Ambientado no sul dos EUA, filme aborda a ancestralidade preta que resistiu às perseguições nos anos de 1930 (Fotos: Warner Bros. Pictures)
Larissa Figueiredo
Imagine uma mistura entre "Crepúsculo" (2008) e "Assassinos da Lua das Flores" (2023) — é assim que "Pecadores" ("Sinners"), de Ryan Coogler, funciona. O longa, que conta com o protagonismo de Michael B. Jordan (de “Pantera Negra” - 2018, “Creed - Nascido para Lutar" - 2015) em um papel duplo como os irmãos Elijah e Elias Smoke, e Hailee Steinfeld ("Bumblebee" - 2018) como Mary, às vezes mocinha, às vezes vilã, já está em cartaz nos cinemas.
Ambientado nos anos de 1930 no sul dos Estados Unidos, "Pecadores" aborda, por meio do misticismo, a ancestralidade preta que resistiu às perseguições durante o segregacionismo norte-americano.
A família do jovem músico Sammy Moore (Miles Caton) enfrenta preconceitos, vampiros e até a Ku Klux Klan, grupo extremista que surgiu nos EUA para perseguir e matar pessoas negras no país à época. A temática do filme, no entanto, está longe de se restringir ao racismo.
Com os gângsteres gêmeos Elijah e Elias de volta à cidade e dispostos a viver a melhor noite de suas vidas, Sammy vê a oportunidade de mostrar sua música fora da igreja.
Ele embarca em uma missão para convidar a comunidade negra para uma noite de blues em um antigo celeiro da Klan. Com comida à vontade e bebida de qualidade, o grupo pretende abrir um clube de blues na cidade.
A jornada acontece em meio à evolução de uma trilha sonora impecável, composta por Ludwig Göransson, já nos primeiros minutos. A fotografia acompanha o ritmo a partir de planos abertos de encher os olhos, com destaque para as paisagens dos campos de algodão, que cumprem papel sociopolítico na narrativa.
Até o fim da primeira metade do longa, quase não é possível perceber a presença do gênero terror no roteiro. O espectador se acostuma por muito tempo com um ritmo de filme de aventura e se afeiçoa aos “heróis” apresentados.
O misticismo chega junto da personagem Annie (Wunmi Mosaku), uma bruxa natural e interesse romântico de um dos protagonistas, que fala sobre perigos espirituais e vampiros pela primeira vez. O roteiro parece desconectado à primeira vista, como se fosse metade aventura e metade terror.
Apesar da estranheza dos jump scares aleatórios e da aparente desconexão do roteiro, o filme prende o espectador e não apresenta elementos desnecessários — apenas desorganizados. A caracterização dos vampiros beira ao satírico; resta ao diretor dizer se é proposital ou não.
A partir da primeira aparição, os personagens se desenrolam com um quê de Stephenie Meyer (autora da saga "Crepúsculo"), com dentes gigantes, alho, estacas de madeira e romances cheios de química.
A trama vampiresca se encerra como começa: do nada. Coogler, que dirigiu Jordan em “Pantera Negra” e “Creed: Nascido para Lutar”, repete elementos do filme sobre o super-herói negro da Marvel. E mistura o espiritual e o real para emocionar, não economizando nos simbolismos para falar sobre a morte.
A cena pós-créditos é dispensável e sem sentido, mas (infelizmente) existe e impacta um final irretocável. Assista por sua conta e risco.
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Ryan Coogler Produção: Warner Bros Pictures Distribuição: Warner Bros. Exibição: nos cinemas Duração: 2h17 Classificação: 16 anos País: EUA Gêneros: ação, suspense, terror
"Força Bruta: Punição" ("Beomjoidosi 4") chegou ao cinema oferecendo uma explosão de ação de primeira linha e se consolidando como uma excelente porta de entrada para quem deseja conhecer o cinema sul-coreano.
Dirigido por Heo Myeong-haeng, o quarto capítulo da famosa franquia traz de volta o detetive Ma Seok-do vivido por Don Lee, agora envolvido em uma nova investigação ligada ao submundo digital.
A trama começa com Ma Seok-do rastreando um aplicativo ligado ao tráfico de drogas, o que o leva a descobrir uma teia de crimes que se estende até as Filipinas, onde um desenvolvedor foi assassinado.
