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26 abril 2024

"Plano 75" expõe o envelhecimento e a finitude da vida

No drama japonês, governo oferece incentivo financeiro e logístico para os cidadãos com mais de 75 anos que desejarem se submeter à eutanásia (Fotos: Sato Company)


Silvana Monteiro


Dirigido por Chie Hayakawa, chega aos cinemas brasileiros o filme japonês "Plano 75". O longa aborda as crises etária e de saúde enfrentadas pelo Japão, devido ao envelhecimento da população e à baixa taxa de natalidade. 

Em tempos de discussão sobre “Tio Paulo” um senhor supostamente já sem vida, conduzido pela sobrinha até uma agência bancária para fazer um empréstimo, situação esclarecida posteriormente, o tema é bem atual. Na reportagem, o dinheiro do empréstimo seria usado na reforma da casa do idoso para torná-la mais acessível e aconchegante, já que devido ao uso de cadeiras de rodas, ele passou a morar na garagem do imóvel.


Num futuro próximo, o governo japonês introduz o programa Plan 75, oferecendo incentivo financeiro e logístico para os cidadãos com mais de 75 anos que desejam se submeter à eutanásia. 

Os idosos que optarem pelo procedimento voluntário devem receber uma quantia considerável em troca. Esse dinheiro pode ser utilizado pela pessoa antes de sua morte em qualquer projeto ou deixado como herança para seus familiares. 

A questão é que, para aceitar as condições do plano, a pessoa não precisa do aval de nenhum parente ou responsável, tudo é facilitado para que ela consiga assinar o contrato de adesão. 

Maria's Friend (Sheryl Ichikawa) é uma cuidadora imigrante das Filipinas que trabalha no Japão e aparenta ter cerca de 40 anos; Hiromu (Hayato Isomura) trabalha como atendente em uma repartição do governo e aparenta ter 30 e poucos anos; e Michi (Chieko Baisho) ainda faz faxina aos 78 anos.


Explorando acontecimentos na vida desses três personagens e de suas conexões pessoais e sociais, o filme mostra as angústias em torno da vida do trabalhador que busca uma estabilidade econômica, assim como os idosos que tentam equilibrar o social e o emocional.  

A interpretação no filme é marcante, especialmente a atuação da veterana Chieko Baisho, que entrega uma performance crua e comovente, transmitindo a solidão e a fragilidade da personagem. Os demais atores também desempenham bem seus papéis, destacando-se Hayato com sua leveza e empatia ao receber os idosos em suas angústias e dificuldades. 

A fotografia do filme, assinada por Hideho Urata, é notável. Ela cria uma atmosfera melancólica, refletindo a temática perturbadora do envelhecimento da população e da eutanásia. As imagens capturam os contrastes entre a beleza serena da paisagem e a angústia dos personagens, contribuindo para a narrativa visual da obra.


A direção de Chie Hayakawa se volta à contemplação e à delicadeza dos temas abordados. O filme apresenta uma série de histórias interconectadas, mostrando diferentes perspectivas em relação ao Plano 75. Hayakawa consegue transmitir a urgência e a complexidade do assunto, bem como abordar questões éticas e morais relacionadas à eutanásia.

O filme desafia o espectador a refletir sobre o envelhecimento da população e as escolhas difíceis que podem surgir em um futuro próximo. A obra cria uma distopia perturbadora que levanta questões sobre a dignidade humana, a responsabilidade do governo e o valor da vida. Embora seja um filme delicado e contemplativo, também carrega uma raiva palpável em relação à crueldade disfarçada de compaixão.


São bem interessantes e reflexivas as cenas em que, além da solidão e fragilidade transmitidas pela personagem de Michi, ela se encontra com suas amigas idosas. Os diálogos demonstram sonhos e questionamentos marcados pela temporalidade da vida e dos acontecimentos. 

Mesmo em um cenário que aborda a dureza da luta pela vida, no papel da arrumadeira Maria, e da própria busca de Michi por “um final” menos preocupante, o filme pode oferecer espaço para discutir o papel do cuidado e da empatia na sociedade. Isso é destacado em pequenos gestos de compaixão que podem fazer a diferença na vida das pessoas, especialmente daquelas que se encontram em situações vulneráveis. 

Mesmo sem grandes arroubos e plot twists, "Plano 75" é uma produção impactante, que oferece uma crítica social contundente e convida o público a refletir sobre dilemas éticos e morais, como envelhecimento, longevidade, etarismo, saúde da pessoa idosa e finitude da vida.


