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25 agosto 2024

"Longlegs - Vínculo Mortal" é um policial de terror com Nicolas Cage irreconhecível

Maika Monroe interpreta uma agente do FBI misteriosa e arredia que investiga um serial killer violento e aterrorizador (Fotos: Diamond Films)


Maristela Bretas


Confuso no início, "Longlegs - Vínculo Mortal", que estreia nesta quinta-feira (29) é um filme tenso e violento, que tem como destaque Nicolas Cage (que também é um dos produtores). 

Apesar das atuações impecáveis dele e de Maika Monroe, sai da sessão sem conseguir digerir o que tinha acabado de assistir. Não sei se considero como uma produção boa demais ou só mais um filme perturbador que fica dando voltas para explicar a ligação dos protagonistas.


Ao longo do filme, a confusão inicial, que se assemelha à da mente da personagem Lee Harker, vai se explicar e antes do meio já dá para saber o que houve, quais as conexões e como a história vai terminar. Dá a impressão de que o diretor usa muitas imagens aleatórias para "encher linguiça". No final, algumas são explicadas e outras vão continuar sem propósito e dispensáveis.


Além da atuação como um serial killer impiedoso, destaco a ótima maquiagem do personagem de Nicolas Cage, que dá nome ao filme. Ela o torna irreconhecível e assustador. Fez toda a diferença a escolha dele para o papel. 

Segundo o responsável pela maquiagem, Harlow MacFarlane, a fonte de inspiração para a concepção deste visual foi intencional, baseada numa memória da infância do ator, que se surpreendeu com a imagem de sua mãe fazendo skincare.


Maika Monroe também não fica atrás interpretando Lee Harker, a agente do FBI solitária e silenciosa, de passado nebuloso. É ela, com sua mente atormentada, quem direciona o filme ao investigar Longlegs, estudando a fundo seu perfil tenebroso. 

Somente Lee é capaz de decifrar as pistas com símbolos deixadas pelo assassino nas cenas do crime. Mas o que mais a perturba são as visões provocadas pela à medida que se aproxima dele. 

O diretor e roteirista Osgood Perkins (filho do ator Anthony Perkins, de "Psicose") manteve o visual de Longlegs em segredo até mesmo da atriz, para garantir que o público sentisse a mesma antecipação que a protagonista ao finalmente encontrá-lo. 

O elenco conta ainda com as participações de Alicia Witt, como Ruth Harker, mãe de Lee, e Blair Underwood, como o chefe de Lee no FBI, além de outros.


O longa tem três pontos positivos que podem agradar ao público: o design de som, que explora bem os momentos, tanto de ação quanto de silêncio, aliado à trilha sonora que foge um pouco às usadas normalmente em filmes de terror. 

O segundo ponto é a fotografia (dirigida por Andres Arochi), que dá a dimensão dos ataques de Longlegs, ao mesmo tempo em que preenche lagunas formadas na mente de Lee Harker.

"Longlegs - Vínculo Mortal" vai dividir opiniões, com certeza. Ele está entre um dos filmes do gênero mais comentados no momento, colocando-o como o terror do ano. Não sei se chega a tanto, mas vale ser conferido, especialmente pelas atuações dos protagonistas e da atmosfera de suspense que provoca, que lembra o excelente "O Silêncio dos Inocentes" (1991).


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Osgood Perkins
Produção: Black Bear Productions
Distribuição: Diamond Films
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h41
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, policial

15 julho 2024

“O Sequestro do Papa” busca fato do passado para falar de fundamentalismo e intolerância religiosa

Atual e sensível, filme é baseado em uma história verídica que chocou a Itália no século XIX
(Fotos: Pandora Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Que ninguém se engane. Embora o título possa induzir, “O Sequestro do Papa” ("Rapito") não é uma comédia. Ao contrário, trata-se de um filme denso, sério, questionador e, acima de tudo, atual. 

Com uma reconstituição perfeita do século XIX, conta a história do garoto Edgardo Mortara, que, aos seis anos, foi raptado de sua casa em Bolonha, para ser criado num seminário em Roma. O longa entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira (18).


Com muita coragem e um elenco afiado, o diretor Marco Bellocchio coloca o dedo na ferida, relembrando um tempo em que Estado e religião se misturavam. 

Na época em que se passa o filme, em 1858, a Itália era comandada com mãos de ferro por Pio IX e, apesar da carolice, faltava compaixão e sobrava a arrogância típica dos donos da verdade.


No auge da autoridade do Papado, a família judia de Momolo Mortara é surpreendida um dia com a chegada dos agentes do Estado/Igreja para levar Edgardo, um de seus oito filhos. 

O menino é retirado à força dos braços dos pais em cumprimento a uma denúncia de que ele havia sido batizado. De acordo com a lei vigente, cristãos não podiam ser criados por judeus pagãos.


A partir desse sequestro, o espectador acompanha a luta de Marianna e Momolo Mortara para reaver o filho, enfrentando viagens a Roma, humilhações e processos até o julgamento do caso, em 1860. A história deles revela um capítulo sombrio da tirania histórica na Igreja tendo como pano de fundo uma nação à beira da revolução. 

