17 março 2024

"Donzela" - insubordinação ao destino e sede de viver

Produção reúne fantasia, ação, um dragão vingativo e uma princesa nada convencional (Fotos: Netflix)


Silvana Monteiro 


Millie Bobby Brown, que interpretou Eleven em "Stranger Things" (2016 a 2024 - 5 temporadas), dá vida à princesa Elodie, uma figura insubmissa disposta a uma luta sangrenta no filme "Donzela" ("Damsel"), disponível na Netflix. O longa estreou no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e, como não poderia deixar de ser, traz consigo uma perspectiva feminista.

A narrativa, que figura entre as dez mais assistidas desde o lançamento, inicia-se com uma proposta não convencional: um conto de fadas no qual a princesa não é salva por um príncipe em um cavalo branco. 


O que se segue é um enredo que remete à clássica história de "Barba Azul", mas com um enigmático plot twist. A família real busca uma noiva para o príncipe, porém com uma intenção macabra, que é posta em prática logo após a troca de alianças.

A genialidade do filme reside nos diálogos entre a vítima e sua algoz, um dragão (voz original de Shohreh Aghdashloo, de "Renfield - Dando o Sangue Pelo Chefe" - 2023) atormentado por uma dor incurável e com um compromisso de vingança contra a família real que se estende às futuras princesas. 


As reviravoltas são rápidas. Apesar de ter pouco mais de 1 hora e 40 minutos de duração, o filme transmite uma sensação de concisão e possui um ritmo muito bom. 

Poderia explorar mais a lenda e aprofundar-se nas tramas da maldição, mas a magia, as cenas de redenção e os desafios empreendidos pela princesa Elodie são satisfatórios e compensam, em certa medida, essas falhas. A fotografia é a cereja do bolo no filme, o que vai encher os olhos dos amantes dessa técnica. 


A direção é de Juan Carlos Fresnadillo, o roteiro foi escrito por Dan Mazeau e a própria Millie Bobby Brown assume a produção executiva, como fez em “Enola Holmes” (2020). 

O elenco conta com nomes como Ray Winstone (“Viúva Negra” – 2021) e Angela Bassett (“Pantera Negra” - 2018), como Lord e Lady Bayford, pais de Elodie e da irmã Floria (Brooke Carter);  Robin Wright (“Mulher Maravilha” - 2017), como a rainha Isabelle; e Nick Robinson, como o príncipe Henry (“Com Amor, Simon” - 2018). 

O filme não foi feito para morrer nas lágrimas, mas para surpreender e emocionar em algumas cenas. Se você aprecia contos de fadas às avessas, repletos de resiliência feminina, pegue o controle remoto e embarque nessa história.


Ficha técnica:
Direção: Juan Carlos Fresnadillo
Roteiro: Dan Mazeau
Produção e exibição: Netflix
Duração: 1h48
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: ação, aventura, fantasia

15 março 2024

Perturbador, "Zona de Interesse" usa o som como protagonista para retratar a banalização do sofrimento

A trama gira em torno da família Höss, que vive com indiferença em uma casa ao lado do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia (Fotos: A24/Divulgação)


Maristela Bretas


"Zona de Interesse (““The Zone of Interest”), vencedor do Oscar 2024 de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Som, é um filme que prende do início ao fim, não pela ação, mas pelo horror silencioso e banalizado que se desenrola diante dos nossos olhos. 

A trama gira em torno da família Höss, que vive em uma casa ao lado do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. O patriarca, Rudolf Höss (interpretado por Christian Friedel), é o comandante do local, um homem frio e calculista que comanda tudo e a todos com punho de ferro.

O que torna o longa tão perturbador é a maneira como retrata a banalização do horror. A família Höss leva uma vida normal, com seus afazeres domésticos, brigas e momentos de lazer à beira do rio ou da piscina no bucólico jardim da residência. 


A mãe, Hedwig Höss, é interpretada por Sandra Hüller, que arrasa também em outro vencedor do Oscar, "Anatomia de Uma Queda". Ela demonstra total indiferença ao sofrimento alheio, tratando a situação com frieza e desumanização, a ponto de usar roupas caras tomadas de famílias ricas judias que seriam exterminadas.

Os sons dos gritos, tiros e da fumaça das torres de incineração são apenas um pano de fundo para suas vidas. Mas são esses sons do horror que incomodam e causam mal-estar ao espectador. Não há nenhuma cena explícita, apenas o ruído macabro da morte e do sofrimento. Esta parte técnica foi muito bem trabalhada e mereceu o prêmio de Melhor Som no Oscar 2024.


Em meio à apatia e ao silêncio cúmplice, dois personagens se destacam: o filho caçula e a avó. O menino demonstra repulsa ao que está acontecendo, mas teme ser repreendido por ter tais sentimentos. Enquanto a avó que está visitando a filha, com sua sabedoria e experiência, tenta conscientizar a família sobre a crueldade dos atos praticados no vizinho ao lado.

O filme é sustentado por atuações memoráveis de todo o elenco. Christian Friedel transmite a frieza e a crueldade de Rudolf Höss com maestria, enquanto Sandra Hüller é impecável ao interpretar a indiferença e a hipocrisia de Hedwig Höss.


A produção, feita no Reino Unido, é um retrato implacável da indiferença humana diante do sofrimento alheio e não é fácil de assistir. O diretor e também roteirista Jonathan Glazer fez um trabalho meticuloso ao criar uma atmosfera claustrofóbica e angustiante. 

Utilizou-se de uma trilha sonora minimalista, composta pela britânica Mica Levi, e de uma cinematografia impecável na reprodução de detalhes, como a da casa onde viveu a família Höss ao lado do campo de extermínio.

Entre os pontos fortes temos as atuações impecáveis de Sandra Hüller e Christian Friedel, a direção meticulosa de Jonathan Glazer, a atmosfera claustrofóbica e angustiante (apesar de tudo) e a abordagem de um tema importante e necessário que voltou a ser atual. O ritmo lento em alguns momentos pode incomodar pessoas mais sensíveis.


Em entrevista à imprensa internacional, Glazer afirmou que se tratava de "um filme feito a partir de um profundo sentimento de raiva. Eu não estava interessado em fazer uma peça de museu. Não queria que as pessoas tivessem a distância segura do passado e saíssem sem se incomodar com o que vissem. Eu queria dizer não, não, não – deveríamos nos sentir profundamente inseguros em relação a esse tipo de horror primordial que está por trás de tudo."

"Zona de Interesse" é poderoso e perturbador, que nos faz confrontar a indiferença humana diante do sofrimento alheio. É um filme necessário, que nos faz refletir sobre a banalização do mal e a importância de nunca esquecermos os horrores do passado. Mas também nos convida a buscar a justiça e a compaixão em um mundo cada vez mais insensível.


Ficha técnica
Direção e roteiro: Jonathan Glazer
Produção: A24
Distribuição: Diamond Films
Exibição: no Cineart Ponteio e Cinemark Pátio Savassi; a partir de 31/03, no canal de streaming Prime Video
Duração: 1h46
Classificação: 12 anos
Países: Reino Unido, Polônia e EUA
Gêneros: drama, guerra