Mostrando postagens com marcador #preconceito. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #preconceito. Mostrar todas as postagens

20 agosto 2024

“O Último Pub”: preconceito, xenofobia e alguma esperança no ar

Longa se passa num vilarejo da Inglaterra preste a desaparecer, que recebe a chegada de imigrantes sírios com seus costumes
(Fotos: Why Not Productions)


Mirtes Helena Scalioni


Brilhante, atento e comprometido com as causas sociais, o diretor britânico Ken Loach entrega ao público mais uma obra que leva à reflexão. Em cartaz no Centro Cultural Unimed Minas-BH e no Cine UNA Belas Artes, “O Último Pub” toca em mais uma ferida atual e dolorida: a xenofobia. 


Depois de obras-primas como “Eu, Daniel Blake” (2016), sobre a perversidade da burocracia, e “Você Não Estava Aqui” (2018), sobre o que alguns chamam de uberização do trabalho, Loach continua certeiro e crítico. Com roteiro bem amarrado e sem firulas de Paul Laverty, a história se passa num vilarejo ao nordeste da Inglaterra, no Condado de Durham.

Praticamente falida e prestes a desaparecer desde que as minas da região deixaram de ser exploradas, a vila se vê diante de uma novidade: a chegada de imigrantes sírios com seus costumes, suas dores e disposição para recomeçar.


Enquanto a presença dos “cabeças de pano” acende preconceitos entre a maioria dos habitantes de Durham, o proprietário do único pub do lugar, T.J Ballantyne, decide atuar na contramão e, após fazer amizade com a jovem síria Yara, se junta a ela num trabalho de assistência aos refugiados. 

A dobradinha entre o velho e a jovem, interpretados na medida por Dave Turner e Ebla Mari, incomoda os moradores na mesma medida em que enternece o espectador.


O título original do filme em inglês é “The Old Oak” – "O Velho Carvalho", em tradução literal, exatamente o nome do pub de T.J Ballantyne. Suas janelas e portas são reabertas para a caridade pública após anos abrigando apenas antigas fotografias e memórias dos áureos tempos de exploração das minas com suas greves e conquistas.

Além da dupla Dave Turner e Elba Mari, destacam-se no elenco Claire Rodgerson, como Laura, que se junta aos dois, e Trevor Fox, como Charlie, o mais falante da turma de amigos que passa os dias tomando litros de cerveja no The Old Oak. 


Outro destaque é a beleza do lugar, com paisagens lindas e bucólicas, com direito a uma visita ao interior da catedral de Durham, em momento de muita emoção. Para quem gosta de animais, é preciso registrar que Ken Loach incluiu uma participação cheia de sensibilidade de Marra, a cachorrinha de Ballantyne.

Como o diretor chegou aos 87 anos, há quem diga que “O Último Pub” seja o derradeiro filme de Ken Loach. Tomara que não. Mas, se for, pode-se dizer, sem medo de errar, que ele encerra sua carreira deixando uma nesga de esperança. “O Último Pub” é, sem dúvida, sua produção mais otimista.


Ficha técnica:
Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
Produção: Why Not Productions, Sixteen Films, StudioCanal UK
Distribuição: Synapse Distribution
Exibição: sala 2 do Centro Cultural Unimed Minas-BH, sessão às 16h10; e sala 2 do Cine UNA Belas Artes, sessão às 20h30
Duração: 1h53
Classificação: 14 anos
Países: Bélgica, França, Reino Unido
Gênero: drama

06 fevereiro 2024

“Moneyboys” aborda prostituição masculina e drama particular

Filme dialoga com temas universais enquanto tenta emocionar público (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (8) o longa “Moneyboys”. Distribuído pela Pandora Filmes, o trabalho do diretor e roteirista chinês C.B Yi é de 2021. Já foi exibido em Cannes e só agora desembarca por aqui. E nele, um jovem que vive da prostituição carrega o preconceito da família, marcas de uma situação do passado e um desejo de recomeço. 

O filme se abre como um curta. O jovem Fei (Kai Ko) é recebido em um apartamento por Xiaolai (J.C. Lin), de roupas extravagantes, que já esperava por ele. O espectador até imagina que os dois vão se relacionar, mas, na verdade, os jovens estão ali para um programa a três com um cliente. Está dada a tônica do filme: há mais do que se imagina ou se vê.       


Vindo de um vilarejo, o inocente Fei se envolve com o já experiente ex-namorado. No entanto, a falta de maldade e de maturidade coloca o jovem em uma situação de risco. Apaixonado, Xiaolai toma uma atitude pra defender o namorado, que será crucial para o filme. 

A partir dali uma câmera nervosa, enquadramentos muito planejadinhos (em cenários falsos em demasia) e tons de lilás e vermelho acompanham a angústia de uma vida sem afeto e marcada pelo preconceito. E só então se tem o nome do filme na tela, como se um curta-metragem marcasse o ponto de partida da história. 


Mesmo sendo uma produção oriental, algumas abordagens são muito familiares a nossa cultura. Por exemplo, a violência associada à prostituição, a hipocrisia da família do protagonista, que aceita o dinheiro de Fei, mas não sua orientação sexual nem seu estilo de vida, o falso moralismo e a necessidade de manter as aparências perante a sociedade. 

Tais impressões podem sugerir um drama emotivo, ou talvez mais quente, mas este é um longa sem arroubos. E parece até haver dois filmes dentro de um só, quando um conhecido de Fei, Long (Bai Yu Fan) decide também sair do vilarejo e ir atrás dele na cidade. O foco da obra vai se direcionando mais para a entrada do novato no mundo da prostituição do que para a busca por soluções pelo protagonista. 


