29 junho 2022

“Carro Rei” é curioso e instigante, mesmo se perdendo no excesso de discursos

Produção é um prato cheio para apreciadores de ficção científica e tem Matheus Nachtergaele como destaque (Fotos: Boulevard Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Mais do que ousado, “Carro Rei” é um filme estranho. Misturando automóveis que falam, agroecologia, rebelião de máquinas poderosas, tecnologia desenfreada e um certo maniqueísmo de homens versus robótica, a ficção científica dirigida por Renata Pinheiro deixa ao final uma sensação de história mal contada. Talvez até pelo excesso de temas, todos oportunos, certamente, mas nem sempre bem colocados e costurados. O filme estreia nesta quinta-feira na sala 3 do Una Cine Belas Artes.


O roteiro, escrito por Leo Pyrata, Sérgio Oliveira e a própria diretora, chega a ser instigante e curioso: Luciano Pedro Júnior interpreta o filho do dono de uma empresa de táxi. Seu nome, como não poderia deixar de ser, é Uno. 

Na intimidade, o menino solitário e órfão de mãe, e que cresceu entre automóveis, é chamado de Uninho ou Ninho. E ele tem uma particularidade também inusitada, pois, desde criança, se comunica com carros. A voz é do ator Tavinho Teixeira.


Na outra ponta da família está Zé Macaco, tio de Uninho, interpretado magistralmente pelo sempre brilhante Matheus Nachtergaele. Dono de um ferro velho, ele também entende a alma dos automóveis e, embora pareça ser um homem rude, é capaz de alguma subjetividade, nem sempre do lado do bem.

A trama toda começa a esquentar quando o prefeito de Caruaru, cidade onde se passa a história, proíbe que carros fabricados antes de 2003 circulem pelas ruas. O início de uma rebelião e a consequente transformação do velho automóvel em um Carro Rei com plenos poderes ao mesmo tempo em que elevam o tom do longa, pode confundir o espectador.


Para tentar personificar o - digamos - lado bom da história, o roteiro apresenta estranhezas nem sempre justificáveis como a jovem Mercedes (Jules Eiting) que transa com o tal Carro Rei, e a bem intencionada e ecológica Amora (Clara Pinheiro de Oliveira), cheia de ideias de sustentabilidade, de limpar o solo e salvar o Planeta. É a mocinha da história.

Não se pode dizer que “Carro Rei” seja um filme desinteressante. De jeito nenhum. Quem começa a assisti-lo, vai, certamente, chegar até o final, mesmo que seja para descobrir que as causas são boas e os discursos necessários. Mas talvez isso tudo careça de uma maior articulação para desembaralhar e unir as pontas.


Ficha técnica:
Direção:
Renata Pinheiro
Distribuição: Boulevard Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h37
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: fantasia, drama

23 junho 2022

"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é sobre a beleza e o multiverso das relações familiares

Michelle Yeoh é a protagonista desta comédia visionária, que beira o absurdo, capaz de prender do início ao fim (Fotos: Diamond Films)


Marcos Tadeu
blog Narrativa Cinematográfica


Daqueles filmes que você não espera nada e sai extasiado. Pois essa é a definição de "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" ("Everything Everywhere All at Once"), que estreia oficialmente nos cinemas nesta quinta-feira. Aclamado pela crítica com um alto índice de aprovação no Rotten Tomatoes de 96%, o longa é dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, com produção dos irmãos Joe e Antony Russo ("Vingadores: Ultimato" - 2019) e da A24.


Na história conhecemos Evelyn Wang (Michelle Yeoh), dona de uma lavanderia com vários problemas financeiros e familiares - um pai intransigente e doente (o experiente James Hong), uma filha rebelde e um marido acomodado (Ke Huy Quan). Até ser surpreendida por uma situação que envolve multiversos e ameaças que podem explicar quem realmente ela é e as escolhas que tem feito.


Os dramas dos personagens funcionam de maneira orgânica, a começar pela protagonista e todos que estão a sua volta. A trama é dividida em três capítulos que conseguem dar profundidade aos personagens. O tempo de tela é suficiente para que desenvolvam seus conflitos, principalmente os do núcleo de Evelyn, permitindo também que se entenda o porquê de determinadas atitudes.


O filme é um espetáculo gráfico que vale a pena ser contemplado. As direções de arte, de fotografia e de efeitos visuais fazem uma junção perfeita que funciona bem em todos os formatos de exibição da maneira mais criativa possível. A Marvel pode até ter começado a discutir multiversos, mas "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" apresenta um diálogo profundo e inovador sobre a proposta de realidades paralelas.



A montagem é muito bem trabalhada e feita com carinho, o que dá a sensação de um ritmo frenético, mas harmônico, com a preocupação em juntar todas as peças do quebra-cabeça para o telespectador. 

Destaco as atuações de Michelle Yeoh, a nossa heroína que é o ponto chave da narrativa, além de Stephanie Hsu que faz o contraponto, interpretando a filha Joy/Jobu. Menção honrosa para Jamie Lee Curtis como Deirdre Beaubeirdra, o elo que guia toda a história.


"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é uma experiência para ser vivida no cinema. Apesar de toda a sua loucura, existe uma sobriedade no enredo que nos confronta como seres humanos em nossos núcleos familiares. 

Me marcaram os temas presentes no filme: a questão da rejeição, o amor próprio, a vida conjugal, tudo isso se resume em um único fim: família. Evelyn sofreu com a rejeição de seu pai e repetiu isso com Joy, ao mesmo tempo em que vê o marido como um cara inútil e sem valor. 


Nesse quesito, a narrativa se preocupa em criar um fio condutor linear e uma conexão para que esses personagens e suas viradas aconteçam. Toda essa jornada da protagonista enfatiza que é possível mudar relações e romper paradigmas. E o principal: é preciso começar a enxergar o outro e aprender a ouvir.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Daniel Scheinert e Daniel Kwan
Produção: IAC Films e A24
Distribuição: Diamond Films
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h19
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: ação / ficção científica / fantasia