A investigação coloca o detetive frente a frente com uma organização internacional de apostas ilegais, liderada pelo impiedoso Baek Chang-gi (Kim Mu-yeol). Ele é um ex-soldado de elite que domina o mundo dos jogos online com uma combinação de sequestros, chantagens e assassinatos.
Confesso que não conhecia a franquia antes, mas esse capítulo despertou em mim um interesse imediato em assistir os filmes anteriores. A narrativa é amarrada de forma envolvente e vai ganhando intensidade a cada revelação.
"Força Bruta: Punição" consegue equilibrar muito bem o ritmo de ação com momentos de crítica social, apontando para um submundo ainda pouco retratado no cinema: o das apostas ilegais digitais.
Heo Myeong-haeng, em sua estreia na direção da franquia, traz consigo anos de experiência como coordenador de cenas de luta e dublês. Isso se reflete nas coreografias precisas e brutais, com destaque especial para o duelo entre Ma Seok-do e Baek Chang-gi — uma pancadaria visceral, com pegada realista e forte influência do boxe.
Don Lee mais uma vez se impõe como protagonista. Seu personagem é uma força da natureza - e o ator entrega cenas que vão da tensão ao alívio cômico com habilidade. Do outro lado, Kim Mu-yeol constrói um vilão frio, calculista e profundamente irritante, o tipo de antagonista que provoca ódio desde a primeira aparição.
O grande mérito do filme é não se contentar apenas com a ação frenética. Ele mergulha de cabeça no universo das apostas online, escancarando como esse sistema opera em diversas camadas da sociedade: dentro de presídios, envolvendo menores de idade e manipulando figuras de alto escalão.
A narrativa não hesita em denunciar a lógica perversa do dinheiro fácil, evidenciando práticas como as dos jogos “bets” e do famoso “tigrinho”, que se tornaram populares no Brasil.
"Força Bruta: Punição" funciona como uma denúncia embalada em entretenimento. É uma história que prende a atenção pela violência estilizada e ao mesmo tempo faz pensar sobre os bastidores sombrios do crime organizado digital. É pancadaria com propósito: crítica social embalada em golpes precisos.
Vale cada minuto, cada pipoca e, quem sabe, a curiosidade para maratonar os filmes anteriores. Os três primeiros filmes - "Cidade do Crime" (2017); "Força Bruta" (2022) e "Força Bruta: Sem Saída (2023) - este a maior bilheteria da história do K-Action na Coreia do Sul - estão disponíveis no Prime Video. Uma verdadeira aula de ação com a assinatura única do cinema sul-coreano.
Ficha técnica: Direção: Heo Myeong-haeng Distribuição: Sato Company Exibição: nos cinemas Duração: 1h44 Classificação: 16 anos País: Coreia do Sul Gêneros: ação, policial, suspense
Naomi Watts e Laura Harring são as protagonistas deste clássico do cinema contemporâneo lançado em 2001 (Fotos: Divulgação)
Da Redação
Uma grande oportunidade de assistir a um clássico do cinema contemporâneo dirigido por David Lynch. Neste sábado,12 de abril, 20 salas de cinema diferentes localizadas em 14 cidades brasileiras, recebem a pré-estreia de "Cidade dos Sonhos" (“Mulholland Drive”).
Em Belo Horizonte, o Cine Una Belas Artes e o Centro Cultural Unimed-BH Minas foram os escolhidos para esta exibição especial. Os ingressos já podem ser adquiridos por meio dos sites ou bilheterias dos próprios cinemas.
O filme, lançado originalmente em 2001, é uma oportunidade para rever ou conhecer, agora em alta definição, uma das obras mais aclamadas do cinema moderno. A estreia nos cinemas acontece dia 17 de abril.
Na trama, Betty/Diane Selwyn (papel de Naomi Watts) é uma jovem aspirante a atriz que viaja para Hollywood e se vê emaranhada numa intriga secreta com Rita/Camila Rhodes (Laura Harring), uma mulher que escapou por pouco de ser assassinada, e que agora se encontra com amnésia devido a um acidente de carro.
O mundo de Diane se torna um pesadelo e as duas passam a procurar pistas por Los Angeles sobre o que ocorreu com Rita e desvendar sua identidade. O elenco conta ainda com Justin Theroux, Billy Ray Cyrus, Ann Miller, Robert Forster, Patrick Fischler, entre outros. A bela trilha sonora ficou a cargo do compositor Angelo Badalamenti.
Com distribuição da Retrato Filmes, as pré-estreias representam não apenas a volta de uma obra-prima ao circuito cinematográfico, mas também a renovação do diálogo entre o cinema e o público que poderá redescobrir um dos maiores filmes do século XXI de forma única.
