausner apresenta uma fotografia geometricamente trabalhada enquanto a trama desenrola temas pesados (Fotos Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Uma sátira sobre modinhas alimentares e os perigos do enfraquecimento dos laços entre pais e filhos no mundo moderno. Esta pode ser uma das definições de “Clube Zero”. A produção austríaca, indicada à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2023, chega os cinemas brasileiros no dia 25 de abril, distribuído pela Pandora Filmes. 

Dirigido por Jessica Hausner, o longa apresenta uma fotografia geometricamente trabalhada, com cores vibrantes, enquanto a trama desenrola temas pesados. É a perfeição diante dos olhos escondendo verdades dolorosas. Uma proposta de um jogo provocativo para o espectador. 


Na trama, Miss Novak, protagonizada por Mia Wasikowska ("A Ilha de Bergman" - 2022 e "A Despedida" - 2021) é uma professora de nutrição recém-chegada a uma escola de alta classe. A admiração dos alunos por ela é percebida logo nas primeiras cenas. Mas o método baseado em comer cada vez menos se torna uma ameaça à tranquilidade da instituição de ensino e dos pais.  

O espectador acompanha algumas cenas como se observasse câmeras de vigilância, posicionadas nas quinas, no alto. E, aos poucos, elas se aproximam, enquanto exibem o método de conquista dos adolescentes e o desenvolvimento daquele conceito estranho de nutrição. 


Mesmo sem aprofundar em alguns pontos, o longa pode fazer o público concordar com a proposta em alguns momentos, por serem utilizados argumentos baseados em defesa ambiental e na conquista de uma imagem socialmente aceitável.

Rapidamente se nota que ali pode estar nascendo uma seita. O grupo vive o conceito de “alimentação consciente” como o elemento que os torna parte integrante de alguma coisa (algo que, como sabemos, todo adolescente deseja). 

A expressão doce da professora Novak contrasta com os temas que a obra tenta pincelar (bulimia, distanciamento dos pais e falta de capacidade dos jovens para contestar verdades consolidadas). 


E a adesão dos jovens é tanta que, eles mesmos, se tornam multiplicadores daquelas regras, pressionando e excluindo quem não segue a cartilha. A repulsa que o público vai experimentando ao longo do filme vai sendo dissolvida no núcleo familiar do aluno bolsista, que inicialmente não adere àquela proposta e come livremente. 

O personagem Ben (vivido por Samuel DeClan Anderson) escolheu participar daquela disciplina para obter a pontuação necessária para uma bolsa integral na escola. Filho de mãe solteira, é pelo alívio financeiro da mãe (papel comovente de Amanda Lawrence), que ele se permite seguir a manada. A mãe de Ben é o ponto de sensatez na obra. E ela invade, com cores e verdade, o ambiente alienado e asséptico dos pais ricos. 


E aí a acidez da diretora Jessica Hausner ganha mais volume. A posição da educadora, a falta de capacidade cognitiva dos pais e a forma escolhida para tentar resgatar os filhos daquela lavagem cerebral expõem uma realidade social que parece ter escala mundial. E é preciso ter estômago pra encarar essa mensagem (e algumas cenas finais também). 

Na construção da história dessa seita, na qual o ato de fé consiste em abrir mão daquilo que nos mantém de pé, vivos, a diretora volta seus olhos para a religião, para provocar o espectador com uma das obras mais conhecidas de toda a história. Resta saber se o público vai engolir essa brincadeira. 


Ficha técnica:
Direção:
Jessica Hausner
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h50
Classificação: 18 anos
Países: Alemanha, Áustria, Catar, Dinamarca, França, Reino Unido
Gêneros: drama, suspense

04 abril 2024

"Uma Família Feliz" - Não se deixe enganar pelas aparências

Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini protagonizam este thriller nacional muito bem produzido
 (Fotos: Globo Filmes)


Marcos Tadeu
Narrativa Cinematográfica


Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini são as estrelas do ótimo longa "Uma Família Feliz", que estreia nesta quinta-feira (4) nos cinemas brasileiros, sob a direção de José Eduardo Belmonte. Ele conta com o escritor e roteirista Raphael Montes (da série "Bom Dia, Verônica") como diretor-assistente. O filme, com produção da Barry Company, tem coprodução com a Globo Filmes e Telecine e distribuição da Pandora Filmes.