Cabe ressaltar a atuação, convincente e comovente, do menino Enea Sala como Edgardo. Aliás, todo o elenco merece aplausos: Leonardo Maltese como Edgardo adulto, Paolo Pierobon como o arrogante Papa Pio IX, Filippo Timi como o cardeal Giacomo Antonelli, Fabrizio Gifuni como o advogado Jussi, Anna Morisi como a babá, Bárbara Ronchi como a mãe Marianna Padovani, Fausto Russo Alesi como Momolo Mortara e outros.


Enfim, “O Sequestro do Papa” é, antes de tudo, um filme político como outros de Marco Bellocchio, que antes dirigiu, por exemplo, “Bom Dia, Noite” (2003).

O longa tem tudo para prender a atenção do público e é uma ótima oportunidade de reflexão para esses tempos de moralismo, lavagem cerebral, intolerância religiosa, investidas fundamentalistas e perigosas misturas de religião e Estado.


Ficha técnica:
Direção: Marco Bellocchio
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h14
Classificação: 12 anos
Países: Itália, França, Alemanha
Gêneros: drama, história

21 junho 2024

“Tudo o Que Você Podia Ser” mostra a união como ferramenta para vencer na sociedade da homofobia

Documentário de ficção tem DNA mineiro, com direção de Ricardo Alves Júnior (Fotos: Vitrine Filmes)


Eduardo Jr.


Está em cartaz, em duas salas de cinema de Belo Horizonte, o longa “Tudo o Que Você Podia Ser”. A produção tem DNA mineiro e transita entre a ficção e o documentário. Dirigida por Ricardo Alves Júnior, é uma observação da felicidade, da pulsante energia da comunidade LGBT, da amizade e da sempre iminente violência homofóbica. 

O filme é distribuído pela Sessão Vitrine Petrobras e pode ser visto no Centro Cultural Unimed BH-Minas e Cine Una Belas Artes. 


A história parte do último dia de Aisha (Aisha Brunno) na cidade. E a despedida será com a família escolhida, as amigas Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares (as personagens utilizam seus nomes verdadeiros, deixando o espectador na incerteza do que é realidade e do que é ficção). 

Algumas das locações são as casas das próprias atrizes, colaborando para edificar “o real” do filme. A cidade da qual Aisha se despede é quase uma personagem do longa. Locais bem familiares aos belo-horizontinos desfilam pela tela, emoldurando os caminhos das quatro amigas. 


E cada uma delas tem um pouco de sua história pessoal revelada (menos que o desejado, há que se dizer), dos dramas familiares às conquistas. Com leveza, o diretor nos apresenta personagens que vão além do preconceito e da exclusão, escancarando que a presença e a vitória são plenamente possíveis a essa parcela da população. 

Se as atrizes/personagens são trans ou não binárias, não faz a menor diferença tamanha a cumplicidade e carisma do elenco.   

A jornada do grupo é costurada por risos, dramas, afeto, lágrimas, criatividade, amor e música. Tudo embalado em naturalidade. É o seguir da vida diante dos nossos olhos. Sempre em frente, de um ponto a outro, tal qual a personagem que sai das sombras e vai rumo à luz do dia. 


A obra não tem uma questão a responder, ela simplesmente flui, com o elenco fazendo o que nós todos tentamos diariamente: seguir rumo à felicidade desejada. Que pode ser uma coisa simples, como o convívio familiar, que para muitos de nós é corriqueiro, mas para pessoas trans é quase um milagre. 

O documentário parece ter agradado aos olhos e corações de quem assistiu nas premiações. “Tudo o Que Você Podia Ser” ganhou, em 2023, o Prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio e o Prêmio de Melhor Longa Nacional do Festival Mix Brasil.   


Ficha Técnica:
Direção: Ricardo Alves Júnior
Produção: EntreFilmes e Sancho & Punta
Distribuição: Sessão Vitrine Petrobras
Exibição: Centro Cultural Unimed BH-Minas - sala 1, sessão 20h30 (somente nos dias 21, 23 e 25/26); e Cine UNA Belas Artes - sala 2, sessão 20h30
Duração: 1h24
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: documentário, drama, ficção


19 março 2024

“O Primeiro Dia da Minha Vida” é drama filosófico sobre assunto tabu

Quatro pessoas, unidas pelo mesmo objetivo, são orientadas por um estranho para que possam rever suas escolhas (Fotos: Maria Marin PH)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros no dia 21 de março um longa de temática “ousada” - afinal, suicídio é assunto delicado. O autor da proeza é o diretor Paolo Genovese que, baseado em um romance de sua própria autoria, traz no longa “O Primeiro Dia da Minha Vida” ("Il Primo Giorno Della Mia Vita") quatro pessoas que recebem a chance de rever suas escolhas (não necessariamente em vida). A distribuição é da Pandora Filmes. 

