O indicado ao Oscar, Lucas Hedges, foi escolhido para interpretar o jovem problemático (Fotos:Tobis Film/Divulgação)
Mirtes Helena Scalioni
É véspera de Natal e uma família aparentemente feliz se prepara para a grande festa cristã. Fica claro, de início, que o grupo - pai, mãe e três filhos - leva a sério a religião. Tudo parece perfeito. Nada parece faltar. É a partir da chegada de um quarto filho, Ben, que surpreende todo mundo ao voltar inesperadamente da clínica onde faz tratamento para se livrar das drogas, que o espectador descobre que nem tudo vai tão bem.
É a partir daí também que a mãe Holly Burns, interpretada na medida por Julia Roberts, mostra que está disposta a apostar todas as suas fichas e correr todos os riscos para receber o filho desajustado em casa, mesmo sabendo de todos os perigos que ele representa.
"O Retorno de Ben" ("Ben Is Back") é escrito e dirigido por Peter Hedges que, a pedido de Julia Roberts, colocou o próprio filho, Lucas Hedges, no papel do problemático Ben. Segundo contam, a estrela teria gostado muito do jovem no filme "Manchester à Beira-mar" e, assim que o diretor a convidou para o papel, sugeriu o nome de Lucas e apostou no seu talento. Sábia Julia. Embora em interpretação comedida, o menino se sai bem, sem muitos arroubos, mas criando desde o início algum laço com o espectador, que sofre com ele e torce para que ele consiga vencer o vício e se integrar à família.
Completam o elenco, em interpretações corretas, Courtney B. Vance como Neal Burns, o marido de Holly, e Kathryn Newton como Ivy Burns, a filha adolescente que parece duvidar da recuperação do irmão. Mas quem brilha mesmo é Roberts, a mãe leoa que não mede esforços para salvar o filho viciado. Ícone de beleza, a atriz chega a ficar feia e sem charme em alguns momentos, quando o que importa é simplesmente salvar seu filho em perigo. Um papel de total entrega.
O longa de Hedges é sério, bem feito, segura o público na tensão durante os 102 minutos em que mãe e filho não se desgrudam e lutam como se fossem um só contra a tentação e a recaída. Mas pode perder brilho e força por ter sido lançado tão próximo de outro, "Querido Menino", obra-prima de Felix Van Groeningen que parece definitiva quando se trata do tema de drogas.
Duração: 1h42 Classificação: 14 anos Distribuição: Diamond Films
Steve Carell e Timothèe Chalamet interpretam pai e filho vivendo o drama para vencer o vício que desestrutura toda a família (Fotos: François Duhamel/Amazon)
Mirtes Helena Scalioni
Há filmes, às vezes até fortes, dos quais a gente se esquece assim que sai do cinema ou, no máximo, no dia seguinte. Não é o caso de "Querido Menino" ("Beautiful Boy"), drama dirigido por Felix Van Groeningen, baseado em fatos reais. Possivelmente, durante algum tempo, o espectador vai refletir e tentar compreender a dor e a aflição daquele pai que faz o impossível para salvar o filho das drogas. Histórias sobre jovens drogados há muitas. Mas essa é diferente. E impacta de forma tão contundente exatamente porque não se limita ao maniqueísmo. Não há lições de moral, demonização, vilões nem mocinhos. Não há culpados nem inocentes.
David Sheff é um jornalista e escritor bem sucedido que vive numa casa linda com sua segunda mulher Karen e três filhos: os dois menores, lindos e saudáveis, e o adolescente Nic, fruto do seu primeiro casamento com Vick. A vida seria um permanente comercial de margarina se Nic não tivesse se metido com drogas pesadas. O mais inesperado é que pai e filho vivem bem. Não brigam, são amorosos um com o outro, têm cumplicidade e afeto. Ou seja: ninguém errou. O menino foi bem criado, ia bem na escola, era amigo dos irmãos. A pergunta que fica é: como isso pode acontecer?
Essa é, aliás, a pergunta que David Sheff se faz durante todo o filme. O olhar e as expressões dele refletem isso. Numa interpretação mais do que brilhante de Steve Carell, esse pai que ama desesperadamente o filho é incansável nas inúmeras tentativas de recuperar o menino em suas repetidas recaídas. E a luta é árdua e longa. Tão longa que Nic é interpretado por dois atores, em duas fases da vida: Timothèe Chalamet quando adolescente, e Jack Dylan Grazer aos 12 anos. Ambos estão muito bem. E para quem não está ligando o nome à pessoa, vale lembrar que Chalamet foi o adolescente de "Me Chame Pelo Seu Nome", em atuação muito elogiada.
Embora o público costume valorizar a interpretação de drogados e malucos, no caso de "Querido Menino", os aplausos mais veementes são mesmo para Carell, que soube transmitir, com maestria e muita emoção, o sofrimento e as dúvidas do pai, às vezes paralisado diante de tanto cansaço e dor. Completam o elenco, Maura Tierney como Karen, Amy Ryan como Vick, mãe de Nic, e Kaitlyn Dever como Lauren, a amiguinha drogada.
Uma curiosidade: a expressão "beautiful boy" do título em inglês é uma referência à bela canção que John Lennon fez para o seu filho Sean. Em momento comovente do filme, ela é cantarolada pelo pai. Aliás, é preciso dizer, a trilha sonora do longa é expressiva e bela e pontua com perfeição os conflitos e dramas dos personagens.
"Querido Menino" é todo contado em flashbacks. Portanto, é aos poucos que o espectador vai costurando a relação do pai com o filho, vai compreendendo a estrutura daquela família tão comum quanto afetuosa e, claro, vai sofrendo como todos porque nada pode ser feito. É como uma fatalidade, da qual não se pode escapar. É como se não houvesse esperança.
Duração: 2h01 Classificação: 14 anos Distribuição: Diamond Films