14 fevereiro 2018

"Três Anúncios Para um Crime", um trabalho inesquecível de Frances McDormand

Filme conta a história da luta de uma mãe para encontrar os assassinos de sua filha (Fotos: 20th Century Fox/Divulgação)

Maristela Bretas


Impecável, tenso, brutal em alguns momentos. Tudo isso é encontrado no excelente "Três Anúncios Para um Crime" ("Three Billboards Outside Ebbing, Missouri"), mais um dos fortes candidatos ao Oscar 2018 como Melhor Filme. Ele disputa com "Lady Bird - A Hora de Voar", "Me Chame Pelo Seu Nome", "O Destino de Uma Nação", "Corra!", "A Forma da Água", "Dunkirk", "The Post - A Guerra Secreta" e "Trama Fantasma" - Confira as críticas de todos estes filmes no Cinema no Escurinho. Se já não bastasse a indicação ao maior dos prêmios, Frances McDormand, interpretando Mildred Hayes, a mãe que quer justiça pela morte da filha, vai merecidamente para a disputa da estatueta de Melhor Atriz. Está excelente no papel, é a grande estrela da produção.

O diretor, roteirista e produtor Martin McDonagh encontrou a forma e o elenco certos para contar uma história que poderia ser apenas mais uma sobre assassinato e vingança. "Três Anúncios Para um Crime" vai além, explora cada personagem e suas fraquezas e desatinos. A começar por Mildred Hayes (McDormand), uma mulher forte, determinada, divorciada do marido que a trocou por uma jovem de 19 anos, mãe de um rapaz que não compreende sua obsessão por justiça e que vive o drama do assassinato da filha adolescente que foi estuprada enquanto era morta. Sete meses se passaram e nenhuma notícia dos responsáveis.

Cansada da inércia da polícia local, Mildred decide instalar três outdoors na estrada onde aconteceu o crime e quase não é usada pela população da pequena Ebbing, no Missouri. Os anúncios cobram uma solução das autoridades, principalmente do xerife Bill Willoughby. Mildred é aquela pessoa que as pessoas respeitam mas não gostam de seu jeito direto e claro de resolver as coisas, principalmente quando o assunto é a morte da filha, que todos evitam falar. E sua atitude de colocar os anúncios denunciando o crime sem solução vai provocar a ira de vários moradores.

Já o xerife Bill Willoughby, papel muito bem interpretado por Woody Harrelson, é aquele querido por todos na cidade, bom marido e pai, mas que também vive seu drama pessoal e não sabe como resolver o caso da morte de Ângela, filha de Mildred. E ainda precisa controlar uma delegacia formada por integrantes destemperados que acobertam as falhas uns dos outros.

Entre eles está Jason Dixon, papel de Sam Rockwell, irrepreensível como o policial psicopata dominado pela mãe, homofóbico e que gosta de bater em negros. Totalmente sem controle, ele vê Mildred como uma inimiga que merece ser exterminada por pressionar o xerife, a quem idolatra. Sam Rockwell vai para a disputa do Oscar 2018 junto com Woody Harrelson na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. E ambos fizeram jus às indicações por suas excelentes atuações na produção.

O elenco conta ainda com as ótimas participações de Peter Dinklage (o anão apaixonado por Mildred), Lucas Hedges (como Robbie Hayes), Caleb Landry Jones (o corretor de imóveis Red Welby) e John Hawkes (Charlie Hayes, o ex-marido). "Três Anúncios Para um Crime" oferece também bela fotografia, locações bem selecionadas e um roteiro envolvente que provoca sensações variadas no público com relação aos personagens - ódio, compaixão, vingança, desejo de justiça. Até chegar a um final surpreendente.

Um filme que merece ser visto nos cinemas a partir desta quinta-feira como uma das melhores estreias da semana para quem busca um drama de qualidade, bem dirigido e com ótimas interpretações. Além de ser o vencedor dos festivais de cinema de Toronto, Veneza, San Sebastian, San Diego e BFI London em 2017, "Três Anúncios Para um Crime" concorre ainda aos prêmios de Melhor Roteiro Original, Melhor Montagem e Melhor Trilha Sonora Original no Oscar 2018.



Ficha técnica:
Direção, roteiro e produção: Martin McDonagh
Produção: Film4 / Fox Searchlight Pictures
Distribuição: Fox Film do Brasil
Duração: 1h56
Gênero: Drama
Países: EUA / Reino Unido
Classificação: 16 anos
Nota: 5 (0 a 5)

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12 fevereiro 2018

"The Post - A Guerra Secreta" - Lembrar para não esquecer

Tom Hanks e Meryl Streep são os protagonistas deste drama que denuncia o jogo de interesses na Guerra do Vietnã (Fotos: Universal Pictures/Divulgação)

Patrícia Cassese


Volta e meia, o universo das redações de jornais entra na mira dos estúdios de cinema pela participação efetiva desse dito "quarto poder" nos grandes acontecimentos da história recente. É fato: muitas vezes, sua participação se dá apenas no sentido de reportar o ocorrido - a cobertura de uma grande tragédia natural, por exemplo, como o tsunami de 2004. Em outras, porém, o papel da imprensa se amplia no sentido de tornar público o que, de outra forma, fatalmente ficaria circunscrito ao conhecimento de um círculo bem limitado de pessoas - e, neste espectro, entram os chamados segredos de estado, por exemplo.

