Mostrando postagens com marcador #etarismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #etarismo. Mostrar todas as postagens

28 maio 2024

Com Anne Hathaway, “Uma Ideia de Você” aborda temas que ainda são tabus nos dias de hoje

Comédia romântica é um entretenimento leve, ideal para ser assistido numa sessão da tarde e debatido
numa boa conversa de bar (Fotos: Prime Video)


Jean Piter Miranda


Solene (Anne Hathaway) é uma mulher que acaba de completar 40 anos. Recém-divorciada e com uma filha adolescente, ela não viveu outro romance desde que se separou do marido. Entretanto, a vida pacata dela muda completamente e de forma inesperada. 

Por um acaso, ela conhece Hayes Campbell (Nicholas Galitzine), um astro da música pop de apenas 24 anos. Os dois se apaixonam e, aí, pagam para ver no que vai dar. Esse é “Uma Ideia de Você” ("The Idea Of You"), novo filme do diretor Michael Showalter (“Os Olhos de Tammy Faye”, 2021 e “Doentes de Amor”, 2017), disponível no Prime Vídeo. 


A história começa quando Izzy (Ella Rubin), filha de Solene, está se preparando para ir ao famoso festival de Coachella com os amigos adolescentes. Eles estão indo conhecer a banda August Moon, a mais famosa boyband do momento. Desses grupos, compostos por jovens que cantam e dançam, como o Backstreet Boys e o 'N Sync foram para outras gerações. 

Daniel (Reid Scott), o ex-marido de Solene, era quem levaria a filha ao festival. Mas, de última hora, ele fica impedido de ir. Sobra então para ela a missão de acompanhar os adolescentes. Eles compraram pacotes especiais para o festival, com direito a participar de uma sessão de autógrafos com os integrantes da August Moon. É nesse momento que o casal do filme se conhece. 


Como em toda comédia romântica, Solene e Hayes passam por momentos um tanto constrangedores. Situações que são engraçadas e vão aproximando o casal. Aquele jogo de um fazer charme para o outro. Quando os dois querem, mas um quer mais que o outro. É o que vai gerando a química para o casal. E, neste caso, funciona. 

É claro que os dois ficam juntos e iniciam uma “lua de mel”. Isso é bem previsível. A diferença de idade é o grande problema entre eles. Mais dos que isso, é um dilema. Se podem ou não, se devem ou não, como as outras pessoas vão enxergar esse relacionamento e como o casal vai reagir a tudo isso. Se ficam juntos em segredo ou se assumem publicamente o romance. 


O cinema sempre teve o poder de promover debater. De levar determinados temas para a telona que depois podem repercutir em outros meios. Em tempos de redes sociais, isso é uma certeza. É quase instantâneo. Todos os filmes são comentados e até pautam reportagens, podcasts e programas de TV. Há casos que ecoam muito mais quando influencers e celebridades opinam sobre os temas abordados no filme. 

“Uma Ideia de Você” traz vários temas à tona sem se aprofundar em nenhum deles. A mulher mais velha pode namorar um rapaz mais jovem? Isso pode durar? É empoderamento feminino? É etarismo achar que esse tipo de relacionamento é errado? Temos que nos preocupar com a forma com que os outros vão enxergar tudo isso? Dá pra refletir sobre muita coisa. 

Ao longo da trama, como não podia ser diferente, o romance chega aos sites de notícias de celebridades. Com as manchetes mais sensacionalistas possíveis. Muitas são cruéis, preconceituosas e apelativas. É a era do clickbate, de monetizar a audiência, do vale tudo por mais um clique ou um like. Algo bem comum de vermos no mundo real. No filme, isso é turbulento para o casal. 


Solene tem então que lidar com as reações de pessoas conhecidas e de estranhos. Isso afeta as relações com os amigos, com a filha e até mesmo com o ex-marido. São problemas bem críveis, que certamente poderiam ocorrer em uma situação dessas, onde um jovem astro namora uma mulher mais velha. 

Em uma leitura mais profunda, dá para analisar outras situações do filme. Se em décadas passadas os adolescentes seguiam com fãs de determinadas bandas até o início da fase adulta, agora essa transição é muito mais rápida. Uma menina de 16 anos pode já não mais gostar dos ídolos que ela tinha aos 14 ou 15 anos. É um reflexo do nosso tempo. 


Comentários cruéis em redes sociais que podem levar pessoas à depressão ou a coisas piores, também são um reflexo dos dias atuais. Dá pra ver um pouco disso no filme, mesmo não sendo este o foco. E dá pra refletir depois sobre os temas. 

Em outras comédias românticas, dentre as mais conhecidas, muito casais foram formados por um homem mais velho e uma mulher mais jovem. E isso nunca foi problema. O cara rico e/ou famoso com a menina pobre. Agora, uma mulher mais velha com um rapaz mais novo nunca foi visto como algo natural. E, em pleno 2024, ainda não é.  

Um jovem rico e famoso se apaixonar por uma mulher mais velha é o que essa história tem de diferente. Com Anne Hathaway como protagonista, o incomum seria o rapar não se apaixonar. Ela está linda (sempre foi) e nem de longe aparenta 41 anos que tem na vida real. 


A história se desenrola sem grandes reviravoltas. As situações cômicas são bem comedidas. Anne Hathaway e Nicholas Galitzine cumprem bem seus papeis, com boas interpretações. Formam um casal bonito e carismático, com boa química na tela que faz com que a gente torça por eles. 

