06 fevereiro 2015

Matemática é arma de guerra em “O Jogo da Imitação”

Benedict Cumberbatch dá a carga de dramaticidade na medida certa em cada cena (Fotos: Diamond Films/Divulgação)

Jean Piter



As histórias da Segunda Guerra Mundial parecem ser mesmo inesgotáveis. E isso não é algo ruim. Não para o cinema, que todos os anos lança filmes sobre o tema. “O Jogo da Imitação” é mais uma dessas obras que chega ao Brasil. Ou melhor, não é só mais um, é um dos grandes lançamentos do ano.

O filme é baseado na biografia do matemático britânico Alan Turing (Benedict Cumberbatch). Durante a Segunda Guerra Mundial, ele se candidata a ajudar o serviço de inteligência da Inglaterra a decifrar o código indecifrável de mensagens dos nazistas: o Enigma. A máquina alemã transmitia mensagens criptografadas em uma época em que ainda não existiam os computadores.

Turing era um gênio no que fazia. Por outro lado, era um completo antissocial. Tinha dificuldades em se relacionar com outras pessoas e de conviver com sua homossexualidade reprimida, já que, na época, esse comportamento era considerado crime na Inglaterra.

Atuação notável

Benedict Cumberbatch interpreta Alan Turing de uma forma que impressiona e merece todos os elogios. Ele coloca a carga dramática na medida certa em cada cena. Em outros momentos, sua atuação é irritante de tão realista. Frases grosseiras e expressões frias o transformam em uma pessoa realmente problemática. Por vezes, lembra Russell Crowe em “Uma Mente Brilhante” (2002).



Montagem

A edição é outro ponto alto de “O Jogo da Imitação”. O filme intercala passado e presente com cenas reais da Segunda Guerra. Algumas partes mostram a adolescência de Alan Turing, nos tempos de escola, quando já se mostrava uma pessoa nada popular. Ele contava apenas com a amizade de um colega de classe enquanto todos os outros o submetiam a humilhações.

A linha principal do filme mostra o trabalho de pesquisa e as inúmeras tentativas de decifrar as mensagens nazistas. A fase conclusiva, pós-guerra, é sobre a investigação da polícia inglesa em relação à homossexualidade de Turing. A forma como essas fases são intercaladas, ao som da música de Alexandre Desplat, dão um ar dramático bem dosado à obra.

Keira Knightley interpreta Joan Clarke, uma colega de trabalho de Turing. Ela é mais que uma coadjuvante. É uma personagem que sustenta a bela atuação de Cumberbatch. Matthew Goode também chama a atenção como Hugh Alexander, membro da equipe que tenta decifrar o Enigma. E Mark Strong atua bem como o agente secreto Stewart Menzies.

Como acontece em quase todas as histórias heroicas do cinema, os diálogos são preenchidos por frases feitas e sermões motivacionais. Não são muitos, mas são desnecessários. Um ponto a menos que não tira a grandeza do filme, nem mesmo depõe contra o brilhantismo da interpretação de Cumberbatch.

Ficha técnica:
Direção: Morten Tyldum
Produção: Black Bear Pictures / Bristol Automotive
Distribuição: Diamond Films Brasil
Duração: 1h55
Gênero: Biografia, Drama, Guerra
País: EUA, Reino Unido
Classificação: 12 anos
Nota: 4,0 (0 a 5)

Tags: O Jogo da Imitação; Benedict Cumberbatch; Keira Knightley; Alan Turing; Enigma; Segunda Guerra Mundial; Diamond Films; biografia; drama; Cinema no Escurinho

02 fevereiro 2015

“Birdman”: Extra, Extra! Herói aposentado tenta salvar sua carreira


Michael Keaton vive um conflito interno, com uma voz na cabeça que o perturba o tempo todo 
em "Birdman" (Fotos:Fox Film/Divulgação)

Jean Piter


O cinema dá fama e muito dinheiro aos atores. O teatro dá prestígio e reconhecimento como artista. Não é isso? Mas, no fim das contas, em um e no outro, o que cada um está buscando? Essa talvez seja a principal pergunta que move o novo longa-metragem do diretor Alejandro González Iñárritu: “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”.

O filme mostra Riggan Thomson (Michael Keaton), um ator que fez fama mundial interpretando o super-herói Birdman. Ao recusar fazer um quarto filme da franquia, ele vê sua carreira entrar em decadência. Vinte anos depois do auge, ele tenta se firmar como artista, dirigindo e estrelando no teatro um texto consagrado, mais precisamente na Broadway. Mas, isso não será tarefa fácil. 

