21 julho 2018

“Uma casa à beira-mar” parte do quintal para falar do universal

Reflexões sobre família e morte fazem deste um filme melancólico e rico (Fotos: Diaphana Distribution // Agat Films & Cie/France 3 Cinema)

Mirtes Helena Scalioni


Intimista - porque trata de questões familiares - e ao mesmo tempo eloquente - porque essas questões se alargam para o conflito de gerações e, posteriormente, para o humanitário. Assim é "Uma casa à beira-mar", mais um filme francês que tem emocionado plateias mundo afora ao esbarrar no universal contando uma história de pequenos quintais. 

Originalmente, o nome do longa é "La Villa", o que resume bem a ideia do que aborda o diretor Robert Guédiguian que, sutilmente à esquerda, continua falando de utopias. Já tem gente considerando esse como - por enquanto - o filme do ano.

Maurice (Fred Ulysse) vive numa pequena e paradisíaca vila à beira-mar próxima a Marseille, onde mantém um restaurante simples e popular. Junto com ele vive o filho Armand (Gerard Meylan), que gosta da vida bucólica e parece integrado ao ambiente e à singeleza do lugar. Quando Maurice sofre um colapso e passa a ter uma vida vegetativa, juntam-se a eles Joseph (Jean-Pierre Darroussin) e Angèle (Ariane Ascaride), os irmãos que faltavam para completar a família.

Afinal, diante da situação que pode durar dias ou anos, é preciso decidir o que fazer da casa, do restaurante, da vida. É preciso dizer ainda que Joseph é um escritor angustiado em fim de carreira, que leva com ele uma namoradinha muitos anos mais jovem, Bérangére (Anais Demoustier), antenada no moderno e no contemporâneo. E Angéle, uma atriz de teatro em plena atividade, leva com ela a tragédia particular de ter perdido a filha Blanche ali mesmo na vila.

É de se supor que, juntos, os irmãos Armand, Joseph e Angèle vão reviver episódios da infância, lavar roupa suja, ajustar contas. Nesse sentido, "Uma casa à beira-mar" é saudosista e deliciosamente melancólico. Mas ainda entram na história os pequenos e sutis conflitos de gerações e de ideologias e pelo menos mais três tramas paralelas: do casal de velhos vizinhos aos cuidados do jovem e bem-sucedido filho médico, Yvan (Yann Tregouët), do pescador Benjamin (Robinson Stévenin), também jovem, que nutre desde sempre uma paixão platônica por Angèle e sua arte de representar. E, por fim, a dos militares que, de vez em quando, passam pelas casas alertando para o perigo da possível chegada de refugiados - tema mais do que atual, principalmente em se tratando da Europa.

O que alguns podem considerar como lento e arrastado no filme, pode também ser visto como metáfora. "Uma casa à beira-mar" é um filme autoral e maduro e fala do que é essencial: a convivência humana. De quebra, faz uma pequena homenagem ao teatro, lembrando trechos de Brecht e fazendo referências ao texto de "A alma boa de Setsuan" que, segundo consta, foi efetivamente encenado pela atriz Ariane Ascaride, que faz Angèle e, na vida real, é mulher do diretor Guédiguian.

Outra curiosidade: os três "irmãos" - Gerard Meylan, Jean-Pierre Darroussin e Ariane -  já trabalharam juntos antes com esse diretor em "O Fio de Ariane" (2016), "As Neves do Kilimanjaro" (2012) e "Lady Jane" (2008), o que possibilita, a certa altura, cenas deles ainda jovens ilustrando as lembranças de um deles.

Além do final - fantástico e surpreendente - há cenas antológicas em "Uma casa à beira-mar", quando, aos poucos, num momento particularmente dramático, praticamente todos os personagens vão se juntando numa varanda da casa fumando e olhando para o mar como se buscassem uma resposta, em silêncio, um sentido para a vida. Mas será que há?
Classificação: 12 anos
Duração: 1h47


Tags: #UmaCasaABeiraMar,  #LaVilla, #Imovision, #GerardMeylan, #Jean-PierreDarroussin, #ArianeAscaride, #RobertGuediguian, #drama, #CinemanoEscurinho

19 julho 2018

"Custódia": suspense gradual e inteligente que extrapola a questão judicial

História trata da disputa de um pai e uma mãe pela guarda do filho que extrapola a questão judicial (Fotos: KG Productions/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Engana-se quem pensa que "Custódia" é mais um filme de tribunal. Não é. E o que começa morno, lento, com debates e argumentos burocráticos e quase impessoais entre duas advogadas e uma juíza numa sala de algum fórum de Justiça da França, ganha cores e ares de drama de suspense. E embora seja mais uma história sobre a disputa de um pai e uma mãe pela guarda do filho, o longa guarda surpresas que prendem e mantém o espectador preso até o final.

Dirigido e roteirizado por Xavier Legrand, "Custódia" tem Léa Drucker e Denis Ménochet ("Bastardos Inglórios", "7 dias em Entebbe") nos papéis de Miriam Besson e Antoine Besson, mãe e pai do pequeno Julien Besson, encantadoramente interpretado pelo ator mirim Thomas Gioria, uma promessa. Em papel difícil, de poucas palavras, o menino se sai muito bem como a criança tímida, atormentada e rebelde que, de repente, se vê no meio de uma guerra de adultos da qual não gostaria de participar.

Destaque também para a jovem atriz Mathilde Auneveux, que faz Josephine Besson, a irmã mais velha de Julien, prestes a fazer 18 anos e, portanto, pelo menos a princípio, menos impactada do que ele com a disputa dos pais.

Talvez o grande mérito de "Custódia" seja a forma, lenta e gradual, com que os personagens vão se revelando ao público. É devagar que o espectador vai descobrindo nuances da personalidade de cada um, pois nada é escancarado. Isso, de certa forma, ajuda a manter e aumentar a expectativa.

A festa de 18 anos de Josephine é um exemplo claro de como o clima de tensão e quase falta de ar pode ser mantido e aumentado de forma sutil e inteligente. Enquanto os convidados bebem, comem e dançam, o espectador não sabe o que os envolvidos estão conversando, pois a música está deliberadamente em alto volume a ponto de impedir que os diálogos sejam ouvidos. Mas todos sentem que algo grave está por acontecer.
Classificação: 14 anos
Duração: 1h33


Tags: #Custodia, #suspense, #drama, #XavierLegrand, #LéaDrucker, #DenisMénochet, #CinemanoEscurinho