23 julho 2018

Em “Morte e Donzela”, Egon Schiele vira um personagem quase do tamanho de sua obra

Filme aborda a vida de um dos nomes mais importantes do movimento expressionista (Fotos: Alamode Film/Divulgação)

Wallace Graciano


Início do Século XX e a Áustria era tida como o berço artístico do mundo. O pensamento elevado e a criatividade pairavam no ar de Viena, exalando conhecimento e criatividade. Não à toa, essa aura trouxe mentes brilhantes e controversas, como Egon Schiele, um dos mais exuberantes pintores de que se tem notícia, e que tem sua vida retratada em “Egon Schiele – Morte e Donzela”. O filme está em exibição no Net Cineart Ponteio Premier, em sessões às 16h30 e 21h10.

Ao contrário de “Egon Schiele – Excesso e Punição”, a primeira cinebiografia do autor, que foi lançada no Brasil em 1981, “Morte e Donzela” tem como tônica o impacto de sua controversa vida boêmia em suas obras. A película dirigida pelo austríaco Dieter Berner coloca o protagonista em uma corda bamba entre seus instintos e um período conservador, ditado pelo preconceito.


Na trama, Egon Schiele (Noah Saavedra) caminha sobre a linha tênue de ter relações pessoais intensas em meio ao seu potencial artístico, escancarando ao mundo sua visão de tudo que lhe estava envolto, sem o mínimo filtro que o período pedia. Parte disso deve-se à paixão doentia por Wally (Valerie Pachner) - que foi imortalizada em sua obra - e seus relacionamentos viscerais, inclusive o fraterno com a irmã, Gerti (Maresi Riegner).

Ao longo da película fica claro que sua personalidade foi a maior chaga, mas também o imortalizou. Esse, talvez, seja o maior pecado da trama, que não consegue dar o teor dramático que circunda Schiele, muito por Saavedra, que não consegue transmitir o lado sedutor do personagem.

Em “Morte e Donzela”, Dieter Berner conseguiu ambientar o roteiro (dividido com a escritora Hilde Berger, autora do livro homônimo) dentro do contexto histórico e explorando as nuances da época com vastos recursos visuais. Faltou, apenas, expor ao público toda a carga emocional que o personagem exige. Um artista que usava os desenhos como forma de fugir da realidade e, de alguma forma, lidar com ele.



Ficha técnica:
Direção e roteiro: Dieter Berner
Produção: Amour Fou Luxembourg
Distribuição: Cineart Filmes
Duração: 1h50
Gêneros: Drama / Biografia / Histórico
Países: Áustria / Luxemburgo
Classificação: 14 anos
Nota: 3,5 (0 a 5)

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21 julho 2018

“Uma casa à beira-mar” parte do quintal para falar do universal

Reflexões sobre família e morte fazem deste um filme melancólico e rico (Fotos: Diaphana Distribution // Agat Films & Cie/France 3 Cinema)

Mirtes Helena Scalioni


Intimista - porque trata de questões familiares - e ao mesmo tempo eloquente - porque essas questões se alargam para o conflito de gerações e, posteriormente, para o humanitário. Assim é "Uma casa à beira-mar", mais um filme francês que tem emocionado plateias mundo afora ao esbarrar no universal contando uma história de pequenos quintais. 

Originalmente, o nome do longa é "La Villa", o que resume bem a ideia do que aborda o diretor Robert Guédiguian que, sutilmente à esquerda, continua falando de utopias. Já tem gente considerando esse como - por enquanto - o filme do ano.

Maurice (Fred Ulysse) vive numa pequena e paradisíaca vila à beira-mar próxima a Marseille, onde mantém um restaurante simples e popular. Junto com ele vive o filho Armand (Gerard Meylan), que gosta da vida bucólica e parece integrado ao ambiente e à singeleza do lugar. Quando Maurice sofre um colapso e passa a ter uma vida vegetativa, juntam-se a eles Joseph (Jean-Pierre Darroussin) e Angèle (Ariane Ascaride), os irmãos que faltavam para completar a família.

Afinal, diante da situação que pode durar dias ou anos, é preciso decidir o que fazer da casa, do restaurante, da vida. É preciso dizer ainda que Joseph é um escritor angustiado em fim de carreira, que leva com ele uma namoradinha muitos anos mais jovem, Bérangére (Anais Demoustier), antenada no moderno e no contemporâneo. E Angéle, uma atriz de teatro em plena atividade, leva com ela a tragédia particular de ter perdido a filha Blanche ali mesmo na vila.

É de se supor que, juntos, os irmãos Armand, Joseph e Angèle vão reviver episódios da infância, lavar roupa suja, ajustar contas. Nesse sentido, "Uma casa à beira-mar" é saudosista e deliciosamente melancólico. Mas ainda entram na história os pequenos e sutis conflitos de gerações e de ideologias e pelo menos mais três tramas paralelas: do casal de velhos vizinhos aos cuidados do jovem e bem-sucedido filho médico, Yvan (Yann Tregouët), do pescador Benjamin (Robinson Stévenin), também jovem, que nutre desde sempre uma paixão platônica por Angèle e sua arte de representar. E, por fim, a dos militares que, de vez em quando, passam pelas casas alertando para o perigo da possível chegada de refugiados - tema mais do que atual, principalmente em se tratando da Europa.

O que alguns podem considerar como lento e arrastado no filme, pode também ser visto como metáfora. "Uma casa à beira-mar" é um filme autoral e maduro e fala do que é essencial: a convivência humana. De quebra, faz uma pequena homenagem ao teatro, lembrando trechos de Brecht e fazendo referências ao texto de "A alma boa de Setsuan" que, segundo consta, foi efetivamente encenado pela atriz Ariane Ascaride, que faz Angèle e, na vida real, é mulher do diretor Guédiguian.

Outra curiosidade: os três "irmãos" - Gerard Meylan, Jean-Pierre Darroussin e Ariane -  já trabalharam juntos antes com esse diretor em "O Fio de Ariane" (2016), "As Neves do Kilimanjaro" (2012) e "Lady Jane" (2008), o que possibilita, a certa altura, cenas deles ainda jovens ilustrando as lembranças de um deles.

Além do final - fantástico e surpreendente - há cenas antológicas em "Uma casa à beira-mar", quando, aos poucos, num momento particularmente dramático, praticamente todos os personagens vão se juntando numa varanda da casa fumando e olhando para o mar como se buscassem uma resposta, em silêncio, um sentido para a vida. Mas será que há?
Classificação: 12 anos
Duração: 1h47


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