21 junho 2018

"Desobediência" - O preconceito que separa e impõe barreiras ao amor e à liberdade

Rachel Weisz e Rachel McAdams entregam ótimas interpretações das amigas que vivem um romance intenso e proibido (Fotos Sony Pictures/Divulgação)

Maristela Bretas


Tenso, envolvente, "Desobediência" ("Disobedience") é um romance de narrativa simples que vai ganhando força à medida que se aproxima o momento de reencontro pleno entre as duas protagonistas - Ronit (linda e fortemente interpretada por Rachel Weisz) e Esti (Rachel McAdams, que não fica atrás em interpretação). O amor contido, guardado e sofrido por anos vai ganhando força a cada cena, mesmo com toda vigilância da comunidade ortodoxa judaica onde vivem e que parece ter olhos em cada esquina. 

A história foca exatamente neste preconceito arraigado, e começa de forma simples mas sem muitas explicações, a partir da morte do pai de Ronit, o rabino que comandava uma pequena comunidade ortodoxa judaica nos arredores de Londres. Ela deixou a cidade e a família há anos e foi ser fotógrafa em Nova York. Seu retorno é visto com desagrado por familiares e integrantes do grupo. Ronit representa uma ameaça às tradições e o risco de provocar "reações desagradáveis de comportamento" em Esti, a quem amou na adolescência. Um amor proibido, entre duas mulheres, tratado como uma doença de cabeça que só poderia ser consertada com um casamento arranjado para manter as aparências. 


Outro que se mostra abalado com a chegada da fotógrafa é Dovid Kuperman (Alessandro Nivola, que também entrega ótima interpretação), amigo de infância e ex-namorado abandonado por Ronit e agora marido de Esti. Está formado o triângulo amoroso de renúncias e desejos.

O drama não é uma crítica à religião, mas mostra como algumas regras ortodoxas condenam e punem o amor entre duas pessoas e definem os destinos de uma comunidade. Os personagens anseiam pela liberdade, todos estão insatisfeitos, e aqueles que resolvem mudar o rumo imposto, são exilados. Ronit e Esti são as maiores vítimas disso e acabam afastadas, vivendo em mundos e realidades diferentes. Mas nem mesmo a distância conseguiu mudar o que uma sente pela outra.

Dovid sabe disso e não consegue evitar, apenas viver segundo a fé e os preceitos que lhe foram ensinados. Mas até mesmo ele se sente prisioneiro do que lhe foi determinado desde pequeno pelo rabino chefe e a comunidade. Ele teme que a chegada de Ronit destrua sua falsa vida perfeita de homem bem casado e sucessor do comando. E torce para que sua estadia seja bem breve.

As cenas de beijos e relação entre as duas Rachels são as mais esperadas e foram bem conduzidas, de intensidade moderada mas que passam bem o desejo das personagens de se tocarem e ficarem juntas novamente. Uma relação furtiva, de duas amantes que se portam como adolescentes fazendo algo proibido, o que não deixa de ser pela situação em que se encontram. 


O primeiro beijo após a volta, o local onde se encontravam quando jovens ao pé da árvore, a escapada para um quarto de hotel. Rachel Weisz e Rachel McAdams tiveram muita química em todo o filme, principalmente nas cenas mais íntimas, e o diretor Sebastián Lelio soube captar com muita sensibilidade, explorando cores, ângulos e o talento das duas atrizes.

O cinza e o preto são predominantes em "Desobediência", tanto na típica paisagem inglesa, quanto nas roupas usadas pelos frios e desconfiados membros da comunidade (verdadeiros corvos). 
O que dá um tom ainda mais ameaçador e frio para quem chega de fora. Os diálogos funcionam como desabafos, esclarecendo ao espectador o que aconteceu no passado e o que nunca foi dito. Até o momento em que é preciso definir como ficará a relação Ronit/Esti/Dovid depois do reencontro. 

Baseado no livro de Naomi Alderman, o filme tem de tudo um pouco do que se esperava de um tema que provoca e instiga - drama, romance, amor entre duas mulheres, busca pela aceitação, arrependimentos, resignação, desejo de liberdade, preconceito e tradições. Imperdível, principalmente pelas atuações femininas, dignas de um Oscar.



Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sebastián Lelio
Produção: Sony Pictures / Film4 / Filmnation / Braven Films / Element Films
Distribuição: Sony Pictures
Duração: 1h54
Gêneros: Drama / Romance
País: EUA
Classificação: 14 anos
Nota: 4 (0 a 5)

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19 junho 2018

"Jurassic World - Reino Ameaçado" perde a conexão com "Parque dos Dinossauros"

Chris Pratt e Bryce Dallas Howard se unem a Daniella Pineda e Justice Smith para tentarem salvar os dinossauros da extinção (Fotos: Universal Pictures/Divulgação)

Matheus Ciolete



Para quem, assim como eu, cresceu na década de 90 e estava considerando "Jurassic World" uma oportunidade nostálgica de reconexão com o mundo daquele ótimo "Parque dos Dinossauros" (1997), como chamávamos o filme nos corredores da escola, desconsidere. Abandone a hipótese de o longa, fique em casa, abra o baú, busque lá no fundo aquele álbum velho de figurinhas do chocolate Surpresa e gaste as duas horas e dez minutos de duração do filme passando folha por folha relembrando como eram bons aqueles tempos, longínquos, quase jurássicos, onde os filmes de dinossauros eram bons.