Ficha técnica
Direção:
Chie Hayakawa
Produção e Distribuição: Sato Company
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h53
Classificação: 14 anos
Países: Japão, França, Filipinas
Gêneros: drama, suspense

29 julho 2021

Envelhecer num piscar de olhos é só uma questão de "Tempo”

Novo suspense de M. Night Shyamalan traz mistério arrepiante envolvendo um grupo abandonado numa ilha (Fotos: Universal Pictures/Divulgação)


Carolina Cassese


Provavelmente nunca reparamos tanto no tempo quanto nesta pandemia. Há quem diga que “está passando muito rápido”, enquanto outros inferem que “parece que nada acontece e de que estamos vivendo essa crise sanitária há 10 anos”. E, por mais surpreendente que pareça, há pessoas que consideram ambas as afirmações verdadeiras. Isso provavelmente porque nossa sensação é de que esse momento nunca foi tão distorcido e afetado por imprevisíveis eventos externos. 


Vivemos na sociedade da pressa, onde somos estimulados a ser multitarefa, onde “tempo é dinheiro” e a produtividade é um valor central. Diante desse cenário que enfrentamos e de novas questões que emergem a partir dele, "Tempo" ("Old"), o novo thriller de M. Night Shyamalan, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas. O diretor é responsável por outros suspenses instigantes como a trilogia "Corpo Fechado" (2000), "Fragmentado" (2017) e "Vidro" (2019), além de "A Visita" (2015) e “Sexto Sentido" (1999).

Baseado na história em quadrinhos "Castelo de Areia", de Pierre Oscar Lévy e Frederik Peeters, "Tempo" é mais um daqueles filmes que seria assistido com outros olhos se tivesse sido lançado antes da pandemia. Ou antes do Capitalismo 24/7,caracterizado por Jonathan Crary em seu primeiro livro, que traça um panorama de um mundo onde o ser humano não tem limites de tempo e espaço.


A premissa aqui é intrigante: acompanhamos a família Cappa, integrada por Guy (o premiado ator Gael Garcia Bernal), a esposa Prisca (Vicky Krieps) e os dois filhos, durante as férias de verão, quando viajam para uma remota ilha tropical. No momento em que eles e mais um grupo de viajantes são levados por um funcionário do resort (que logo os abandona) para uma praia deserta, acontecimentos sinalizam que algum fenômeno incomum paira sobre o local. 

Eles logo começam a se dar conta: todos estão envelhecendo mais rapidamente, anos inteiros passam em questão de minutos. Para que não morram num piscar de olhos, o grupo precisa encontrar alguma saída da misteriosa praia ou uma solução para interromper o chocante fenômeno.


A partir daí, conhecemos melhor nossos personagens e suas respectivas questões. Praticamente todos escondem algum segredo ou possuem uma condição suspeita, o que dificulta a convivência do grupo na ilha. A história é repleta de pequenos atos de tensão, que de fato nos deixam aflitos e torcendo firmemente por alguns personagens.

Certas figuras da história e a relação delas com o tempo são especialmente interessantes. É o caso da personagem Chrystal (Abbey Lee), uma mulher que vive para as aparências (e para mostrar ângulos perfeitos no Instagram). Quando começa a envelhecer é como se a vida tivesse perdido o sentido para ela, já que seu valor estava atrelado à estética. 


Apesar de a crítica ser explícita, talvez a temática, ainda tão presente mesmo com a ascensão de uma nova onda do feminismo, poderia ter sido melhor explorada na obra. O mesmo se aplica acerca da questão racial, relevante para diversos acontecimentos da trama, mas pouco desenvolvida.

É no mínimo interessante perceber o impacto da aceleração do tempo nos conflitos e nas diferentes subtramas. “Agora nossa briga parece tão boba”, pontua um dos personagens. De fato, algumas questões se dissolvem, parecem completamente insignificantes diante da grande ameaça que eles enfrentam e, claro, diante do envelhecimento repentino.


Um dos pontos fortes do filme é a adequada vertigem que ele nos causa, inclusive porque o diretor nos faz experimentar várias das sensações e das debilidades dos personagens, como a quase total falta de visão e audição. 

A conexão com o sobrenatural, tema bastante presente na obra de Shyamalan, é claramente uma temática importante para "Tempo". No entanto, o final parece querer escapar um pouco desse eixo e soa explicativo demais, especialmente para quem esperava um encerramento mais aberto ou subjetivo. 


O longa definitivamente não foi recebido com unanimidade pela crítica. Enquanto alguns veículos classificaram o thriller como “intrigante” e “imersivo”, outros pontuaram que a execução da obra é “sofrível” e que o humor é “constrangedor”. O público também parece estar dividido: no site Rotten Tomatoes, uma das principais plataformas de crítica cinematográfica do mundo, 52% das pessoas afirmaram gostar do filme. 

Diante desse impasse, não parece coerente dizer: “corra para os cinemas, você com certeza irá amar”. Mas é claro, para fãs de Shyamalan, interessados na premissa e dispostos a se perder um pouco nessa ilha deserta, vale conferir e formar a própria opinião - e ainda, quem sabe, refletir um pouco sobre a nossa relação com os ponteiros do relógio.


Ficha técnica:
Direção, roteiro e produção: M. Night Shyamalan
Produção: Blinding Edge Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: Nos cinemas
Duração: 1h48
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gênero: Suspense