Mark Wahlberg é o líder de uma equipe de elite que precisa cuidar de um misterioso informante (Fotos: Diamond Films/Divulgação)
Maristela Bretas
Mark Wahlberg repete seu jeito "Transformers de ser" como o mocinho que vai resolver a parada toda com muito tiro e porrada, auxiliado por outros brutamontes. Em "22 Milhas" ("Mile 22"), ele é o líder de uma unidade secreta de elite dos EUA, a Overwatch, chamada sempre quando nem as forças militares nem a diplomacia são suficientes para resolver um conflito.
A missão do grupo é levar um misterioso informante por um trajeto de 22 milhas até o local de embarque para os EUA onde este irá liberar informações confidenciais sobre uma carga de material radioativo roubada. História simples, sem mistério. Mas o roteirista quis complicar e acabou fazendo de "22 Milhas" um filme extremamente confuso, cheio de rodeios sem explicação, que só permite ao expectador entender a trama depois da metade da exibição.
Tem muita ação, com certeza, bem ao estilo de Wahlberg, mas até o mocinho musculoso tem falas fracas, como se fosse um iniciante. Quando fala, apresenta um personagem antipático e destemperado, como se tivesse com raiva do mundo ou de ter feito o filme, diferente de outros que já interpretou. Pior é ouvir o agente James Silva, papel do ator, gritando o tempo, com comentários machistas sobre a colega de equipe separada que tem uma filha pequena que mora com o pai.
A proposta de "22 Milhas" lembra vagamente a história de "Protegendo o Inimigo" (2012), que teve no elenco Ryan Reynolds, Denzel Washington e Vera Farmiga, que entregaram interpretações bem melhores que Mark Wahlberg, John Malkovich (desperdício de talento) e Lauren Cohan prejudicados pelo roteiro fraco e confuso até na locação - a produção se apresenta como num país no sudeste asiático, mas foi todo filmado na Colômbia (????). O mesmo que gravar em Copacabana e dizer que é uma praia no Taiti. Tudo bem, dos males o menor.
Dirigido por Peter Berg, “22 Milhas” tem ainda no elenco a lutadora de WWE Ronda Rousey e o ator, lutador, coreógrafo de lutas e dublê Iko Uwais, como o policial tailandês Li Noor que tem os segredos do Césio desaparecido e só entrega sua localização após receber asilo nos EUA. Uwais tem uma atuação que se sobressai e está muito melhor que o ator principal, além de dar um show de luta. Não espere uma história coerente, "22 Milhas" é para aqueles que gostam de muita ação, mesmo que não entendam porque em algumas situações ela está acontecendo. Não foi uma boa investida de Mark Wahlberg e Peter Berg, parceiros em outras boas produções, como “O Grande Herói” (2013) e “O Dia do Atentado” (2017), esta última com roteiro ágil e bem articulado que surpreende e emociona.
Ficha técnica: Direção: Peter Berg Produção: Film 44 / Closest to The Hole Productions Distribuição: Diamond Films Duração: 1h35 Gêneros: Ação / Suspense País: EUA Classificação: 14 anos Nota: 2,5 (0 a 5)
Tati (esquerda) é a protagonista que passa a sofrer bullying depois de ser exposta na internet (Fotos: Globo Filmes/Divulgação)
Carolina Cassese
O vazamento de um vídeo íntimo, que contém uma cena de sexo entre a Tati e seu ex-namorado, desencadeia os principais acontecimentos de "Ferrugem", longa de Aly Muritiba, que está em cartaz no Belas 3 (sessão das 18 horas). O filme não só mostra os desdobramentos do ocorrido como também se propõe a investigar a maneira como a geração hiperconectada se relaciona. A representação de adolescentes de classe média em "Ferrugem" é verossímil e escapa de estereótipos, mas, para o espectador, não é tarefa fácil construir uma relação genuína de empatia com qualquer um dos personagens, já que os mesmos são construídos de maneira rasa.
A premissa do longa se assemelha com a de "Depois de Lúcia" (2012), filme mexicano dirigido por Michel Franco, também centrado em uma adolescente que, após ter um vídeo íntimo divulgado, sofre bullying pesado por parte dos seus colegas de escola. A produção mexicana, no entanto, impacta e atordoa mais o espectador. "Ferrugem" é dividido em duas partes. A primeira, contada a partir de Tati (Tiffanny Dopke), retrata o bullying que a protagonista passa a sofrer depois de ser exposta na internet. Na segunda, acompanhamos Renet (Giovanni de Lorenzi), um garoto recluso que se envolve brevemente com Tati e é um dos suspeitos de ter vazado o vídeo. Um acontecimento drástico separa os dois atos.
A disparidade entre eles é evidente. O primeiro, colorido e dinâmico. O segundo, pela visão (ou pela culpa) de Renet, monocromático e lento. A instantaneidade permeia a primeira parte do longa. Após o vazamento do vídeo, Tati escreve para Renet e, segundos depois, o chat do Facebook notifica: “mensagem visualizada”. Nada de resposta. A ansiedade logo consome a protagonista. “Você vai me ignorar?”. Nada de resposta. Em outra cena, é também uma notificação que dá o recado de que o vídeo de Tati está em um site pornô. Pouco tempo depois, a protagonista não resiste e checa a tal página, visualizando, inclusive, os comentários horrendos. O ímpeto de clicar não é facilmente controlável. Quando Tati sai da sala de aula, após ser ridicularizada em uma apresentação de trabalho, os sons que escutamos são difusos.