Todo o mundo jurássico criado pela “desextinção” dos dinossauros está ameaçado por um vulcão em iminente erupção. A ilha Nublar corre perigo e, portanto, é preciso resgatá-los. Para essa missão a mocinha Claire (Bryce Dallas Howard), ativista de uma sociedade que existe com o intuito de proteger os dinos, tem que retirar Owen (Chris Pratt) de uma espécie de autoexílio para ajudá-la na missão. Esta é a premissa de "Jurassic World: Reino Ameaçado", que estreia oficialmente nesta quinta-feira mas já está sendo exibido em dezenas de salas de BH.


Owen é o corajoso, herói sem medo do perigo, e com sede de aventuras, mas que tropeça às vezes por um excesso de vontade aliado a uma inanição intelectual. Claire é a mocinha piedosa, movida pelos mais sinceros sentimentos de amor e de preservação da espécie (jurássica, no caso). O restante da equipe do bem é formado por Franklin (Justice Smith), o nerd medroso e Zia Rodriguez (Daniella Pineda), uma mistura de Velma do Scooby-Doo com aluna de comunicação, embora nerd, é cool, tatuadinha, corajosa e se impõe no ambiente de trabalho.



E para o lado do mal vão: Eli Mills (Rafe Spall), o traidor ganancioso e Ken Wheatley (Ted Levine), um mercenário que, quem diria, participa de planos maquiavélicos por dinheiro. No meio desses personagens temos Maisie (Isabella Sermon), a neta de Lockwood. Uma personagem criança cuja missão seria desencadear a reflexão profunda sobre manipulação genética versus a ordem natural das coisas. O que não acontece.


É um filme de entretenimento, nos moldes clássicos, que faz de tudo para que o espectador esteja imerso na história, e nesse ponto o trabalho do diretor Juan Antonio García Bayona parece ter surtido algum efeito. Há algumas, raras, sequências que realmente funcionam, gerando certa ansiedade e, às vezes, dando sustos no público apesar do fraquíssimo roteiro. A valer, sequência digna de destaque mesmo, somente a primeira, em que um T-Rex vai se apresentando na tela em meio a raios, pouco antes de começar a perseguir um homem que estava na ilha.


Não há muito mais o que destacar, pois mesmo com o auxílio da tecnologia Imax 3D, que ajuda, e muito, no processo de penetração da audiência no mundo ficcional projetado na tela (tanto pela ilusão de proximidade com as cenas, quanto pela sofisticada dinâmica som-ambiente-imagem). Durante quase todo o filme, a relação de transparência entre espectador e a estória é comprometida pelo irrealismo dos efeitos especiais que têm seu ponto crítico na ligação dos dinossauros com a lei da gravidade, ou melhor, a falta de ligação. Isso incomoda o espectador mais atento e se torna obstáculo para que a conexão aconteça.



Esta opacidade, em oposição à transparência pretendida, se torna um problema ainda maior por se tratar de um filme inserido na tradição clássica do cinema norte-americano, o modo dominante no cinema mundial. Esses filmes se perpetuaram pela predominância de uma espécie de cinema com características bem definidas, fáceis de identificar: narrativa linear, núcleo central definido por um personagem principal ou um casal, coerência e verossimilança dos fatos. Tudo convergindo para o fácil entendimento do público da história que está sendo contada.



Justamente por apostar num cinema já consagrado, com fórmula definida, "Jurassic World: Reino Ameaçado" não poderia pecar onde peca. Não bastasse o problema com a computação gráfica, erra também em aspectos básicos. Como quando Owen, momentos depois de ter sido sedado instantaneamente, aparece em pleno auge da eficiência física, senhor de todas as suas funções motoras, correndo de um bando de dinossauros, numa das muitas perseguições que ocorrem no filme.



Aliás, não é exagero dizer que toda a ação em "Jurassic World: Reino Ameaçado" se resume em alguém fugindo de alguém ou de algo (um dinossauro), da forma mais literal possível. Todas as sequências de ação propriamente ditas são montagens paralelas de um dinossauro perseguindo alguém em alternância com alguém fugindo do dinossauro. Ou seja, todo o drama é mecânico e está diretamente relacionado com o tempo de locomoção dos envolvidos. Basear o drama psicológico da produção em um pega-pega entre dinossauros e humanos seria cômico se não fosse trágico, na verdade, é trágico e simultaneamente risível.




Ficha técnica:
Direção: Juan Antonio Bayona
Produção: Universal Pictures / Amblin Entertainment
Distribuição: Universal Pictures
Duração: 2h10
Gêneros: Aventura / Ficção científica / Ação
País: EUA
Classificação: 12 anos

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