O relançamento de "Cidade dos Sonhos" nos cinemas é uma celebração da obra-prima de David Lynch, que volta às telas com uma nova remasterização digital, oferecendo aos espectadores uma experiência visual e sonora inédita.
A versão restaurada em 4K traz uma clareza impressionante para a cinematografia única de Lynch, revelando detalhes sutis da obra que antes passavam despercebidos. Uma mixagem sonora aprimorada intensifica a atmosfera de mistério e tensão que caracteriza o filme, tornando-se uma experiência cinematográfica imersiva e inesquecível.
"Cidade dos Sonhos" conquistou o troféu de Melhor Direção no Festival de Cannes de 2001, entregue a David Lynch, e no ano seguinte foi indicado na mesma categoria ao Oscar. Além da direção, o filme é elogiado pela fotografia, trilha sonora e montagem.
Ficha Técnica
Direção e roteiro: David Lynch Produção: Studio Canal, The Picture Factory, Les Films Alain Sarde, Asymmtrical Productions, Touchstone Television e Imagine Television Distribuição: Retrato Filmes Duração: 1h27 Exibição: Cine Una Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas Classificação: 16 anos Países: EUA e França Gêneros: drama, fantasia, suspense
Apesar da pouca experiência, o jovem Owen Cooper entrega uma interpretação carregada de verdades e vulnerabilidades (Fotos: Netflix)
Equipe do Cinema no Escurinho
A equipe do Cinema no Escurinho assistiu a nova minissérie da Netflix, "Adolescência" ("Adolescence"), e se juntou para abordar a essência desta produção. E concordam que se trata de uma produção impactante, atual e que serve de alerta para pais e educadores para o problema da violência contra as mulheres, não importando a idade.
Para o parceiro e colaborador Marcos Tadeu, do blog Jornalista de Cinema, até o momento é uma das séries mais necessárias e impactantes do ano. Ela se destaca pela urgência do tema e pela capacidade de provocar discussões importantes sobre juventude, violência, papel da escola, da família e as estruturas que nos cercam.
Desde que chegou ao catálogo da Netflix em 13 de março, "Adolescência" viralizou rapidamente e ultrapassou a marca de 66,3 milhões de visualizações, deixando o público em choque — e cheio de perguntas.
A produção começa com a brutal interrupção da rotina da família Miller, quando a polícia invade sua casa à procura de Jamie (Owen Cooper), acusado de esfaquear a colega de escola Katie Leonard (Emilia Holliday).
O que poderia parecer um caso direto de violência entre adolescentes se transforma, aos poucos, em uma trama densa, repleta de nuances e contradições.
À medida que os detetives Luke Bascombe (Ashley Walters) e Misha Frank (Faye Marsay) avançam na investigação, segredos vão surgindo e abalam não só o núcleo familiar, mas também a comunidade escolar e os demais envolvidos.
O maior trunfo da série está na forma como a história é contada: a narrativa recorre a diferentes pontos de vista — da polícia, da escola, dos amigos de Jamie, da psicóloga e da família — e evita qualquer tipo de resposta fácil.
Em vez de dizer o que o público deve pensar "Adolescência" o convida a refletir: o ambiente em que o adolescente está inserido contribui para afastá-lo ou aproximá-lo da violência?
Para amplificar esse efeito, mais do que apostar no plano-sequência como um artifício estético, a minissérie usa a câmera em movimento constante como um observador silencioso, que se infiltra nos espaços, capta as tensões e torna a experiência do espectador mais íntima e visceral.
As atuações acompanham o rigor da proposta. Stephen Graham (Eddie Miller, pai de Jamie), Erin Doherty (Briony) e o jovem Owen Cooper entregam interpretações carregadas de verdade e vulnerabilidade.
O texto, bem escrito e afiado, ganha ainda mais potência com a escolha precisa do elenco. Nada soa artificial ou encenado — é como se estivéssemos acompanhando tudo de dentro, em tempo real.
No entanto, nem tudo é acerto. Um dos pontos mais frágeis da narrativa é justamente a construção da vítima. Katie Leonard quase não tem voz própria: seu ponto de vista aparece apenas por meio da amiga Jade (Fatima Bojang), e seus pais ou outras pessoas próximas sequer são mostrados. Isso enfraquece a complexidade emocional que a série poderia ter explorado.
