A história é universal e pode acontecer em qualquer lugar do mundo (Fotos: Imovision/Divulgação) |
Mirtes Helena Scalioni
Com raras exceções. filmes que tratam de pessoas maduras costumam ser tristes. "Eu, Daniel Blake", produção britânica em parceria com a França e a Bélgica, é mais do que triste. É contundente, cortante. Ao final da sessão, muitos permanecem sentados nas poltronas, como se tentassem digerir o que acabaram de ver. A história do cidadão comum que, após um ataque cardíaco, se envolve na teia surreal da burocracia em busca de seus direitos como auxílio doença ou seguro desemprego assusta, choca, oprime. E olha que tudo se passa na Inglaterra, para muitos, o exemplo de civilidade.
Não foi por acaso que o filme, dirigido por Ken Loach - ele próprio um ancião de 80 anos - ganhou a Palma de Ouro 2016 em Cannes. A batalha de Daniel Blake, interpretado com naturalidade impressionante por Dave Johns, coloca o espectador no cerne de um labirinto. Atire a primeira pedra quem nunca precisou do Estado e se viu emaranhado em exigências absurdas e irracionais, ouvindo explicações e respostas vazias de atendentes que só fazem repetir regras e orientações decoradas. Quem nunca teve ímpetos de quebrar o telefone depois de ouvir infinitamente a mesma musiquinha intercalada de gravações que prometem um atendimento daqui a pouco?
No caso do sessentão do filme, há um agravante: a informática para ele é um mistério. Para Dan, ouvir de um atendente a simples ordem "entre no site, preencha o formulário e envie" significa problemas, dificuldades e mais atrasos. Em certo momento ele, que trabalhou a vida toda como carpinteiro, diz: "Me apresente um terreno que construo sozinho uma casa. Mas, por favor, não me mande sentar diante de um computador". Nesse sentido, "Eu, Daniel Blake" ajuda a refletir e chamar atenção para o fato de que nem todos nasceram íntimos do mouse e da internet. E que isso não significa necessariamente incompetência.
Mas o que fica mais claro no longa de Ken Loach é mesmo a maneira como a maldita burocracia e seus servidores inúteis podem mudar a vida e o destino dos cidadãos. A desumanidade, a forma impessoal de tratamento, a rigidez das regras parecem ter sido criadas exatamente para isto: para justificar a demora, para adiar a solução, para fazer com que o cidadão perca sua dignidade. E é com maestria e muita naturalidade que o diretor conduz a trama emocionando e envolvendo o público.
Os mais otimistas vão encontrar um fio de esperança no longa: numa das muitas visitas do carpinteiro a uma das repartições públicas, ele se sensibiliza com o drama de Katie (Harley Squires), jovem mãe solteira de duas crianças que veio de Londres para o interior em busca de oportunidades de trabalho. A amizade verdadeira que brota entre Daniel e aquela família desamparada comove e alimenta até os corações mais descrentes. O drama, com 1h41 de duração, ganhou a Palma de Outro em Cannes e está em cartaz no Belas Artes (14h20, 18h50, 21h10) e no Ponteio (18h50 e 21h). Classificação: 12 anos
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