11 novembro 2023

“Ainda Temos o Amanhã” é bálsamo para quem precisa suportar viver em uma sociedade machista

Longa integra com brilhantismo a programação do Festival de Cinema Italiano de 2023 (Fotos: Divulgação)


Eduardo Jr.


Um filme sobre a tentativa de se libertar do machismo teria grande possibilidade de ser pesado, triste. Mas em “Ainda Temos o Amanhã” (“C’è Ancora Domani”), o espectador encontra comédia e sensibilidade. A atriz, roteirista e autora Paola Cortellesi é quem assina e protagoniza essa obra, que promete ser uma das melhores das 32 produções em exibição gratuita no Festival de Cinema Italiano. Basta acessar o site até o dia 9 de dezembro - https://festivalcinemaitaliano.com/.

O longa estreou no Festival de Cinema de Roma no final de outubro, sendo escolhido o filme de abertura da edição de 2023. Foi uma das cinco produções pré-selecionadas pela Itália para representar o país na disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2024. 


É a primeira obra dirigida por Cortellesi. Filmado em preto e branco, retrata uma Itália pós-guerra, na década de 1940. Delia (personagem de Paola Cortellesi) é casada com o autoritário e violento Ivano (Valerio Mastandrea). 

O casal tem três filhos e a esperança de Delia reside em ver a filha fazer um bom casamento. Até que a chegada de uma carta misteriosa agita a rotina da protagonista. A família não tem posses. Vive em um cortiço, e a casa sugere que eles estão na base da pirâmide social, já que as janelas ficam abaixo do nível da rua. 


Até aí o drama está mais do que presente. Mas a entrada de um rock enquanto Delia caminha num “cat walk”, sem que ninguém a note, traz a comédia. Ao mesmo tempo, escancara a invisibilidade daquela mulher de roupas remendadas.

As idas e vindas de Delia em seus vários subempregos é interrompida pelo passado. Mais precisamente, um passado incompleto. Em uma das cenas mais bonitas do filme, ela se encontra com o mecânico Nino (Vinicio Marchioni). 

O namoro dos dois terminou na juventude, mas dentro deles a paixão ainda respira. E isso é usado para apresentar um pouco mais do passado da protagonista - e também sugerir uma pista para o que está por vir.


Eis que Delia recebe uma carta, que a deixa entre a perturbação e a emoção. Fica claro para o espectador que o tal papel tem o poder de mudar o destino daquela mulher, que escuta verdadeiros absurdos do sogro, da filha e do marido - que também a agride fisicamente. 

Destaco aqui o ponto positivo para a representação da violência doméstica associada a uma dança, e para o recurso utilizado para evidenciar as agressões.

Outro ponto positivo está na trilha do filme. As canções parecem ter sido escolhidas entre as mais belas criações dos últimos tempos, e se colam às cenas com perfeição. O texto também traz graça sem forçar a barra para tirar risos do público. 

Soma-se a isso a surpresa dada ao espectador quando se evidencia que Delia não está totalmente à mercê dos acontecimentos, mas é, sim, capaz de interferir neles.


E as possibilidades de interferência precisam de um empurrãozinho da melhor amiga, Marisa (a natural Emanuela Fanelli). Se não há apoio dos homens da família e tampouco da sociedade, só com as mulheres se ajudando é que algumas situações encontram solução. E a solução para o desfecho da trama é simplesmente EMOCIONANTE!

“Ainda Temos o Amanhã” PRE-CI-SA ser visto na telona! Porque é cinema em estado bruto. São brilhantes a construção e a interpretação da personalidade de Delia. 

Quase duas horas de encanto com a sétima arte - com direito a aula de história no final. Se aqui tivéssemos estrelinhas pra distribuir entre os filmes, este ganharia todas!


Ficha técnica:
Direção: Paola Cortellesi
Produção: Vision Distribution e Wildside
Exibição gratuita: https://festivalcinemaitaliano.com/
Duração: 1h58
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gêneros: drama, comédia

09 novembro 2023

“Obrigado Rapazes” usa narrativa suave para falar de recomeço e redenção

Comédia foi uma das pré-selecionadas para representar a Itália na disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional de 2024 (Fotos: Divulgação)


Silvana Monteiro


Oportunidades, recomeço, transformação, humanização, descoberta de talentos - tudo isso tendo como foco um ator e uma turma de prisioneiros. "Obrigado Rapazes" (“Grazie Ragazzi") é um filme com direção de Riccardo Milani, estrelando Antonio Albanese, Fabrizio Bentivoglio, Sonia Bergamasco e Giacomo Ferrara. Essa é uma versão do francês "Triomphe", do diretor Emmanuel Corcol, de 2021.