Além disso, o desfecho sem um julgamento formal pode soar frustrante para quem esperava um posicionamento mais claro. O final aberto, ao invés de corajoso, parece fugir da responsabilidade de encerrar a história com uma decisão.
Cada vez mais perto de nós
Para Jean Piter Miranda, a essência de “Adolescência” deixa bem claro que jovens bem criados podem cometer atrocidades. E que isso está mais perto de todos nós do que podemos imaginar.
O menino Jamie de apenas 13 anos é branco, de família de classe média na Europa, tem bom relacionamento com os pais e com a irmã e ainda é bom aluno. Um jovem acima de qualquer suspeita. Entretanto, ele é acusado de matar a facadas uma menina da mesma idade que ele. O motivo? Ódio pelas mulheres.
Jamie participava de comunidades online que pregam ódio às mulheres, os chamados "incels". Grupos esses que têm membros de todas as idades. Se dizem vítimas do feminismo, se sentem rejeitados pelo sexo oposto. Por isso, se acham no direito de cometer todo tipo de violência contra o sexo feminino.
"Adolescência" retrata um problema social silencioso, que vem crescendo em todo o mundo. Um problema social ligado a outros problemas. Pais que trabalham demais e que estão sempre ausentes. Como você vai educar seus filhos se nunca está presente? Crianças que desde muito cedo passam bastante tempo diante de telas, expostas a vários riscos sem que os pais desconfiem de algo.
A minissérie também mostra vulnerabilidades das instituições. As escolas e a polícia não estão preparadas para lidar com esse problema. Não há política pública estruturada para o enfrentamento e prevenção desses casos.
A obra propõe reflexões e, acertadamente, não tem a pretensão de indicar soluções. Não há sensacionalismo de mostrar violência explícita, ao mesmo tempo em que constrói um ambiente de tensão.
As atuações são ótimas, muitas delas carregadas de emoção, porém, sem exageros, sem perder a mão. A filmagem em plano sequência prende o expectador, dando a impressão de que tudo está acontecendo naquele exato momento.
São apenas quatro episódios, o que não deixa a série ser cansativa. O desfecho fica subentendido, sem reviravoltas e sem desgastes com cenas clichês de tribunais. E cada um é feito na medida, com abordagem específica. Tudo isso faz da produção uma obra excelente que merece ser vista e debatida por todos.
Misoginia
Silvana Monteiro tem opinião semelhante. As mulheres enfrentam um tratamento desrespeitoso nas comunidades virtuais, refletindo a desvalorização que também ocorre na sociedade. O chamado "clube do bolinha", para determinados assuntos, pode representar um risco maior do que muitos imaginam.
As pessoas aparentemente comuns podem praticar as piores atrocidades. Famílias perfeitas não existem. Filhos não são o que os pais tentam, pensam ou querem. Mentes sagazes não têm idade. Pais não se prepararam para o mundo e o submundo da web. E criminoso não vem com estrela na testa.
Estamos vendo uma grande número de meninas de 11, 12, 13 e 14 sendo assassinadas todos os dias, a maioria por marmanjos ordinários. É chocante, virou uma coisa sem tamanho, uma situação desesperadora. Antes mesmo de atingir a adolescência plena, as meninas estão se tornando números. Estão tendo donos, "donos" que tiram suas vidas a qualquer espirro.
Para Carol Cassese é uma tristeza como essas meninas já são objetificadas. É toda uma cultura mesmo. Uma existência que fica associada à estética, à ideia de agradar ou não homens. Essa (a objetificação) é uma parte do problema, definitivamente não é apenas isso. Mas faz parte do problema também.
Mirtes Helena Scalioni gostou muito de “Adolescência” e afirma que a produção fez acender luzinhas nas cabeças de pais, filhos e professores. As plataformas não são o que parecem ser. Meninos estão sim fazendo cursos de misoginia na internet. E aprendendo a odiar e matar mulheres e meninas. O último capítulo da série é, para mim, uma pequena obra-prima de reflexão. E o pior de tudo é que as meninas estão sendo, de novo, apontadas como culpadas.
Segunda temporada?
Há rumores de que a série pode ganhar uma nova temporada, não como continuação direta do caso de Jamie, mas com uma nova história e a mesma abordagem. Se mantiver essa profundidade e cuidado na construção narrativa, ela tem tudo para seguir como um dos projetos mais relevantes da Netflix.
