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20 março 2025

"Milton Bituca Nascimento" – Uma ode a um gênio

Homenagem foi gravada em diversos países durante a turnê de despedida do cantor e compositor
(Fotos: Gullane+)


Wallace Graciano


Nos últimos anos, poucos artistas tiveram um reconhecimento tão completo de seu legado quanto Milton Nascimento. Dono da voz mais marcante da nossa música, a qual Elis Regina certa vez disse que “se Deus tivesse voz, essa seria a do Milton”, o artista teve uma série de homenagens que tentavam traduzir bem o impacto que nos causou a cada música. 

E talvez esse seja o grande mérito de "Milton Bituca Nascimento", dirigido por Flávia Moraes, que se apresenta como uma ode à vida e ao legado de um dos maiores ícones da música mundial.


Longe de ser apenas um registro de uma turnê de despedida, o filme é um tributo emocionante, uma viagem poética pela alma e história de um artista que marcou profundamente a cultura mundial.

Desde o primeiro instante, o filme deixa claro que não se trata apenas de um retrospecto cronológico da carreira de Milton. Em vez de seguir uma estrutura convencional, a narrativa se desenrola como um mosaico, entrelaçando depoimentos, imagens de arquivo e momentos da turnê final. 

Figuras icônicas como Spike Lee, Chico Buarque, Gilberto Gil, Simone, Paul Simon, Quincy Jones, Sérgio Mendes e Caetano Veloso oferecem visões complementares sobre o impacto de Bituca.


A direção sensível de Flávia Moraes captura não apenas a imponência da música de Milton, mas também sua profunda humanidade. Os cenários de sua jornada internacional, de Los Angeles a Veneza, refletem momentos de descoberta e conexão, mas também carregam a melancolia de um ciclo que se encerra. 

Para além, ela teve a brilhante ideia de contar com a presença de Fernanda Montenegro como narradora. Sua voz forte e carregada de emoção conduz o público por memórias e reflexões, intensificando o tom poético da narrativa.


O Legado de Bituca: Arte e Resistência

Milton Nascimento sempre foi mais do que um cantor: ele é um símbolo de resistência e identidade. O documentário não deixa de abordar as raízes profundas de sua arte, inserindo sua trajetória no contexto histórico do Brasil. 

A influência da colonização e da escravidão no cenário cultural do país é ressaltada, mostrando como sua obra floresceu como um grito de esperança e transformação.


A década de 1970, marcada pela repressão da ditadura militar, é um dos momentos mais intensos do filme. Milton e seus contemporâneos, como Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso, enfrentaram a censura com canções que se tornaram hinos de liberdade.

A música de Bituca, como um rio subterrâneo, sempre encontrou maneiras de emergir e tocar aqueles que precisavam de esperança.


A despedida, tema central do documentário, é tratada com grande delicadeza. Mais do que o encerramento de uma carreira, é um momento de reflexão sobre o significado da música e do legado que permanece. 

Com sua humildade característica, Milton convida o público a compartilhar sua jornada final, revelando suas emoções, medos e gratidão.


Ficha técnica:
Direção: Flávia Moraes
Roteiro: Marcelo Ferla e Flávia Noraes
Produção: Gullane, Canal Azul, Nascimento Música e Claro
Distribuição: Gullane+
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h59
Classificação: 10 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

29 janeiro 2025

"Trilha Sonora Para Um Golpe de Estado" mistura jazz, colonialismo e muita criatividade

Documentário chega aos cinemas brasileiros após conquistar vários prêmios em festivais internacionais
e é forte candidato ao Oscar 2025 (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Sem os mesmos holofotes de obras como “Ainda Estou Aqui”, “Emília Perez” ou “Wicked”, o longa “Trilha Sonora Para um Golpe de Estado” ("Soundtrack To a Coup D’Etat"), indicado ao Oscar 2025 para o prêmio de Melhor Documentário, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (30) e promete agradar bastante ao público. 

Dirigido pelo cineasta belga Johan Grimonprez, o longa costura de forma genial o colonialismo da Bélgica sobre o Congo, o interesse internacional no país que buscava ser independente e a produção musical do jazz norte-americano entre as décadas de 1950 e 1960. A distribuição fica a cargo da Pandora Filmes. 


O documentário chama a atenção não só por reunir nomes como Malcolm X, Nina Simone e Thelonious Monk, mas porque, desde a estreia no Festival de Sundance em 2024, vem conquistando prêmios como o Especial do Júri por Inovação Cinematográfica, Prêmio de Melhor Roteiro e de Melhor Montagem pela Associação Internacional de Documentários. 

Tudo começa com a apresentação dos artistas Abbey Lincoln e Max Roach, que entraram em uma assembleia da ONU para denunciar o assassinato do líder congolês Patrice Lumumba. 

Este, que pode parecer um spoiler, é apenas o primeiro passo para uma trilha investigativa sobre tudo o que foi arquitetado para que Bélgica e Estados Unidos mantivessem seus planos imperialistas sobre o país africano. 


E como o jazz se funde a essa trama? A frase de Max Roach pode ser vista como resposta: “Nós usamos a música como uma arma contra a desumanidade do homem contra o homem”. A linguagem universal da música foi o suporte para contar partes dessa história. 

