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19 agosto 2024

"Família", um filme sobre imigração, paternidade e a importância da fraternidade

Produção japonesa que retrata a luta do cidadão por sobrevivência é baseada em fatos reais e tem no elenco o premiado ator Koji Yakusho (Fotos: Sato Company)


Silvana Monteiro


Imigração, laços familiares, construção socioafetiva das relações, culturas brasileira e japonesa, são temas explorados em "Família" ("Famiria"). Dirigido por Izuru Narushima, o filme, lançado em 2023 no Japão, aborda a questão da imigração de brasileiros no Japão, os chamados dekasseguis, que já ultrapassam os 300 mil no país. 

A produção oferece ao público uma narrativa que entrelaça histórias de cidadãos comuns em busca de sobrevivência, seja no país de origem, seja em terras estranhas. O longa está em exibição no Cineart Ponteio, Centro Cultural Unimed Minas-BH e Cine Una Belas Artes.


O protagonista Seiji, vivido por Koji Yakusho, o mesmo de "Dias Perfeitos" (2024), é um solitário ceramista japonês que se vê, inesperadamente, diante de um dilema, quando seu filho, Manabu (Ryô Yoshizawa), retorna ao Japão acompanhado de sua esposa Nadia, uma sobrevivente de guerra. Manabu, que trabalha em uma das regiões mais conflituosas da África, expressa ao pai o desejo de recomeçar a vida em sua terra natal. Porém, Seiji o desencoraja, temendo que seu filho repita seu falido estilo de vida.

A trama ganha novos contornos com a introdução de Marcos, interpretado por Lucas Sagae, um jovem brasileiro que vive em um conjunto habitacional de imigrantes. A conexão entre a vida de Marcos e Seiji se dá de maneira repentina após um incidente. A partir desse encontro, a vida do ceramista começa a se entrelaçar com as de Marcos e sua companheira Erika, criando uma teia de relações que desafiam as barreiras da idade, da cultura e dos laços sanguíneos. 


O filme se aprofunda ainda mais quando Manabu, de volta ao seu trabalho na África, é surpreendido por uma grande tragédia ao tentar enviar ao pai uma importante notícia sobre Nádia, sua esposa. Enquanto isso, no Japão, Marcos enfrenta perseguição, xenofobia e violência que colocam à prova sua resiliência e os laços recém-formados com Seiji. 

O contraste entre as experiências de Manabu e Marcos reforça a ideia de que as adversidades, sejam elas no campo de batalha ou nas ruas de uma cidade estrangeira, são parte de uma mesma luta universal por pertencimento e segurança. O filme mostra que a solidariedade e a fraternidade entre as pessoas podem mudar as situações e dar um novo sentido à vida.


A dedicação de Seiji à sua arte, enquanto espera ansiosamente por notícias de seu filho, reflete a persistência dos laços afetivos, mesmo quando confrontados com a distância e o perigo. O moldar do barro, a fornalha para curar a cerâmica e o acolhimento ao outro, são trazidos no filme de uma forma muito sensível para falar das conexões socioafetivas construídas entre aqueles que não compartilham o mesmo sangue. 

O envolvimento de Seiji com os jovens brasileiros e sua decisão de tomar medidas arriscadas para ajudá-los e também para tentar salvar o filho e a nora, demonstra uma evolução em seu personagem, que passa de um homem fechado em seu próprio mundo para alguém disposto a abrir sua vida a novas atitudes e conexões. 

"Família" não é apenas um filme sobre imigração ou paternidade. É uma obra que nos lembra de que os laços humanos mais profundos são forjados não apenas pelo sangue, mas pelas experiências compartilhadas, pela empatia, pela coragem e pela união. 


Com um elenco estelar, que inclui Koji Yakusho, Ryo Yoshizawa e Miyavi, além de talentosos atores brasileiros como Lucas Sagae, Alan Shimada e Fadile Waked, o filme traz uma sensibilidade rara ao retratar a comunidade brasileira no Japão (os dekasseguis), enquanto faz ecoar a universalidade de seus temas. 

O ponto fraco são as intervenções de fatos ocorridos com outros personagens que são dispensáveis, impedindo assim que a história ganhasse mais liga na relação entre o protagonista e os principais coadjuvantes. 

Distribuído pela Sato Company, a produção é uma adaptação do roteiro original de Kiyotaka Inaga, baseado em fatos reais, e já conquistou o prestigiado Kinema Junpo Awards na categoria de melhor ator, destacando ainda mais o talento de Koji Yakusho. Destaque para a trilha sonora que vai do pop asiático ao pagode brasileiro.  A fotografia também tem contornos marcantes, principalmente nas cenas que remetem ao continente africano e aos detalhes na olaria.