Mas o resgate da trama acontece, quando o passado vai ressurgindo e Fei precisa fechar algumas feridas, enxergar que vive de dar um afeto comprado aos clientes sem conseguir desfrutar de amor próprio ou envolvimentos sentimentais. 

O sentimento, inclusive, foi um dos propulsores do diretor para realizar o filme. De nacionalidade chinesa, C. B. Yi passou a adolescência na Áustria. Fez questão de ambientar sua história na China rural, falando da migração para a cidade, porque não conseguiria colocar as situações da trama em cidades europeias sem o mesmo contexto de violência. 


Direção 

Se o diretor se apoia nas lembranças e na ligação de décadas atrás com o país de nascença, é justamente a conexão com o passado que falta ao roteiro e ao protagonista. Não se sabe quando ou por que Fei saiu do seu vilarejo, ou quem é o cafetão responsável por agenciar os garotos de programa. 

Sem um passado, sem a família, amigos nem amores, o protagonista tem lembranças de alegrias recentes (mas a tentativa de evocar um flashback falha na execução técnica, com uma viagem ao passado que não tem cara de lembrança). Filme que pode ocupar o tempo, mas não deixa saudade. 


Ficha Técnica:
Direção e roteiro:
C. B. Yi
Produção: Panache Productions, Arte France Cinéma, Zorba Production, KGP Kranzelbinder Gabriele Production
Exibição: nos cinemas
Duração: 2 horas
Classificação: 14 anos
Países: Taiwan, Áustria, França, Bélgica
Gênero: drama

26 novembro 2020

Filme comovente que dá voz aos invisíveis, “Rosa e Momo” traz Sophia Loren no papel principal

 

Produção italiana traz a veterana atriz de 86 anos depois de uma década afastada das telas (Fotos: Regine de Lazzaris Aka Greta/ Netflix)



Mirtes Helena Scallioni


Algumas verdades sobre cinema parecem consolidadas há muito tempo. Raramente, são desmentidas ideias como: histórias que falam do relacionamento entre velhos e crianças são sucesso garantido. Ou: filmes que se referem ao holocausto dos judeus despertam interesse e paixões. Ou ainda: o tema dos imigrantes e suas dores costuma tocar muita gente ao redor do mundo.
 

 
Talvez resida aí o motivo do sucesso de “Rosa e Momo” ("La vita davanti a sé"), um dos mais vistos e elogiados filmes da #Netflix nos últimos tempos. Ele contempla esses três argumentos citados e ainda exagera: traz no elenco, como protagonista, a veterana Sophia Loren, que depois de dez anos afastada das telas, reaparece com sua beleza madura e muita dignidade aos 86 anos. E o que é melhor: dirigida pelo filho caçula Edoardo Ponti.
 


Remake de “Madame Rosa – A Vida à Sua Frente”, que ganhou Oscar de Filme de Língua Estrangeira em 1977, “Rosa e Momo” é uma adaptação de “The Life Before Us” (algo como “A Vida Antes de Nós”), livro de Romain Gary. No caso da versão em cartaz na Netflix, sai subúrbio de Paris, entra periferia de Bari, cidade litorânea ao sul da Itália.

A história, por si só, promete: Rosa (Sophia Loren), ex-prostituta e sobrevivente traumatizada dos campos de concentração, ganha a vida cuidando dos filhos de suas colegas mais jovens que fazem a vida na zona boêmia de Bari. Um dia, seu amigo médico, Dr. Cohen, coloca aos seus cuidados, mesmo que contra a sua vontade, o rebelde Momo, menino senegalês órfão que está a poucos passos da marginalidade.
 

De atrito em atrito, o afeto e a cumplicidade entre a mulher e o menino vão sendo construídos. Às vezes, de um jeito que pode parecer rápido demais, quase mágico, e que, de certa forma, poderia até comprometer a verossimilhança do filme. Isso só não acontece pela atuação perfeita e na medida de ambos, convincentes cada um ao revelar ao espectador suas dores, limitações e carências.

 
A atuação do estreante Ibrahima Gueye na pele de Momo é comovente. Há que se elogiar também outros nomes do elenco como Baback Karimi como o comerciante muçulmano Hamil, Renato Carpentieri como o Dr. Choen e Abril Zamora como a prostituta Lola, amiga de Rosa.
 

Uma curiosidade: a canção tema de “Rosa e Momo” é “Lo sé”, na voz de Laura Pausini. Mas, em certo momento do longa, Lola coloca na vitrola o samba “Malandro”, de Jorge Aragão, cantado por Elza Soares, enquanto ela e Rosa saem dançando e rindo pela sala. Não há como não se emocionar.

 

Nesses dias de solidão e pandemia, não convém perder “Rosa e Momo”. Além da rara oportunidade de rever a sempre diva Loren, faz bem ao coração a ideia de que a amizade e a empatia podem prosperar, apesar dos preconceitos. E que, com amor e generosidade, pode sim ser construído um espaço para a fala dos invisíveis, mesmo que os tempos sejam de intolerância.

 


Ficha técnica:
Direção:
Edoardo Ponti
Exibição: Netflix
Duração: 1h35
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gênero: Drama

Tags: #RosaEMomo, #Netflix, #preconceito, #fiilmeitaliano, #drama, #holocausto, #cinemanoescurinho