Ficha técnica:
Direção: Philip Barantini Roteiro: Jack Thorne e Stephen Graham Produção: Warp Films, Plan B Entertainment e Matriarch Productions Distribuição: Netflix Exibição: Netflix Duração: 4 episódios Classificação: 14 anos País: Reino Unido Gêneros: drama, policial, suspense
Willa Fitzgerald é a jovem caçada por um homem misterioso após uma noite de sexo (Fotos: Paris Filmes)
Maristela Bretas
"Desconhecidos" ("Strange Darling"), suspense do diretor e roteirista J.T. Moliner, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, mergulha o espectador em uma perseguição implacável de um desconhecido a uma jovem, com momentos de terror e violência extrema.
Após um encontro aparentemente casual e uma noite de muito sexo, Lady, papel de Willa Fitzgerald, se vê implacavelmente caçada por um homem (Kyle Gallner) com intenções sinistras.
Paralelo a isso, a polícia está à procura por um serial killer que já matou várias pessoas pelo país com requintes de crueldade e que consegue fugir deixando um banho de sangue por onde passa.
Gostou da premissa? Mas ela pode mudar completamente. A trama é contada em capítulos intercalados, formando um flashback confuso inicialmente, mas que vai ganhando consistência à medida que avança.
A crescente sensação de perigo é palpável desde os primeiros momentos. E as cenas de violência e caçada aumentam o suspense e a dúvida: quem é o gato e quem é o rato?
No entanto, a narrativa dá uma escorregada ao entregar muito cedo ao público a principal reviravolta da história. Essa revelação precoce pode ter sido intencional por parte do diretor para adicionar uma camada de tensão dramática, mas acaba por minar significativamente o impacto da história.
O que poderia ser uma surpreendente guinada nos acontecimentos se torna uma mera confirmação do que já se suspeitava, reduzindo o mistério envolvendo os protagonistas.
O filme só não se torna desinteressante graças às cenas de suspense e violência, construídas com competência, utilizando a trilha sonora e a cinematografia para criar uma atmosfera ameaçadora. São cenas cruas e impactantes que podem chocar o espectador.
A atuação de Willa Fitzgerald, mais conhecida por sua participação em várias séries de TV, também é outro trunfo de "Desconhecidos". A atriz entrega uma interpretação muito convincente como a jovem aterrorizada, carregando grande parte da carga emocional da narrativa.
Ela consegue transmitir bem a angústia e o desespero da protagonista, tornando sua luta pela sobrevivência envolvente, mesmo quando o roteiro vacila. E ainda conta com um sucesso dos anos de 1970 para embalar sua personagem - "Love Hurts", da banda Nazareth.
Participam também do elenco Barbara Hershey, Ed Begley Jr., Jason Patric, entre outros.
"Desconhecidos" tem uma premissa interessante e a promessa de uma reviravolta cria expectativa. Contudo, a decisão de revelar cedo demais o plot twist principal enfraquece a experiência geral.
Mesmo assim, o terror e o suspense são eficazes, e fazem com que o público espere por um final tão tenso quanto foi o restante da trama, mesmo que a surpresa tenha chegado antes da hora.
Ficha técnica:
Direção e roteiro: J.T. Moliner Distribuição: Paris Filmes Exibição: nos cinemas Duração: 1h36 Classificação: 18 anos País: EUA Gêneros: terror, suspense
Série de 2022 vencedora do Emmy está em sua segunda temporada, sob a direção de Ben Stiller e confirma renovação para a terceira (Fotos: Apple TV+)
Carolina Vas
(O seguinte texto contém alguns spoilers da segunda temporada)
“Trabalho é só trabalho, não é?” A frase dita pelo protagonista Mark (Adam Scott) ilustra uma das principais discussões da série "Ruptura" ("Severance"), idealizada por Dan Erickson e dirigida por Ben Stiller.
A produção da Apple TV+, que estreou em 2022, é centrada na vida de funcionários da Lumon Industries, empresa que realiza um procedimento cirúrgico extremo, cujo objetivo é separar as memórias pessoais das profissionais.
Essa prática leva à formação de duas personalidades distintas: o “interno”, que só possui lembranças relacionadas ao trabalho, e o “externo”, que não tem conhecimento das atividades associadas ao ambiente corporativo.
Lançada em 2025 (o último episódio foi disponibilizado em 21 de março), a segunda temporada de "Ruptura" segue explorando as diferentes realidades desse grupo e investiga com mais detalhes a construção psicológica dos personagens.
