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02 abril 2024

"Dias Perfeitos": uma celebração longa, lenta e bela dos pequenos prazeres

Com belíssima interpretação, Kōji Yakusho faz o papel de um homem de hábitos simples, que encontra beleza nas pequenas coisas (Fotos: O2 Filmes)


Silvana Monteiro


"Dias Perfeitos" é mais do que um filme, é uma experiência de imersão na ritualística e meticulosa rotina de Hirayama interpretado por Kōji Yakusho, um zelador de banheiros públicos em Tóquio. E é esta obra que o espectador pode conferir no Una Cine Belas Artes, no Centro Cultural Unimed-BH Minas e, a partir do dia 12 de abril, no canal de streaming Mubi. 

Dirigido por Wim Wenders, o filme se destaca por sua abordagem poética e contemplativa, combinando elementos visuais e narrativos de forma única.  

O longa, com mais de duas horas, fez sua estreia em maio de 2023 no Festival de Cinema de Cannes, onde conquistou o prêmio de Melhor Ator e foi agraciado com o prêmio do Júri Ecumênico, reconhecendo suas "qualidades artísticas e humanas". 

Em novembro do mesmo ano, o filme também recebeu o prêmio Asia Pacific Screen de Melhor Filme e concorreu também ao Oscar de Melhor Filme Internacional pelo Japão.


Embora seja uma obra ficcional, "Dias Perfeitos" se assemelha a um documentário em sua abordagem narrativa e fotográfica. Hirayama é um homem de hábitos simples, que encontra beleza nas pequenas coisas, como a música que ecoa nas fitas cassetes de seu carro, os livros que lê, as mudas de plantas enclausuradas em seu pequenino lar e as árvores que fotografa com sua câmera analógica. 

A obra fascina ao destacar a evolução tecnológica dos banheiros, contrastando com a estagnação pessoal do protagonista, que permanece imerso no período analógico, enquanto se entrega ao consumo de junk food. 


A trama torna-se perfil e diário ao acompanhar Hirayama, magistralmente, em sua rotina aparentemente ordinária. No entanto, sua tranquilidade é abalada por uma série de encontros surpreendentes que revelam gradualmente seu misterioso passado. 

A escolha de Yakusho para o papel principal foi acertada, sua atuação que transmite com maestria a complexidade interior do personagem, tornando-o cativante e intrigante. O elenco de apoio também merece destaque, especialmente Tokio Emoto como Takashi, que desempenha um papel crucial na transformação do protagonista.


A produção do filme é digna de nota, especialmente por sua origem inusitada. Wenders foi convidado a Tóquio para observar o Tokyo Toilet Project, um projeto de redesign de banheiros públicos. 

Essa experiência inspirou o conceito do filme, que se baseia na ideia da singularidade e da beleza escondida nas coisas simples da vida, colocados em prática, em boa parte da obra, com poucos diálogos. 

A trilha sonora de "Dias Perfeitos" apresenta uma seleção musical marcante, feita a partir da experiência do protagonista, normalmente em seu trajeto entre a casa e o trabalho. Nas faixas estão artistas renomados como The Kinks, The Rolling Stones, Van Morrison, Patti Smith e Lou Reed.


A fotografia de "Dias Perfeitos" é um dos pontos altos da obra, capturando a atmosfera única de Tóquio e destacando a beleza da cidade de uma forma pouco convencional. Em meio a jardins e arranha-céus, entre choros de bebês e a loucura dos adultos, entre o mínimo e o máximo, cada cena é meticulosamente composta, refletindo a precisão e a atenção aos detalhes que caracterizam a vida de Hirayama. 

Nesse contexto, o filme cativa o espectador ao retratar uma rotina que poderia ser totalmente surtada, mas que por meio de eventos sutis e cheios de vida, desperta reflexões profundas. No entanto, o ritmo do filme pode ser um desafio para algumas pessoas. 

Wenders opta por uma abordagem contemplativa, deixando espaço para que as cenas e os diálogos se desenvolvam lentamente. Para aqueles que apreciam um ritmo mais acelerado, isso pode parecer cansativo. 


Mas para quem se permite mergulhar na atmosfera do filme, é uma experiência gratificante. Talvez, seja exatamente a falta de mudanças que faz o público se manter atento, na ânsia de ver algo que fuja da rotina. 

Em suma, "Dias Perfeitos" é um filme que não foi feito para entreter tão facilmente, mas que recompensa a paciência e a atenção do espectador em busca de reflexões. 