Na trama, conhecemos Eva (Massafera), uma artista que cria bebês realistas como forma de arte, enquanto Vicente (Gianecchini) é um corretor bem-sucedido no mercado de ações. O casal tem duas filhas fofas, Ângela e Sara, e Eva está à espera de Lucas. A artista se depara com a angústia da depressão pós-parto em meio a uma vida burguesa supostamente perfeita.


Desde o início, a fotografia e o design de produção destacam como essa família aparenta viver bem e feliz, com um ambiente limpo, jantares fartos, coisas grandes e um carro espaçoso - um modelo de vida perfeita que toda família deseja ter. 

No entanto, as coisas começam a desmoronar quando ferimentos são encontrados no pequeno Lucas e em uma das filhas, levando Eva a questionar sua conduta como mãe e suas relações com os filhos. 

O bebê começa a preferir o pai e rejeita até o leite de Eva. A matriarca, apresentada com uma potência corporal marcante na história, decide tomar medidas para descobrir quem está prejudicando sua família, transitando entre a loucura e a vida perfeita mostrada para a sociedade. 


Grazi Massafera entrega uma de suas melhores atuações após o sucesso na série de TV "Verdades Secretas", com sua personagem Larissa. Reynaldo Gianecchini como Vicente é o típico "paizão", porém passivo-agressivo com sua esposa. A combinação dos dois funciona muito bem e eleva ainda mais a qualidade da obra. 

O filme possui todos os elementos de suspense e mistério de um thriller americano, com o final no começo, um mistério a ser resolvido e as entrelinhas das relações entre os personagens transmitindo muito com poucas palavras. 


Além disso, a questão de uma família burguesa e idealizada com pompa, mas disfuncional devido aos seus mistérios e entrelinhas é outro charme da história. 

No fim das contas, trata-se de questionar que nem tudo é o que parece e que as aparências realmente enganam. Belmonte conduz esses elementos com maestria em uma sinfonia de pompa e caos ao mesmo tempo.

"Uma Família Feliz" sem dúvida entra para a lista dos bons thrillers nacionais e, arrisco dizer, em listas de melhores do ano para aqueles que apreciam o cinema brasileiro. Um filme que questiona os ricos e seus modelos familiares, que vale o ingresso, a pipoca e a discussão pós-filme.


Ficha técnica:
Direção: José Eduardo Belmonte
Roteiro e história original: Raphael Montes
Produção: Barry Company, coprodução da Globo Filmes e Telecine
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h57
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: suspense, drama

27 março 2024

“A Matriarca” aborda conexão entre personagens feridas pela vida

Charlotte Rampling é a protagonista desta produção neozelandesa que soma drama com pitadas de comédia sobre relações familiares (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (28) o longa “A Matriarca”, distribuído pela Pandora Filmes. O filme dirigido por Matthew J. Saville traz a ótima Charlotte Rampling ("Duna: Parte 2") como protagonista de uma história que soma drama com pitadas de comédia. 

Por mais que o nome do filme deixe claro que haverá uma presença feminina no centro da história, o espectador já embarca na história em um carro, acompanhando uma conversa entre pai e filho sobre uma pessoa, e se perguntando “quem será ela?”. 


Eis que ‘ela’ surge na tela, e com olhar penetrante. Charlotte Rampling interpreta Ruth, mãe de Robert (vivido por Marton Csokas, de “O Protetor” - 2014) e avó de Sam (George Ferrier, que atuou na 2ª temporada de “Sweet Tooth”- 2023). Uma mulher cujo temperamento parece ser sua marca registrada. 

E o que apenas ‘parece’ se confirma quando ela abre a boca. A acidez desta avó, que não tem ligações com o neto, dá o tom da relação que ela vai, então, estabelecer com Sam, recém-expulso de um colégio interno. 