"The Post - A Guerra Secreta", de Steven Spielberg, filme que está no páreo do Oscar - concorre a Melhor Atriz (Meryl Streep) e Melhor Filme - se debruça sobre um desses momentos nos quais o jornalismo assume o protagonismo ao revelar fatos que abalaram dois dos alicerces do mundo ocidental: a Casa Branca e o Pentágono. Em cena, a publicação de documentos secretos sobre a Guerra do Vietnã, que elevaram o "The Washington Post" ao panteão dos jornais mais influentes (e lidos), deliberada após uma série de discussões entre a proprietária do veículo, Kay Graham (Meryl Streep), e seu editor, Ben Bradlee (Tom Hanks).

Recuemos a 1971. Em meio ao conflito que se desenrolava no sudeste asiático, e que, num escopo mais amplo, reverberava ali, naquele pedaço do mapa, a Guerra Fria, um dos maiores jornais norte-americanos, o "New York Times", recebe (de um ex-colaborador do governo, Daniel Ellsberg, interpretado por Matthew Rhys) os chamados "Documentos do Pentágono". Os papéis deflagravam a verdade sobre a não necessidade do conflito, que se estendeu até 1975, tolhendo a vida de milhares de soldados de ambos os lados (no caso dos americanos, 58 mil) e provocando uma derrama de dinheiro público. O jornal, claro, deu início à publicação desse material explosivo, até que veio o recado, de certa forma edulcorado, sob a alegação de a segurança nacional estar em risco: o governo de Richard Nixon não iria tolerar que o restante do material fosse veiculado.

Ocorre que o incipiente "The Washington Post" também tinha esse material "nitroglicerina pura" em seu poder. E os documentos - encomendados por Robert McNamara (Bruce Greenwood), ex-secretário de Defesa dos EUA nos governos anteriores, de John F. Kennedy e de Lyndon Johnson - haviam chegado a um momento emblemático do periódico, que, na luta pela ampliação de público, abria seu capital, disponibilizando ações no mercado. Não bastasse se Katharine "Kay" Graham, a publisher, já vivia aí a tormenta de ter assumido o controle do jornal após a morte súbita do marido, a situação ganha contornos mais complicados quando se flagra em meio à difícil decisão de publicar ou não o material (inclusive diante de possibilidade real de ser presa, assim como dos laços que mantinha com alguns dos envolvidos).

Como se trata de um fato histórico, o desenrolar desse imbróglio não é mistério para ninguém: o material foi publicado e o "Washington Post" alçado a outro patamar. À imprensa, o diretor Steven Spielberg declarou que se viu impelido a passar esse projeto a frente de outros, dada a inquietação que o acomete, referente aos rumos que o atual governo de seu país vem tomando - está aí a troca de provocações com a Coreia do Norte que não nos deixa mentir. Pontuou, ainda, a honra de ter pela primeira vez, sob sua batuta, esses dois ícones do cinema dividindo o set - sim, qualquer cinéfilo que se preze sabe que ele dirigiu Hanks em "Ponte dos Espiões" (2015) e, com Meryl, estabeleceu colaboração em "A.I. Inteligência Artificial". Mas até então, os três não tinham dividido o set.

O filme tem fortes pilares. O primeiro, claro, o elenco e o diretor, já apontados. E sim, em um momento em que o protagonismo feminino é palavra de ordem, ver a personagem avant la lettre Kay Graham lutando para conciliar o lado mãe e avó com a recente viuvez e a dificuldade em se impor num ambiente então ainda predominantemente masculino é outro aspecto que certamente vai provocar empatia no público.

Mas o grande trunfo da empreitada é recuperar o tempo em que os jornais eram a fonte de informação à qual a população devotava legitimidade - e o poder público, justificado temor. Uma época de ouro que parece cada vez mais distante, diante da avalanche das novas mídias e na era das fake news. 
E se os acadêmicos do Oscar optaram por deixar de fora os nomes de Hanks e Spielberg na corrida para as estatuetas de ator e diretor, isso não diminui o mérito dessa empreitada que, de forma precisa (um pouco didática, talvez, mas válida), volve seu olhar sobre um episódio cujo paulatino distanciamento temporal não deve, jamais, minimizar o alerta que reside em seu bojo: guerras custam a vida de milhares de inocentes. E passam, para as páginas da história, como desnecessárias medidas advindas da ganância da indústria bélica aliadas à sanha pelo poder de insanos governantes. Os tais podres poderes aos quais Caetano Veloso se referia na música homônima.

Em tempo: palmas para Michel Stulbargh, ator que está presente em nada menos que três dos filmes do Oscar 2018: "The Post" (como Abe Rosenthal, editor-executivo do "The New York Times"), "Me Chame Pelo Seu Nome" (pai do personagem principal, Elio) e "A Forma da Água" (Robert Hoffstetler, o espião russo). "The Post - A Guerra Secreta" pode ser conferido nas salas das redes Cineart - Del Rey (5) e Ponteio Lar Shopping (3) - e Cinemark - Diamond Mall (4 e 5) e Pátio Savassi (1).



Ficha técnica:
Direção e produção: Steven Spielberg
Produção: DreamWorks Pictures / 20th Century Fox / Amblin Entertainment
Distribuição: Universal Pictures
Duração: 1h57
Gêneros: Drama / Suspense
País: EUA
Classificação: 12 anos

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