É uma obra que celebra a beleza dos pequenos prazeres, sobretudo para quem não tem como fugir da Carteira de Trabalho. Nos lembra que, por trás da rotina aparentemente monótona, sempre há surpresas e histórias fascinantes esperando para serem descobertas.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Wim Wenders
Produção: O2 Filmes
Distribuição: O2 Play e Mubi
Exibição: Una Cine Belas Artes - salas 1 (14 horas) e 2 (17 horas); Centro Cultural Unimed-BH Minas - salas 1 (16 horas) e 2 (10h40). A partir do dia 12 de abril no canal de streaming Mubi
Duração: 2h03
Classificação: 12 anos
País: Japão
Gênero: drama

29 fevereiro 2024

Filme “Eu, Capitão” expõe drama de refugiados de maneira condescendente

Seydou Sarr e Moustapha Fall dão vida a Seydou e Moussa, dois primos senegaleses que são os protagonistas desta história (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Com a bagagem de 11 prêmios conquistados no Festival de Veneza, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (29), o filme “Eu, Capitão”. Com distribuição da Pandora Filmes, o longa do diretor italiano Matteo Garrone ("Gomorra", 2008) conta a história de dois adolescentes que sonham em sair da África e viver na Europa. 

Embora seja um assunto já saturado pelos telejornais, o longa conseguiu um feito: está entre os indicados ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional. 

Parte dessa conquista se deve aos protagonistas. Seydou Sarr e Moustapha Fall dão vida a Seydou e Moussa, primos senegaleses que nos convidam - com muita expressividade - a embarcar nessa viagem. 


Os jovens trabalham escondido para juntar dinheiro e custear a viagem clandestina rumo à Europa. Como todo adolescente, eles ignoram a mensagem do velho curandeiro (que mais parece um alerta) para olharem para seus antepassados. 

A história mostra de forma clara (ou seria na pele clara?) que o velho continente não quer abrir espaço para eles ou seus sonhos. Mas eles partem assim mesmo. 

Ao abordar a crise dos refugiados e exibir um passo a passo da travessia clandestina, fica claro que a violência, o desespero e a volta por cima marcarão presença no filme. O problema é que a obra não se detém no "por que" ou no "quem ganha com isso" ao expor as peças de uma engrenagem de exclusão, ou a exploração que alguns negros praticam contra outros negros. 


As camisas de grandes times de futebol europeu estão lá no figurino, mas o que esses clubes têm com isso ou o que fazem para aplacar a dor daqueles migrantes? Essa pergunta parece não interessar ao diretor, que se apoia em uma dura e triste realidade para contar uma história, mas a vende como ficção ao ignorar questões importantes. 

O diretor revelou, em uma entrevista de divulgação, que ouviu a história de um garoto de 15 anos que pilotou sozinho um barco de refugiados a caminho da costa italiana, salvando todos os passageiros.  


O longa consegue transmitir a ideia de uma saga. Os adolescentes viajam de ônibus, caminhão-baú, embarcam numa caminhonete, e atravessam o deserto a pé. Só isso já seria suficiente para mostrar que a travessia é longa e sofrida, mas as cenas no deserto, por mais bonitas que possam ser, não livram o espectador de um certo cansaço. 

A compensação vem de algumas construções, que flertam com o onírico, com a poética mitologia local, e da mensagem de que tudo o que essas pessoas têm, são uns aos outros, simbolizada na rede de apoio criada para que possam se ajudar quando longe da terra mãe. Destaque para a cena do anjo na prisão. 


Como o título sugere, o capitão vai pilotar o barco de refugiados. E é de se esperar sucesso na missão. Claro, a viagem não será um mar de rosas. Mas o longa cumpre seu papel de entregar uma saga (mesmo vendendo a ideia de que chegar a um país estrangeiro sem nada é uma vitória). 

Além do desafio da travessia, o longa também terá outro caminho difícil: desbancar os correntes ao Oscar na mesma categoria. “Eu, Capitão” concorre com “A Sociedade da Neve”, “Dias Perfeitos”, “A Sala dos Professores” e “Zona de Interesse”. A cerimônia de entrega da estatueta dourada acontecerá em Los Angeles, no dia 10 de março. 


Ficha Técnica:
Direção:
Matteo Garrone
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: no Cineart Ponteio e no Centro Cultural Unimed-Minas
Duração: 2h01
Classificação: 14 anos
Países: Itália, Bélgica, França
Gêneros: drama, suspense, guerra