A série, que acaba de ser renovada para uma terceira temporada, é repleta de elementos complexos e, por isso, avisamos que esta crítica certamente não conseguirá abordar todos os temas relevantes para a história.
Na primeira parte, acompanhamos as histórias de Mark, Helly (Britt Lower), Irving (John Turturro) e Dylan (Zach Cherry), funcionários do departamento de Refinamento de Macrodados. Cada um lida de forma diferente com a ruptura, mas, aos poucos, todos começam a questionar os objetivos da empresa.
Já a segunda temporada, passados alguns meses após os eventos iniciais, é centrada nas implicações da “Revolta do Macrodat”, uma manifestação dos empregados contra as condições de trabalho na Lumon, evidenciando ainda mais os conflitos entre as diferentes versões dos funcionários.
Uma das principais perguntas que surgem – desde os primeiros episódios – diz respeito às motivações dos que optam por realizar a ruptura: por que alguém escolheria fazer um procedimento tão violento, dividindo a própria memória?
As respostas são diversas, a depender da situação de cada personagem. Quanto a Mark, por exemplo, compreende-se que o protagonista tomou essa decisão por não conseguir lidar com o trauma de ter perdido sua esposa, Gemma (Dichen Lachman).
Nesse sentido, a série também reflete sobre como as pessoas realizam ações extremas para não lidar com sentimentos considerados “negativos”, especialmente numa cultura em que se deve ostentar felicidade.
Além disso, é notável o fato de que, antes de realizar o procedimento, Mark era professor de história, campo que trabalha a partir da memória – e, mesmo assim, ele opta por fragmentar suas lembranças.
Logo a partir da sinopse, pode-se observar que a produção reflete não apenas acerca de distopias tecnológicas, mas também sobre o mundo do trabalho. Na sociedade atual, uma das primeiras perguntas que fazemos uns aos outros é: “O que você faz?” – ou seja, “com o que você trabalha?”.
Dessa maneira, o universo da série é sim bastante distópico, mas também é fato que muitas das discussões são pertinentes ao modo de vida contemporâneo.
Algumas empresas empregam medidas bastante similares às da Lumon: discursos extremamente produtivistas, políticas superficiais de inclusão (que não alteram a estrutura da desigualdade) e a imposição irritante de atividades “divertidas” para os funcionários.
Podemos identificar muitos diálogos com debates sobre a precarização do trabalho, considerando, por exemplo, o conceito de “Capitalismo 24/7”, desenvolvido por Jonathan Crary. Para o pesquisador, o sistema econômico vigente promove uma lógica de funcionamento acelerado, em que o tempo para descanso é cada vez mais desvalorizado.
Em "Ruptura", existe uma versão dos personagens que de fato vive a realidade 24/7: para eles, a existência é necessariamente voltada para a cultura produtivista.
Como esperado, as discussões sobre o ambiente corporativo também estão presentes na segunda temporada. Cobel (Patricia Arquette) é uma das personagens que tem a identidade significativamente associada ao trabalho, mesmo sem ter realizado a ruptura.
A partir do momento em que não está mais empregada na Lumon, ela se encontra bastante perturbada e precisa buscar uma nova identidade. No episódio “Sweet Vitrols”, o espectador pode conhecer mais sobre a história da personagem, que passou a integrar a Lumon desde muito jovem e, ao longo do tempo, foi sendo cada vez menos reconhecida pelos líderes da empresa.
Ambientado numa cidade costeira, o capítulo apresenta planos impressionantes e é bastante eficiente em retratar o isolamento do local (e da personagem).
É interessante observar que alguns episódios dessa temporada são primordialmente ambientados em espaços externos, o que não ocorre na primeira temporada (mais focada nas atividades dos “internos”).
Nesse sentido, os capítulos recentes representam bem esse embate entre as versões “externas” e “internas” dos personagens, destacando as diferenças que marcam os dois mundos.
Ao longo dos episódios, a maior parte dos funcionários de fato entra em conflito com suas respectivas identidades. Mark, por exemplo, sofre ao passar por um processo de “reintegração”, enquanto Helly questiona o próprio papel na empresa, se opondo aos ideais de sua “externa”.
Outros personagens, como Irving e Dylan, começam a buscar mais respostas sobre os objetivos da Lumon.