No desenrolar do documentário o espectador vai descobrindo como os Estados Unidos tentaram se aproveitar do talento de artistas como Dizzy Gillespie e Louis Armstrong, como a Bélgica se comportava no papel de colonizadora e como a ONU foi usada nesta trama. Tudo isso costurado com maestria na edição de Rik Chaubet e no design de som de Ranko Paukovic. 


A excelente produção de arquivo de Sara Skrodzka entrega entrevistas, discursos políticos da época e apresentações musicais que aderem perfeitamente à obra, construindo uma narrativa que impressiona. 

Grimonprez, além de dirigir, roteiriza uma obra que tem força para se manter na memória, tamanha inventividade colocada na tela. Trata-se de uma visão anti-imperialista, criativa e educativa, posto que tal capítulo da história mundial não se ensina nas escolas (eu, pelo menos, não tive uma aula tão esclarecedora sobre esse golpe). E certamente, as aulas que tive foram mais exaustivas, enquanto as duas horas e meia do documentário desfilaram hipnotizando meu olhar. 

E parece jazz. Dá a impressão de certa desordem em alguns instantes, provoca tensão, mas no final tudo se harmoniza e você se pega até sorrindo com a genialidade da obra. 

Tal qual um show de blues, pode ser um documentário apresentado em um palco à meia luz, mas no final, aposto que você aplaudir. Confira e me conte. 


Ficha Técnica:
Direção: Johan Grimonprez
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h30
Classificação: 14 anos
Países: Bélgica, França, Holanda
Gênero: documentário

24 janeiro 2021

"Soul"´- Animação para adulto que discute o propósito da vida com excelente trilha sonora

Joe e 22 vivem grandes aventuras entre a vida terrena e uma existência espiritual (Fotos: Disney-Pixar/Divulgação)


Maristela Bretas


E se você tivesse uma segunda chance de viver, o que mudaria? Já parou para pensar se fez a escolha certa? Pois foi com esta abordagem e uma ótima trilha sonora que a animação "Soul", da Disney/Pixar foi lançada diretamente na plataforma de streaming Disney Plus.Enquanto "Divertida Mente" (2015) e "Toy Story 4" (2019) foram destinados à criançada, com muita cor e personagens divertidos, mas uma mensagem direta aos públicos jovem e adulto, "Soul" definitivamente foge deste padrão e não é para criança.
 

A animação trata do propósito da vida, as escolhas - certas ou erradas - que fazemos enquanto estamos vivos e que vão ser avaliadas quando passarmos para outro plano. Com direção de Pete Docter e Kemp Powers, "Soul" conta a história de Joe Gardner (voz de Jamie Foxx), um simpático pianista e professor de música do ensino médio que sonha em se tornar um músico profissional e brilhar como os grandes nomes do jazz. Uma paixão aprendida com o pai e que ele considera sua razão de viver.

 


Um passo em falso, no entanto, muda seus sonhos e ele precisará reavaliar tudo o que acreditava e aceitar o que virá pela frente. E ainda ensinar uma alma da pré-vida muito fofa e rebelde - a 22 (voz de Tina Fey) - a gostar e se adaptar à vida terrena. A pré-vida é um lindo e colorido lugar onde as novas almas conquistam suas personalidades, peculiaridades e interesses, antes de irem para a Terra e ocuparem novos corpos. As crianças poderão gostar das "alminhas" da pré-vida que estão esperando sua chance e aprontam todas. Mas só.
 
 


Joe não aceita a morte e menos ainda a incumbência de ser babá e fará de tudo para voltar ao seu antigo corpo. Ele só pensa em música e se cobra por não ter atingido o sucesso que o pai esperava e que a mãe (dublada por Angela Basset) preferia que não existisse. Ele não consegue se ver fazendo outra coisa e não abre seus horizontes, mas também é inconformado com o que conseguiu na vida. 

 
Já 22 é rejeitada por todos em sua dimensão e não consegue descobrir qual a sua missão. E será sua convivência com o mentor que irá lhe ajudar a descobrir respostas para perguntas importantes sobre sua existência.
 

 
Algumas abordagens são complicadas e geram dúvidas até mesmo em adultos.Uma animação boa para ser analisada por psicólogos e psicanalistas. Em meio a aventuras, corpos trocados e a descoberta de prazeres, delícias e também tristezas, Joe e 22 vão entendendo quais os seus propósitos na vida e quais podem ser deixados de lado, por não serem tão importantes quanto esperavam. 
 


"Soul" é bonito e sensível. A trilha sonora, especialmente formada por jazz, fazem o coração da gente bater forte. Mexe com o espiritual e o sentimento ao tratar a aceitação da morte. Oferece um show de sons, imagens e encantamento quando as notas começam a fluir do piano de Joe ou da banda que ele acompanha. Apesar de não provocar risadas ou choro, como alguns sucessos anteriores da Disney/Pixar, a animação é inspiradora e merece ser vista.

 

Ficha técnica:
Direção:
Pete Docter e Kemp Powers
Exibição: Disney+
Duração: 1h40
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: Animação / Aventura / Família
Nota: 4 (de 0 a 5)