A obra integra a seleção do Festival de Cinema Italiano no Brasil, que começou nessa quarta-feira (8) e vai até o dia 9 de dezembro, com sessões presenciais e pelo streaming, disponíveis gratuitamente no site https://festivalcinemaitaliano.com/.


O remake italiano traz à tona a história de Antonio Cerami, um ator outrora renomado, agora com um trabalho de dublador de filmes “adultos”, que encontra a oportunidade de dar aulas. Entretanto, seus alunos são criminosos em cumprimento de pena. 

O convite recebido de um velho amigo é imediatamente preocupante e, sim, à beira da recusa. No entanto, seu amor pelo ofício de ator e seu encanto pela arte da atuação o fazem prosseguir nessa tarefa. Aqui, a máxima 'missão dada é missão cumprida' é de um êxito inigualável.

Com uma abordagem simples, o enredo mostra Antonio se esgueirando para fazer com que os detentos encenem "Esperando Godot", a famosa comédia de Samuel Beckett, escritor e dramaturgo irlandês ganhador do Nobel de 1969. 


À medida que se entregam à arte, esses criminosos vão se transformando em homens comuns que encontram uma saída para suas emoções, uma maneira de expressar suas angústias e esperanças. É uma história poderosa sobre como a expressão artística pode transcender as barreiras da prisão e tocar o coração humano.

O elenco, liderado por Antonio Albanese, entrega atuações excepcionais, com bastante profundidade e autenticidade. O filme equilibra habilmente o humor e a emoção, proporcionando momentos que arrancam risadas e lágrimas do público. 


A química entre os atores é intensa, tornando a trajetória dos personagens ainda mais envolvente. É importante destacar que Albanese dedicou a maior parte de sua carreira ao humor, porém nesta obra, ele entrega uma dramaticidade inigualável, com pitadas cômicas.

Com duração de 1h57, o filme mantém o público cativo do início ao fim, entregando uma narrativa que flui suavemente e uma direção que nos conduz, de certo modo um pouco previsível, pela jornada conflituosa dos personagens. 

A fotografia do filme é notável, com cenas que nos remetem, ora para dentro, ora para fora, tanto no que diz respeito aos espaços físicos quanto às emoções de cada personagem.


Os pontos altos do filme são os ensaios de vocalização, dicção e encenação que levam o professor a saber mais sobre as limitações e histórias de cada um e de como cada detento leva essa história tão a sério até repetir partes do roteiro entre as grades das minúsculas janelas das celas. 

Das cenas de ensaio, uma vai fisgar ainda mais o telespectador brasileiro por conter um elemento do figurino bem conhecido aqui e internacionalmente. E entre os "intérpretes amadores", para esta cronista que lhes escreve, o destaque vai para Damiano, interpretado pelo ator Andrea Lattanzia, e para as cenas em que ele tenta vencer o desafio de falar, e nem é para o público, falar para si mesmo.


A busca pelo local onde os rapazes irão se apresentar e o momento do espetáculo, entre a coxia e o palco, são outros ápices do filme que mostra a tensão e a ansiedade de Antônio em ver seus alunos na superação do medo e da timidez. Será que ele e os rapazes vão conseguir?

"Obrigado, Rapazes!" é um filme que merece ser visto e apreciado por sua mensagem edificante e sua execução simples, porém brilhante. Uma história de esperança e transformação que nos remete ao poder da arte como uma forma de expressão e como ferramenta para transformar pessoas e ressignificar vivências. É uma boa pedida para alimentar a esperança na humanidade.


Ficha técnica:
Direção:
Riccardo Milani
Produção: Vision Distribution Palomar e Wildside
Exibição: no site oficial do festival - https://festivalcinemaitaliano.com/
Duração: 1h57
Classificação: 12 anos
País: Itália
Gênero: comédia