De forma geral, a segunda temporada segue sendo esteticamente notável, com escolhas visuais que reforçam a atmosfera perturbadora da série. Os episódios recentes foram reconhecidos pela crítica: no Rotten Tomatoes, "Ruptura" atualmente está com 95% de aprovação, índice que destaca a qualidade da série.
As atuações merecem destaque: Adam Scott protagoniza cenas difíceis, expressando com excelência as muitas angústias de seus dois personagens. Por sua vez, Patricia Arquette continua construindo uma personagem única e bastante complexa.
Na emissão "The Severance Podcast" (comandada por Ben Stiller e Adam Scott), a atriz conta que participou de todo o processo de composição da personagem, sugerindo a cor do cabelo de Cobel (um loiro platinado, bastante frio e opaco) e construindo a entonação característica da funcionária da Lumon.
No que diz respeito à terceira temporada, muitas perguntas ainda devem ser respondidas: o que acontecerá com Mark e Helly? Haverá uma resistência dos internos à Lumon? Como será esse movimento? Milchik também irá se opor à empresa?
Mesmo que ainda tenhamos muitas dúvidas, os episódios explicam melhor as motivações dos personagens principais e, ainda, reforçam a nossa torcida para que mais funcionários se revoltem contra as condições de exploração.
A partir do exagero, a série nos auxilia a compreender discussões presentes na nossa própria sociedade, cujos ideais produtivistas também são significativamente bizarros.
Ficha técnica:
Direção: Ben Stiller Produção: Apple TV+ Exibição: Apple TV+ Duração: média de 44 minutos na 1ª temporada (com 9 episódios) e média de 49 minutos na 2ª temporada (10 episódios) Classificação: 14 anos País: EUA Gênero: suspense
Longa de muita ação reúne novamente o ator e diretor David Ayer, em nova produção no estilo "não mexa com a minha família" (Fotos: Amazon MGM Studios)
Maristela Bretas
Muitos tiros, a porrada comendo solta e bombas pra fazerem inveja a muita guerra real, com sequências de explosões impressionantes (haja granada!). Não poderia ser diferente no novo filme estrelado por Jason Statham e produzido por ele e Sylvester Stallone, que também assina o roteiro.
"Resgate Implacável" ("A Working Man") é um longa de muita ação dirigido por David Ayer, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas para os fãs da dupla.
Seguindo a linha de outros filmes de ação do ator, como "Beekeeper: Rede de Vingança" (2024), também dirigido por Ayer, o longa conta a história de Levon Cade (Statham), um ex-militar das forças especiais do Exército britânico.
Depois de muitos anos lutando em guerras e contra terroristas, ele larga tudo, se muda para Chicago e vai trabalhar para a construtora de Joe Garcia (Michael Peña), que o trata como membro da família.
Mas o sequestro de Jenny (Arianna Rivas), a filha adolescente de Joe, por traficantes de mulheres faz com que Levon retome sua antiga vida e use suas habilidades e, até mesmo, alguns métodos de persuasão bem violentos para recuperar a jovem.
Além dos traficantes, o ex-militar ainda enfrentará policiais corruptos, gangues de motoqueiros e a ameaça da máfia russa a sua filha e amigos. E vai mostrar que nunca deveriam ter mexido com sua família.
O filme é bom e pode agradar aos fãs do ator. O estilo de roteiro permanece o mesmo e até os rostos dos traficantes são familiares, alguns já tendo interpretado papéis semelhantes em outras produções do gênero, como Jason Flemyng, Maximillian Osinski e Cokey Falkow.
Falha ao aproveitar pouco David Harbour, no papel de um dos amigos de Levon dos tempos de guerra que ficou cego. O ator já mostrou que sabe usar bem uma marreta até mesmo como Papai Noel ("Noite Infeliz" - 2022), e seria muito bem aproveitado na caçada aos traficantes.
"Resgate Implacável" tem várias cenas aéreas noturnas, explora muito locais escuros como becos, boates, bares, casas de jogos, que ajudam a caracterizar os esconderijos e locais de atuação dos criminosos e onde serão caçados por Levon.
Já as cenas durante o dia são do ex-militar em seu trabalho, com a família e os amigos, apresentando um comportamento relativamente mais tranquilo.
Quem pensou nos figurinos dos mafiosos russos queria ridicularizar a organização, com uma variedade extravagante de vestimentas. Os chefões usam ternos e sobretudos pretos, bem sisudos. Um deles carrega uma bengala adornada com caveira, e se porta como um Conde Drácula.