Ruth é uma fotógrafa aposentada, correspondente de guerra, que viveu muita coisa e que bebe mais ainda, enquanto encara um problema de saúde, sob a supervisão da enfermeira Sarah (Edith Poor). Quem cuidará dela é o neto rebelde. 

A conexão entre eles, que tem tudo para dar errado, vai caminhando entre espinhos e prendendo a atenção do espectador, que tem a chance de descobrir porque os dois chegaram naquele lugar, os motivos das feridas que carregam, e algumas das questões com as quais precisamos lidar na vida.    


É um drama, mas a comédia também marca presença. Não só no humor de Ruth, mas também na construção do encontro dos personagens, na postura deles diante do desenrolar da nossa existência. Prova de que a arte imita a vida é que essa história partiu de uma experiência pessoal do diretor. 

Colocar essa memória na telona parece ter sido um acerto. O filme foi ganhador do Prêmio de Melhor Atriz no Bifest - Bari International Film Festival. E promete ganhar elogios de quem for ao cinema assistir. É um bom filme.


Ficha técnica
Direção e roteiro:
Matthew J. Saville
Produção: New Zealand Film Commission, Celsius Film
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h34
Classificação: 16 anos
País: Nova Zelândia
Gêneros: drama, comédia

19 março 2024

“O Primeiro Dia da Minha Vida” é drama filosófico sobre assunto tabu

Quatro pessoas, unidas pelo mesmo objetivo, são orientadas por um estranho para que possam rever suas escolhas (Fotos: Maria Marin PH)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros no dia 21 de março um longa de temática “ousada” - afinal, suicídio é assunto delicado. O autor da proeza é o diretor Paolo Genovese que, baseado em um romance de sua própria autoria, traz no longa “O Primeiro Dia da Minha Vida” ("Il Primo Giorno Della Mia Vita") quatro pessoas que recebem a chance de rever suas escolhas (não necessariamente em vida). A distribuição é da Pandora Filmes. 

Na trama, os quatro indivíduos são abordados pelo protagonista, vivido por Toni Servillo. Para definir esse protagonista, “misterioso” seria a palavra ideal, pois nem nome ele tem. Mas sua chegada tem um propósito: fazer essas pessoas que optaram pelo autoextermínio avaliarem se irão, de fato, prosseguir com isso, ou se darão uma chance a uma nova vida, sem o peso dessa escolha drástica. 


A partir da relação entre os quatro suicidas, se abrem pautas polêmicas (principalmente para a nossa cultura), como, por exemplo, o que acontece após a morte, qual destino nos espera depois do fim, e as motivações e consequências ligadas à escolha de encerrar antes da hora sua passagem nessa terra.

Essas questões partem das dores que levaram cada uma das personagens àquele lugar. No grupo estão uma ginasta paraplégica, presa a uma cadeira de rodas, um youtuber mirim que não queria a fama, uma mãe que perdeu a filha e um coach motivacional que não vivia aquilo que pregava. 


E quem os orienta é o protagonista, uma espécie de anjo ou agente da morte. Tudo se passa em uma Itália que se afasta dos famosos cartões postais - talvez uma alusão do diretor a uma cidade não identificada, tal qual o além para nós, que aqui estamos. 

Se o tema parece denso, a direção consegue inserir leveza, reflexões e uma pitada de humor. Não só por conta do roteiro, mas pelas personagens construídas e por algumas interpretações. Destaque para o carismático garoto Gabriele Cristini. Não é uma obra que leva a um clímax exuberante, mas também não provoca sono. 


Embora a música marque presença sem muita originalidade (talvez até meio clichê), a acidez do texto em certos momentos e algumas escolhas de filmagem, como a câmera que passeia acima do cemitério, exibindo uma “cidade dos mortos” tiram o espectador do marasmo. 

Pode ocorrer também um incômodo diante dos diálogos e provocações acerca das motivações, das convenções sociais e morais. E aí “O Primeiro Dia da Minha vida” cumpre seu papel. Faz com que o público saia diferente do cinema com essa experiência, ou leve consigo algo dessa obra. 