O ator confirmou que estudou muito as características e o jeito de falar do cantor Harry Styles, que inspirou o personagem, para incorporar Hayes Campbell.

“Uma Ideia de Você” está longe de ser uma obra que vai participar das principais premiações do cinema. E nem será daquelas comédias românticas que marcam época. É um filme bom, bem feito, que cumpre o que propõe. 

Pode ser assistido como um passatempo, uma “sessão da tarde”. Mas também pode ser um ponto de partida para boas reflexões e boas conversas de bares. E o principal: tem Anne Hathaway. Pra quem é fã, sempre vale a pena. 


Ficha técnica:
Direção: Michael Showalter
Produção: Amazon MGM Studios
Distribuição: Prime Video
Exibição: Prime Video
Duração: 1h55
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: romance, comédia

26 abril 2024

"Plano 75" expõe o envelhecimento e a finitude da vida

No drama japonês, governo oferece incentivo financeiro e logístico para os cidadãos com mais de 75 anos que desejarem se submeter à eutanásia (Fotos: Sato Company)


Silvana Monteiro


Dirigido por Chie Hayakawa, chega aos cinemas brasileiros o filme japonês "Plano 75". O longa aborda as crises etária e de saúde enfrentadas pelo Japão, devido ao envelhecimento da população e à baixa taxa de natalidade. 

Em tempos de discussão sobre “Tio Paulo” um senhor supostamente já sem vida, conduzido pela sobrinha até uma agência bancária para fazer um empréstimo, situação esclarecida posteriormente, o tema é bem atual. Na reportagem, o dinheiro do empréstimo seria usado na reforma da casa do idoso para torná-la mais acessível e aconchegante, já que devido ao uso de cadeiras de rodas, ele passou a morar na garagem do imóvel.


Num futuro próximo, o governo japonês introduz o programa Plan 75, oferecendo incentivo financeiro e logístico para os cidadãos com mais de 75 anos que desejam se submeter à eutanásia. 

Os idosos que optarem pelo procedimento voluntário devem receber uma quantia considerável em troca. Esse dinheiro pode ser utilizado pela pessoa antes de sua morte em qualquer projeto ou deixado como herança para seus familiares. 

A questão é que, para aceitar as condições do plano, a pessoa não precisa do aval de nenhum parente ou responsável, tudo é facilitado para que ela consiga assinar o contrato de adesão. 

Maria's Friend (Sheryl Ichikawa) é uma cuidadora imigrante das Filipinas que trabalha no Japão e aparenta ter cerca de 40 anos; Hiromu (Hayato Isomura) trabalha como atendente em uma repartição do governo e aparenta ter 30 e poucos anos; e Michi (Chieko Baisho) ainda faz faxina aos 78 anos.


Explorando acontecimentos na vida desses três personagens e de suas conexões pessoais e sociais, o filme mostra as angústias em torno da vida do trabalhador que busca uma estabilidade econômica, assim como os idosos que tentam equilibrar o social e o emocional.  

A interpretação no filme é marcante, especialmente a atuação da veterana Chieko Baisho, que entrega uma performance crua e comovente, transmitindo a solidão e a fragilidade da personagem. Os demais atores também desempenham bem seus papéis, destacando-se Hayato com sua leveza e empatia ao receber os idosos em suas angústias e dificuldades. 

A fotografia do filme, assinada por Hideho Urata, é notável. Ela cria uma atmosfera melancólica, refletindo a temática perturbadora do envelhecimento da população e da eutanásia. As imagens capturam os contrastes entre a beleza serena da paisagem e a angústia dos personagens, contribuindo para a narrativa visual da obra.


A direção de Chie Hayakawa se volta à contemplação e à delicadeza dos temas abordados. O filme apresenta uma série de histórias interconectadas, mostrando diferentes perspectivas em relação ao Plano 75. Hayakawa consegue transmitir a urgência e a complexidade do assunto, bem como abordar questões éticas e morais relacionadas à eutanásia.

O filme desafia o espectador a refletir sobre o envelhecimento da população e as escolhas difíceis que podem surgir em um futuro próximo. A obra cria uma distopia perturbadora que levanta questões sobre a dignidade humana, a responsabilidade do governo e o valor da vida. Embora seja um filme delicado e contemplativo, também carrega uma raiva palpável em relação à crueldade disfarçada de compaixão.


São bem interessantes e reflexivas as cenas em que, além da solidão e fragilidade transmitidas pela personagem de Michi, ela se encontra com suas amigas idosas. Os diálogos demonstram sonhos e questionamentos marcados pela temporalidade da vida e dos acontecimentos. 

Mesmo em um cenário que aborda a dureza da luta pela vida, no papel da arrumadeira Maria, e da própria busca de Michi por “um final” menos preocupante, o filme pode oferecer espaço para discutir o papel do cuidado e da empatia na sociedade. Isso é destacado em pequenos gestos de compaixão que podem fazer a diferença na vida das pessoas, especialmente daquelas que se encontram em situações vulneráveis. 

Mesmo sem grandes arroubos e plot twists, "Plano 75" é uma produção impactante, que oferece uma crítica social contundente e convida o público a refletir sobre dilemas éticos e morais, como envelhecimento, longevidade, etarismo, saúde da pessoa idosa e finitude da vida.


Ficha técnica
Direção:
Chie Hayakawa
Produção e Distribuição: Sato Company
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h53
Classificação: 14 anos
Países: Japão, França, Filipinas
Gêneros: drama, suspense