Um dos “clientes de mulheres traficadas” é bem caricato e sua roupa e rosto lembram muito o nosso saudoso José Mojica Marins, o "Zé do Caixão", que era bem melhor.
Já os membros mais jovens do grupo se destacam por trajes muito coloridos e ridículos, achando que estão abafando com sua coleção própria. Chegam a ser engraçados, verdadeiros palhaços menosprezados até mesmo pela poderosa "família" russa.
O filme é baseado no livro "Levon’s Trade", de Chuck Dixon, e, como de costume, apresenta uma narrativa focada na ação de um homem só. Um herói sem superpoderes, especialista em lutas e no manejo de diversas armas, com conhecimento em tecnologia, que lutará contra tudo e contra todos para cumprir sua missão, sem se importar com as consequências. Vale a pena conferir.
Ficha técnica:
Direção: David Ayer Roteiro: David Ayer e Sylvester Stallone Produção: Amazon MGM Studios, Black Bear, Cedar Park, Punch Palace Productions, e Balboa Productions Distribuição: Warner Bros. Pictures Exibição: nos cinemas Duração: 1h56 Classificação: 16 anos País: EUA Gêneros: ação, suspense
François Ozon volta às telonas com um drama para prender o público com mistérios intrigantes (Fotos: Pandora Filmes)
Eduardo Jr.
No outono caem as folhas que mascaram as árvores, e o clima festivo e solar do verão começa a esmaecer. Em "Quando Chega o Outono" ("Quand Vint L'Automne") novo filme de François Ozon, essa metáfora nos provoca sobre as máscaras de cada personagem e a opção por não jogar luz sobre determinados atos. O longa chega aos cinemas brasileiros dia 27 de março, com distribuição da Pandora Filmes.
O diretor francês, que já filmou comédias, suspenses e musicais, agora oferece um drama que se debruça sobre a complexidade das relações humanas, promovendo um jogo sobre os segredos, traumas e atitudes de cada um perante determinadas situações. Destaque também para a bela fotografia, que explora muito bem as paisagens e cores fortes do Outono.
Na trama, as histórias de duas famílias se entrelaçam por conta de acontecimentos que deixam o público em suspense. De um lado está Michelle (personagem da ótima Hélène Vincent). Moradora de um vilarejo da Borgonha, ela está ansiosa para passar alguns dias na companhia do neto, Lucas (Garlan Erlos).
Quem vai levar o garoto para a casa da avó é a mãe dele, Valérie (Ludivine Sagnier, que trabalhou com Ozon em "Swimming Pool - À Beira da Piscina" - 2003). Na casa próxima está Marie Claude (Josiane Balasko), melhor amiga de Michelle, que a ajuda a colher cogumelos para o almoço das visitas.
A relação entre Michelle e Valérie não é nada boa, e piora quando a filha vai parar num hospital após acidentalmente comer cogumelos envenenados na casa da mãe. Quem apoia a avó de Lucas neste episódio é Marie-Claude, cujo filho acaba de sair da prisão, o misterioso Vincent (Pierre Lottin), personagem central no andamento da trama.
Vincent conhece Valérie desde a infância e vai atrás dela para tentar ajudar Michelle, que o acolheu e ofereceu trabalho ao ex-presidiário. Mas o encontro entre os dois é o ponto que vai movimentar a vida de todas as personagens.
Por que mãe e filha têm uma relação tão difícil? Existe de fato um culpado nos eventos do filme? Será que as consequências foram todas planejadas ou são apenas frutos do destino? Proteger alguém é algo que se faz naturalmente ou por interesse? Será que a inocência das pessoas apenas parece estar presente ou é genuína? Ozon provoca o espectador a refletir sobre os mistérios ali contidos, questionar, duvidar - e até julgar, afinal, é o que todos fazemos.
Atos do passado, culpa, solidão, amizade, manipulação, crime, segredos, velhice, afeto, redenção... Tudo isso compõe o pacote de reflexões que François Ozon nos lança nesta obra. E as respostas podem estar não no fim, mas no início do filme (fica a dica).
Assim como na estação em que as folhas caem, reduzindo a sombra da copa das árvores, em "Quando Chega o Outono" resta aos personagens aceitar que não há sombra que os impeça de encarar seus próprios segredos.
Ficha Técnica:
Direção: François Ozon Roteiro: François Ozon e Philippe Piazzo Duração: 1h42 Produção: Foz Distribuição: Pandora Filmes Classificação: 14 anos País: França Gêneros: drama, suspense