Ficha técnica
Direção: Izuru Narushima
Roteiro: Kiyotaka Inagaki
Produção: Kino Films
Distribuição: Sato Company
Exibição: Cineart Ponteio, sessões às 16h30 e 21 horas; sala 2 do Centro Cultural Unimed Minas-BH, sessão 18h15; sala 1 do Cine Una Belas Artes, sessões às 16 e 20 horas
Duração: 2h01
Classificação: 16 anos
País: Japão
Gênero: drama

29 fevereiro 2024

Filme “Eu, Capitão” expõe drama de refugiados de maneira condescendente

Seydou Sarr e Moustapha Fall dão vida a Seydou e Moussa, dois primos senegaleses que são os protagonistas desta história (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Com a bagagem de 11 prêmios conquistados no Festival de Veneza, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (29), o filme “Eu, Capitão”. Com distribuição da Pandora Filmes, o longa do diretor italiano Matteo Garrone ("Gomorra", 2008) conta a história de dois adolescentes que sonham em sair da África e viver na Europa. 

Embora seja um assunto já saturado pelos telejornais, o longa conseguiu um feito: está entre os indicados ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional. 

Parte dessa conquista se deve aos protagonistas. Seydou Sarr e Moustapha Fall dão vida a Seydou e Moussa, primos senegaleses que nos convidam - com muita expressividade - a embarcar nessa viagem. 


Os jovens trabalham escondido para juntar dinheiro e custear a viagem clandestina rumo à Europa. Como todo adolescente, eles ignoram a mensagem do velho curandeiro (que mais parece um alerta) para olharem para seus antepassados. 

A história mostra de forma clara (ou seria na pele clara?) que o velho continente não quer abrir espaço para eles ou seus sonhos. Mas eles partem assim mesmo. 

Ao abordar a crise dos refugiados e exibir um passo a passo da travessia clandestina, fica claro que a violência, o desespero e a volta por cima marcarão presença no filme. O problema é que a obra não se detém no "por que" ou no "quem ganha com isso" ao expor as peças de uma engrenagem de exclusão, ou a exploração que alguns negros praticam contra outros negros. 


As camisas de grandes times de futebol europeu estão lá no figurino, mas o que esses clubes têm com isso ou o que fazem para aplacar a dor daqueles migrantes? Essa pergunta parece não interessar ao diretor, que se apoia em uma dura e triste realidade para contar uma história, mas a vende como ficção ao ignorar questões importantes. 

O diretor revelou, em uma entrevista de divulgação, que ouviu a história de um garoto de 15 anos que pilotou sozinho um barco de refugiados a caminho da costa italiana, salvando todos os passageiros.  


O longa consegue transmitir a ideia de uma saga. Os adolescentes viajam de ônibus, caminhão-baú, embarcam numa caminhonete, e atravessam o deserto a pé. Só isso já seria suficiente para mostrar que a travessia é longa e sofrida, mas as cenas no deserto, por mais bonitas que possam ser, não livram o espectador de um certo cansaço. 

A compensação vem de algumas construções, que flertam com o onírico, com a poética mitologia local, e da mensagem de que tudo o que essas pessoas têm, são uns aos outros, simbolizada na rede de apoio criada para que possam se ajudar quando longe da terra mãe. Destaque para a cena do anjo na prisão. 


Como o título sugere, o capitão vai pilotar o barco de refugiados. E é de se esperar sucesso na missão. Claro, a viagem não será um mar de rosas. Mas o longa cumpre seu papel de entregar uma saga (mesmo vendendo a ideia de que chegar a um país estrangeiro sem nada é uma vitória). 

Além do desafio da travessia, o longa também terá outro caminho difícil: desbancar os correntes ao Oscar na mesma categoria. “Eu, Capitão” concorre com “A Sociedade da Neve”, “Dias Perfeitos”, “A Sala dos Professores” e “Zona de Interesse”. A cerimônia de entrega da estatueta dourada acontecerá em Los Angeles, no dia 10 de março. 


Ficha Técnica:
Direção:
Matteo Garrone
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: no Cineart Ponteio e no Centro Cultural Unimed-Minas
Duração: 2h01
Classificação: 14 anos
Países: Itália, Bélgica, França
Gêneros: drama, suspense, guerra