Iñárritu ficou conhecido pelos seus filmes da Trilogia do Caos: “Amores Brutos” (2000), “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006). As obras têm roteiros semelhantes: são como um quebra-cabeça, com histórias que parecem não ter ligação, mas que acabam se cruzando em cenas atemporais. 


Diferente disso, “Birdman” é feito em uma linha cronológica, filmada em plano sequência. A câmera segue os atores pelos corredores, escadas e camarins do teatro. Por vezes anda atrás do personagem, por outras na frente e em outros momentos retrata a visão deles. 

Uma bela montagem que dá um bom ritmo ao filme, ao mesmo tempo em que proporciona uma sensação intimista aos expectadores. Os diálogos são ácidos, sarcásticos e divertidos. Os personagens têm falas possíveis, sinceras, como de pessoas reais.




Um belo time

Os personagens são complexos, bem construídos e complementares. A sintonia é notável. Michael Keaton é uma real pilha de nervos em busca de alívio. Ele tem que administrar a peça, lidar com os atores vaidosos e ainda cuidar da filha viciada (Emma Stone). Tem ex-esposa, problemas financeiros e a atual namorada, Laura (Andrea Riseborough), que também atua na peça. E ainda um conflito interno, a voz na cabeça que o perturba o tempo todo.

Os coadjuvantes dão um show à parte. Edward Norton faz o ator Mike Shiner e brilha nas crises de estrelismo. Naomi Watts é drama e insegurança na pele de Lesley. Emma Stone rouba a cena com seu andar rebolado, o jeito jogado, o humor e suas explosões com frases sinceras demais.

Zach Galifianakis é o agente a beira de um ataque de nervos que tenta por a casa em ordem, fazendo malabarismo para contornar as vaidades e problemas do elenco e, principalmente do diretor.


Provocações

“Birdman” é cheio de provocações e não procura dar respostas. O filme mostra os bastidores de uma peça teatral, onde não há glamour. Os atores renomados também têm problemas. Muitos problemas. Todos querem fama, sucesso e reconhecimento artístico. Todos querem chegar lá, mas não sabem o que vão fazer depois. Eles vivem preocupados com as críticas dos jornais e das revistas. Mas as críticas merecem mesmo toda essa atenção? E as redes sociais na internet, qual a importância delas? É uma produção sobre os dias atuais, de vídeos virais e vidas sem rumo. Um filme que provoca, impressiona e encanta.


Oscar e Globo de Ouro

“Birdman” concorreu em sete categorias no Globo de Ouro e levou dois prêmios: Melhor Ator de Comédia ou Musical para Michael Keaton e Melhor Roteiro. No Oscar, o filme lidera no número de indicações, com nove, ao lado de “O Grande Hotel Budapeste” (2014), entre elas a de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Ator Coadjuvante.

Na disputa pelo principal prêmio do Oscar, Melhor Filme, “Birdman” tem pela frente um concorrente de peso: “Boyhood - Da Infância a Juventude” (2014). O filme do diretor Richard Linklater foi gravado durante 12 anos, com os mesmos atores. Algo novo, uma proposta artística que impressionou e vem impressionando muita gente. Não por menos, o longa já conquistou mais de 70 prêmios em festivais e da crítica especializada, entre eles o Globo de Ouro de Melhor Filme.


Para os jurados do Oscar, ter “Birdman” e “Boyhood” na disputa pelo título de melhor filme de 2014 é algo que deve ser, no mínimo, inquietante. Por que não foram lançados em anos diferentes? Eles devem se perguntar. Por outro lado, para o público é algo fantástico poder ver dois filmes tão diferentes e tão incríveis na mesma época. Ganhe um ou ganhe o outro, o prêmio estará em boas mãos.

Ficha técnica:
Direção: Alejandro González Iñárritu
Produção: New Regency Pictures / R. et M. Productions / Grisbi Productions
Distribuição: Fox Film
Duração: 1h59
Gênero: Drama, Comédia
País: EUA
Classificação: 12 anos
Nota: 5,0 (0 a 5)

Tags: Birdman; Michael Keaton; Edward Norton; Emma Stone; Naomi Watts; Alejandro González Iñárritu; Fox Film; drama; comédia; Oscar 2015; Globo de Ouro; Cinema no Escurinho