Na trama, os quatro indivíduos são abordados pelo protagonista, vivido por Toni Servillo. Para definir esse protagonista, “misterioso” seria a palavra ideal, pois nem nome ele tem. Mas sua chegada tem um propósito: fazer essas pessoas que optaram pelo autoextermínio avaliarem se irão, de fato, prosseguir com isso, ou se darão uma chance a uma nova vida, sem o peso dessa escolha drástica. 


A partir da relação entre os quatro suicidas, se abrem pautas polêmicas (principalmente para a nossa cultura), como, por exemplo, o que acontece após a morte, qual destino nos espera depois do fim, e as motivações e consequências ligadas à escolha de encerrar antes da hora sua passagem nessa terra.

Essas questões partem das dores que levaram cada uma das personagens àquele lugar. No grupo estão uma ginasta paraplégica, presa a uma cadeira de rodas, um youtuber mirim que não queria a fama, uma mãe que perdeu a filha e um coach motivacional que não vivia aquilo que pregava. 


E quem os orienta é o protagonista, uma espécie de anjo ou agente da morte. Tudo se passa em uma Itália que se afasta dos famosos cartões postais - talvez uma alusão do diretor a uma cidade não identificada, tal qual o além para nós, que aqui estamos. 

Se o tema parece denso, a direção consegue inserir leveza, reflexões e uma pitada de humor. Não só por conta do roteiro, mas pelas personagens construídas e por algumas interpretações. Destaque para o carismático garoto Gabriele Cristini. Não é uma obra que leva a um clímax exuberante, mas também não provoca sono. 


Embora a música marque presença sem muita originalidade (talvez até meio clichê), a acidez do texto em certos momentos e algumas escolhas de filmagem, como a câmera que passeia acima do cemitério, exibindo uma “cidade dos mortos” tiram o espectador do marasmo. 

Pode ocorrer também um incômodo diante dos diálogos e provocações acerca das motivações, das convenções sociais e morais. E aí “O Primeiro Dia da Minha vida” cumpre seu papel. Faz com que o público saia diferente do cinema com essa experiência, ou leve consigo algo dessa obra. 

Concordando ou não com a resposta apresentada em certo diálogo do filme sobre a vida e o autoextermínio, o longa traz questões filosóficas a partir do carisma do elenco e de uma proposta interessante.      


Ficha técnica:
Direção: Paolo Genovese
Produção: Lotus Production
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h01
Classificação: 16 anos
País: Itália
Gênero: Drama

24 fevereiro 2024

“Amanhã” olha para o passado, o presente, o efeito do tempo e as questões sociais

Novo documentário de Mauro Pimentel tem como cenário a a Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte
(Fotos: Gabriela Matos e Arquivo Pessoal)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (29) o novo documentário de Marcos Pimentel. Batizado “Amanhã”, o longa coloca, no mesmo plano, crianças de classes sociais distintas, capturando alguns de seus desejos para o futuro, e retorna 20 anos depois para acompanhar como essas personagens estão vivendo. A obra é produzida pela Tempero Filmes, com distribuição da Descoloniza Filmes.  

O início do filme não diz ao espectador o que esperar. O ano é 2002 e crianças brincam em um cenário conhecido dos belorizontinos: a Barragem Santa Lúcia. O lago e a praça de esportes parecem atuar como fronteira, separando um bairro de classe média de uma favela.


Quando se mudou para Belo Horizonte, no ano 2000, Pimentel se impressionou ao perceber que, embora vizinhos, moradores de um lado dificilmente atravessavam para o outro. Mas a convite do diretor, morro e asfalto se aproximaram. O pequeno Tomaz é o personagem que sai do apartamento pra brincar com Julia e Cristian, dois irmãos que vivem no morro.

O material, gravado em 2002, é apresentado às mães das crianças duas décadas depois. E aí o documentário começa a mostrar a que veio. As memórias e opiniões dessas mulheres e das crianças, agora crescidas, expõem como o abismo social, não percebido na infância, se escancara. E não só porque eles se tornaram adultos, mas porque o país mudou.


O próprio diretor, em uma de suas narrações, exemplifica isso ao expor a percepção de que a camisa da seleção brasileira, festejada na Copa de 2002, se tornou símbolo da discórdia duas décadas depois. Até a ausência de uma das personagens é posicionamento. 

E a maneira como esses elementos são dispostos no longa vão levando o público a refletir sobre diversas pautas do cotidiano, de consciência política à urbanização.

Um filme sensível sobre encontros, desencontros, mazelas sociais e o efeito do tempo. Talvez por isso, o documentário tenha sido exibido em competição no É Tudo Verdade, recebido Menção Honrosa no 5º Pirenópolis Doc e premiado no 27º FAM - Florianópolis Audiovisual Mercosul.  


Ficha Técnica:
Direção: Marcos Pimentel
Depoimentos/Imagens de Arquivo: Cristian de Miranda, Cristiana Santos, Júlia Maria
Produção: Tempero Filmes
Distribuição: Descoloniza Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h46
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário