26 junho 2018

"50 são os novos 30" - Delícia de comédia com a cara de filme francês

Marie-Francine e Miguel dividem os mesmo problemas de separação com filhos e sem uma casa própria para viverem (Fotos: Jean Marie Leroy/Gaumont Productions)

Mirtes Helena Scalioni


Não dá muito pra entender por que traduziram o título "Marie-Francine" para "50 são os novos 30", filme em cartaz pelo Festival Varilux de Cinema Francês 2018, com distribuição no Brasil pela Cineart Filmes. Dá até pra imaginar que os tradutores quiseram reforçar uma nova verdadezinha que, às vezes, rola nas redes sociais, segundo a qual, é cada vez maior o número de descasados maduros que, devido à crise financeira, são levados a voltar para a casa dos pais. Não dá pra saber se a máxima é baseada em alguma estatística confiável, mas é possível assegurar que, como versão para o nome do longa em questão, foi uma forçada de barra.

É certo que o filme fala exatamente disso, das contingências que levam uma mulher de 50 anos, Marie-Francine a retornar à casa dos pais após perder um emprego de mais de 10 anos e de levar um fora do marido que, claro, a trocou por uma mulher mais nova. Sem dinheiro e sem muito diálogo com as filhas adolescentes, só resta a Marie-Francine apelar para o aconchego do seu antigo lar. 


Ao montar uma lojinha de cigarros eletrônicos para ajudar nas despesas, ela conhece Miguel (Patrick Timisit) que, descobre-se, está na mesma situação que ela. Talvez isso tenha encorajado os tradutores a apelar para "50 são os novos 30", numa alusão a uma geração de 30 anos que, hoje, se acomoda na segurança da casa de papai e mamãe. 

A atriz principal, que faz o papel título e a irmã gêmea dela (Marie-Noëlle), é a excelente Valérie Lemercier, que por sinal é também a diretora do filme e uma das roteiristas. Isso já seria um ótimo motivo para respeitar o título original. "50 são os novos 30" é uma comédia, na verdade, uma boa comédia romântica, o que, em teoria, abre janelas para certa licença poética. O grande diferencial do longa é sua nacionalidade. Impressionante como os filmes franceses, não apenas os desse gênero, são absurdamente mais coloquiais do que os seus semelhantes americanos. 

Nada de mulheres lindíssimas e gostosas, nada de homens malhados, nada de caras, bocas e poses. O charme das obras francesas, não só desse gênero, é a naturalidade das interpretações. A mulher está sempre descabelada, o homem é careca, as roupas são comuns. Estão ótimos também Hélène Vincent e Philipe Laudenbacsh como os pais de Marie-Francine.


Um detalhe: ao falar de espaço e privacidade, "50 são os novos 30" fala também de uma Paris de apartamentos minúsculos e apertados, de escadas compridas e elevadores mínimos. E, embora, a certa altura, o enredo parta para uma espécie de acomodação para um final esperado, não se pode negar que há sim um jeito de "filme francês" que é irresistível. Além do idioma, lógico. 

Outro detalhe típico que encanta são as comidas. Como o personagem Miguel trabalha em um pequeno restaurante, há muitas delícias harmoniosamente arranjadas em pratos ou tigelinhas. Tudo muito simples, mas com um toque de requinte como convém ao modo francês de ser. E como de costume, um toque musical brasileiro estilizado - romance ao som da versão francesa de "Balancê, balancê", sucesso de carnaval de Gal Costa de 1979.
Duração: 1h35
Classificação: 12 anos
Distribuição: Cineart Filmes


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23 junho 2018

"Hereditário" foge dos clichês do gênero terror

O filme utiliza de diversos artifícios para despertar medo e evita a conhecida técnica do susto a partir de mudanças abruptas (Fotos: Splendid Films/Divulgação)

Carolina Cassese

         
Considerado pela crítica um dos filmes mais aterrorizantes do ano, “Hereditário” estreou no Brasil na última quinta-feira. O longa é centrado na história de Annie Graham (interpretada por Toni Collette), uma galerista que vive com o marido e os dois filhos. Após a morte de sua mãe, toda a família passa a ser aterrorizada. A filha mais nova, Charlie (Milly Shapiro), é especialmente afetada, já que tinha uma relação próxima com a avó. A narrativa é, sem dúvidas, sobre uma tragédia familiar. 

O filme utiliza de diversos artifícios para despertar medo e evita a conhecida técnica do jump scare (susto a partir de mudanças abruptas). Inova também por evitar utilizar a música para antecipar as ações assustadoras e por não apresentar nenhuma entidade maligna. É um terror inteligente e bem desenvolvido (o chamado "pós-horror"). A ambiguidade é um elemento presente em toda a narrativa. 


O longa é da produtora A24, também responsável pelo filme “A Bruxa”, de 2015. Os dois filmes têm em comum um bom desenvolvimento de trama e um ritmo mais lento, que não dá soluções imediatas ao espectador. Após ser exibido no Festival de Cinema de Sundance, “Hereditário” foi também comparado com o clássico "O Exorcista".  

Sabe-se que o gênero terror é considerado "desgastado" e até mesmo "menor" por boa parte da crítica e do público. "Hereditário", no entanto, foi aclamado justamente por fugir dos clichês. Ocupa um lugar de prestígio entre os críticos, ao lado dos recém-lançados "Corra" (2017) e "Um Lugar Silencioso" (2018). 

O trabalho de Ari Aster na direção não deixa a desejar. A relação estabelecida entre as casas em miniatura, construídas por Annie, e a casa da família Graham é sem dúvidas um acerto, e passa a impressão de que tudo que acontece ali está sendo operado por uma força maior. 

No elenco, que tem ainda Gabriel Byrne (o marido Steve), Alex Wolff (o filho Peter) e Ann Dowd (a amiga Joan), o destaque é a atuação de Toni Collette. A personagem principal é construída com cuidado e complexidade, merecedora de uma indicação ao Oscar pelo desempenho, mas sabe-se que, na história da academia, somente 14 filmes de terror receberam indicações de seus atores.

Tenso e angustiante, especialmente a partir do segundo arco, "Hereditário" tem tudo para ser realmente o filme mais assustador do ano. A premissa de uma família assombrada por forças sobrenaturais está longe de ser inédita, mas o excelente uso da linguagem cinematográfica torna a película inovadora. 
Duração: 2h06
Classificação: 16 anos
Distribuição: Diamond Films



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