As imagens também não são nítidas, representando o olhar turvo característico de quem acabou de passar por uma situação humilhante. Envergonhada, a adolescente passa a faltar às aulas. O isolamento social é um sintoma recorrente do comportamento depressivo, que acomete também a garota Alejandra em "Depois de Lúcia". A angústia está claramente presente em Tati, mas especialmente por conta do ritmo que dita o primeiro ato, não é possível conhecer a protagonista a fundo. Os rabiscos do banheiro feminino da escola da garota, típicos de qualquer colégio do Ensino Médio, compõem uma ambientação pertinente para a narrativa. Enquanto no espelho está escrito “você é linda”, de batom (mensagem que recentemente passou a marcar presença em muitos banheiros por conta das crescentes discussões sobre empoderamento), no azulejo ao lado uma garota é chamada de vadia.
A geração que compartilha textões feministas nas redes sociais ainda esbarra com comportamentos machistas arraigados. A amiga de Tati é fonte de apoio e sororidade, mas se sente na obrigação de obedecer ao namorado quando o mesmo diz que ela deveria ficar longe de sua colega. O filme deixa claro que as consequências de um vídeo íntimo vazado são diferentes para homens e mulheres, já que o ex de Tati segue com sua vida normalmente (no máximo ouvindo um comentário engraçadinho sobre o tamanho de seu pênis), enquanto a garota é completamente exposta e estigmatizada. Não se pode afirmar, no entanto, que a discussão sobre o machismo é profunda. A raiz do preconceito não está em pauta.
Aly Muritiba acerta em não mostrar os pais de Tati. Os dois se contentam com respostas vagas da menina e não percebem que há algo de errado com o seu comportamento. Apesar de viverem na mesma casa (um ambiente bem clean, decorado inclusive com fotos grandes de Tati na sala), a conexão entre a adolescente e os pais é praticamente inexistente. Em "Ferrugem", as ausências e os silêncios são mais potentes do que qualquer aparição ou diálogo. Isolada, Tati tira a própria vida. Consciências pesadas e turvas. Inicia-se, então, o segundo ato do filme. Após o trágico ocorrido, o pai de Renet leva a família para uma casa à beira-mar. A lentidão da segunda parte pretende evidenciar a aflição de Renet. As locações são bem escolhidas e a direção de fotografia, que expressa melancolia, não deixa a desejar.
Por outro lado, a cena em que o protagonista pede desculpas a Tati, por meio de um recado na caixa postal, soa tosca e quase irritante. Algumas perguntas importantes também não são respondidas, dentre elas: o que de fato motivou Renet a espalhar o vídeo? Impulso? Algum tipo de vingança? É interessante perceber que as personagens mulheres são mais empáticas do que os homens. Enquanto David, pai de Renet e também professor, se sente no direito de pegar e esconder o caderno de Tati, a fim de apagar indícios contra o filho, a mãe, Raquel, se impõe: “isso é justo com a menina?”. Neste momento, o tempo abre. Narrativa e estética dialogam constantemente, muitas vezes até de maneira óbvia (como nessa cena da discussão entre David e Clarice, em que a conexão entre desembaçar o vidro do carro e resolver a relação dos dois é explícita). O primo de Renet ridiculariza a atitude drástica de Tati, enquanto a irmã do protagonista demonstra, mesmo que de relance, ter alguma empatia com o ocorrido.
O sensacionalismo da mídia e a cultura do espetáculo rondam a narrativa. Um programa de televisão tem acesso às gravações da câmera da escola, que mostram Tati se matando. Horas depois, o vídeo viraliza no WhatsApp. O primo de Renet recebe o conteúdo e pretende consumi-lo como entretenimento. Renet, em um primeiro momento, se nega a ver as imagens, mas, em cena posterior, decide acessar o vídeo. Novamente, a ânsia pelo clique é voraz. A segunda parte é contemplativa. O difícil é inferir que o personagem Renet tem profundidade o suficiente para ser contemplado em planos tão longos. Fica a sensação de que "Ferrugem" apresenta dois filmes (muito diferentes) em um só. A disparidade entre um ato e outro, como foi dito anteriormente, não diz respeito apenas à mudança de protagonista, mas também ao ritmo, à montagem e paleta de cores.
A transição é abrupta. O primeiro se aproxima de uma "Malhação", enquanto o segundo, mais sombrio, investiga um personagem sem conseguir adentrar de fato em seu universo. Se por um lado o longa acerta com sua direção cuidadosa e com o preciso trabalho de som, por outro peca com a construção dos personagens, já que não é possível compreender as motivações dos mesmos, e também com a superficialidade dos muitos debates apresentados – como a prática de slut shaming, o distanciamento entre pais e filhos, o isolamento social e uma possível depressão.