Concordando ou não com a resposta apresentada em certo diálogo do filme sobre a vida e o autoextermínio, o longa traz questões filosóficas a partir do carisma do elenco e de uma proposta interessante.      


Ficha técnica:
Direção: Paolo Genovese
Produção: Lotus Production
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h01
Classificação: 16 anos
País: Itália
Gênero: Drama

29 fevereiro 2024

Filme “Eu, Capitão” expõe drama de refugiados de maneira condescendente

Seydou Sarr e Moustapha Fall dão vida a Seydou e Moussa, dois primos senegaleses que são os protagonistas desta história (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Com a bagagem de 11 prêmios conquistados no Festival de Veneza, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (29), o filme “Eu, Capitão”. Com distribuição da Pandora Filmes, o longa do diretor italiano Matteo Garrone ("Gomorra", 2008) conta a história de dois adolescentes que sonham em sair da África e viver na Europa. 

Embora seja um assunto já saturado pelos telejornais, o longa conseguiu um feito: está entre os indicados ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional. 

Parte dessa conquista se deve aos protagonistas. Seydou Sarr e Moustapha Fall dão vida a Seydou e Moussa, primos senegaleses que nos convidam - com muita expressividade - a embarcar nessa viagem. 


Os jovens trabalham escondido para juntar dinheiro e custear a viagem clandestina rumo à Europa. Como todo adolescente, eles ignoram a mensagem do velho curandeiro (que mais parece um alerta) para olharem para seus antepassados. 

A história mostra de forma clara (ou seria na pele clara?) que o velho continente não quer abrir espaço para eles ou seus sonhos. Mas eles partem assim mesmo. 

Ao abordar a crise dos refugiados e exibir um passo a passo da travessia clandestina, fica claro que a violência, o desespero e a volta por cima marcarão presença no filme. O problema é que a obra não se detém no "por que" ou no "quem ganha com isso" ao expor as peças de uma engrenagem de exclusão, ou a exploração que alguns negros praticam contra outros negros. 


As camisas de grandes times de futebol europeu estão lá no figurino, mas o que esses clubes têm com isso ou o que fazem para aplacar a dor daqueles migrantes? Essa pergunta parece não interessar ao diretor, que se apoia em uma dura e triste realidade para contar uma história, mas a vende como ficção ao ignorar questões importantes. 

O diretor revelou, em uma entrevista de divulgação, que ouviu a história de um garoto de 15 anos que pilotou sozinho um barco de refugiados a caminho da costa italiana, salvando todos os passageiros.  


O longa consegue transmitir a ideia de uma saga. Os adolescentes viajam de ônibus, caminhão-baú, embarcam numa caminhonete, e atravessam o deserto a pé. Só isso já seria suficiente para mostrar que a travessia é longa e sofrida, mas as cenas no deserto, por mais bonitas que possam ser, não livram o espectador de um certo cansaço. 

A compensação vem de algumas construções, que flertam com o onírico, com a poética mitologia local, e da mensagem de que tudo o que essas pessoas têm, são uns aos outros, simbolizada na rede de apoio criada para que possam se ajudar quando longe da terra mãe. Destaque para a cena do anjo na prisão. 


Como o título sugere, o capitão vai pilotar o barco de refugiados. E é de se esperar sucesso na missão. Claro, a viagem não será um mar de rosas. Mas o longa cumpre seu papel de entregar uma saga (mesmo vendendo a ideia de que chegar a um país estrangeiro sem nada é uma vitória). 

Além do desafio da travessia, o longa também terá outro caminho difícil: desbancar os correntes ao Oscar na mesma categoria. “Eu, Capitão” concorre com “A Sociedade da Neve”, “Dias Perfeitos”, “A Sala dos Professores” e “Zona de Interesse”. A cerimônia de entrega da estatueta dourada acontecerá em Los Angeles, no dia 10 de março. 


Ficha Técnica:
Direção:
Matteo Garrone
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: no Cineart Ponteio e no Centro Cultural Unimed-Minas
Duração: 2h01
Classificação: 14 anos
Países: Itália, Bélgica, França
Gêneros: drama, suspense, guerra