22 novembro 2018

"Infiltrado na Klan" escancara a hipocrisia do racismo norte-americano

John David Washington é o policial negro  que inicia uma investigação com o colega Adam Driver contra uma das maiores seitas racista dos EUA (Fotos: Universal Pictures/Divulgação)

Maristela Bretas


Três grandes nomes do cinema atual - Spike Lee, Jordan Peele e Jason Blum - se uniram para produzir e entregar um dos melhores policiais do ano - "Infiltrado na Klan" ("Blackklansman"), um filme que bate sem dó na questão do racismo, cada vez mais forte nos Estados Unidos. Baseado no livro escrito por Ron Stallworth, o policial que desmascarou um dos maiores grupos racistas norte-americanos, a Ku Klus Klan, o longa revela que de Norte a Sul do país, a perseguição racial vem se tornando mais séria a cada dia.

Assim como em "Rodney King" (produção para a Netflix de 2017), Spike Lee tem procurado mostrar em seus filmes esta questão racial, que fez despertar também os movimentos de oposição promovidos por aqueles que sofrem ao longo dos anos. Apesar de ser um assunto sério, o diretor consegue mesclar no filme bons momentos cômicos para mostrar que o preconceito além de hediondo é burro e comandado por pessoas cujo ego fala mais alto que a razão.

"Infiltrado na Klan" começa sua história em 1978, quando Ron Stallworth (John David Washington) resolve se tornar o primeiro policial negro de uma pequena cidade no Colorado, no Centro-Oeste dos EUA, onde a Ku Klus Klan exerce uma grande influência. Com direito a cabelo black power e um estilo cheio de ginga, ele ainda acredita que o racismo na corporação não existe, mas aos poucos vai descobrindo outra realidade. E decide lutar contra isso, expondo os maiores responsáveis - os seguidores da seita - e precisará contar com ajuda do colega policial e judeu Flip Zimmerman (Adam Driver) para desmarcar o grupo.

Por meio de ligações telefônicas e cartas, Ron consegue se infiltrar na KKK, mas é Flip quem aparece nas reuniões. Toda a investigação dura meses, até Ron ocupar uma das lideranças da seita e receber como missão sabotar movimentos negros que começavam a se impor contra o preconceito e promover linchamentos e outros crimes de ódio dos racistas.

O personagem de John David Washington (que está excelente) vai ganhando força ao longo do filme, articulando toda a trama e envolvendo facilmente os integrantes da Klan com sua conversa bem articulada e culta para conseguir chegar ao líder supremo do movimento. Afinal, para os racistas, "negro não sabe falar, só usa gíria", o que torna mais fácil para Ron enganar seus inimigos.

Já Adam Driver faz a parte dos judeus, também alvo dos racistas, e seu personagem Flip vai descobrindo aos poucos a importância de suas origens a partir do momento que começa a se envolver com a seita e perceber que por ser judeu é tão discriminado quanto pessoas de outras raças e etnias.

Todo o elenco está excelente e conta ainda com Topher Grace, como David Duke, líder supremo da KKK; Ryan Eggold, um dos seguidores; Laura Harrier, a militante negra Patrice Dumas; Jasper Pääkkonen, Ashilie Atkinson como o casal racista também integrante da seita.

"Infiltrado na Klan" também apresenta grandes figuras negras norte-americanas como Angela Davis (apenas citada), que foi fonte de inspiração para várias jovens, incluindo Patrice Dumas, na forma de pensar, de se vestir e no corte de cabelo. Corey Hawkins e Harry Belafonte interpretam os líderes negros Kwane Ture e Jerome Turner, respectivamente, que atraíram milhares de seguidores pelo país.

O filme revela ainda como é grande a hipocrisia do sistema na questão racial que, mesmo a seita tendo sido desmascarada, ela não perdeu força e ganhou novos seguidores ao longo dos anos, garantindo espaço inclusive em importantes cargos no governo. A forma como Spike Lee foi contando a trajetória do racismo norte-americano, usando até mesmo cenas de "E o vento levou" para ilustrar a Guerra de Secessão (Guerra Civil nos EUA entre os estados do Sul e do Norte, entre os anos de 1861 e 1865) até chegar às imagens dos conflitos raciais ocorridos neste ano, é um diferencial. 

Um soco no estômago e também uma aula de história sob o ponto de vista daqueles que têm sofrido ao longo dos anos com o preconceito, em especial os negros, mas que souberam impor sua força e sua voz. Roteiro, direção, figurinos, reconstituição de época e trilha sonora estão impecáveis, mas acima de tudo "Infiltrado na Klan" é um filme excelente, realista, atual, que questiona e critica duramente o atual governo norte-americano. Um dos melhores filmes de Spike Lee. Recomendadíssimo.



Ficha técnica:
Direção e roteiro: Spike Lee
Produção: Blumhouse Productions / Focus Feature
Distribuição: Universal Pictures
Duração: 2h16
Gêneros: Policial / Biografia
País: EUA
Classificação: 14 anos
Nota: 5 (0 a 5)

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21 novembro 2018

"PO" - uma abordagem sensível e emocionante do autismo que toca o coração

A relação entre um pai e seu filho autista, que sofrem com a perda da mãe e precisam reconstruir a família (Fotos: Cineart Filmes/Divulgação)

Maristela Bretas


Para muitos pode parecer mais um filme piegas, que faz chorar, sobre um assunto diversas vezes abordado pelo cinema - o autismo. Mas "PO" ("A Boy Called Po"), que estreia nesta quinta-feira (22) nos cinemas, com distribuição da @CineartFilmes, é uma produção sensível, emocionante desde o início, com uma trilha sonora irrepreensível composta e interpretada por Burt Bacharach, que tem como música-tema a maravilhosa "Close To You".


"PO" apresenta uma nova abordagem sobre o autismo e é um filme para ser visto por pessoas com sensibilidade para entender e acompanhar o drama de um pai viúvo que terá de criar sozinho o filho autista e ainda conciliar seu trabalho e as despesas com a casa e a criança. Christopher Gorham (da série de TV "Covert Affairs"), no papel do pai David Wilson, e o estreante Julian Fader, que surpreende como PO, o filho autista, estão muito bem ao mostrarem uma relação que tinha uma mãe que os unia e agora precisará ser refeita para que os dois possam continuar como uma família.


Após a morte da esposa, vítima de câncer, David Wilson fica com a responsabilidade de cuidar sozinho do filho Patrick, que gosta de ser chamado de PO, um garoto autista extremamente inteligente, mas que enfrenta o preconceito e o bullying na escola e das pessoas à sua volta. Para fugir do mundo real, cria seu próprio universo, onde ele é perfeito e convive apenas com pessoas e personagens que o deixam mais confortável. 


Enquanto isso, a relação com o pai, que faz de tudo para compreendê-lo, ao mesmo tempo em que precisa equilibrar o sofrimento com a perda da esposa, o trabalho e as despesas, vai se tornando cada vez mais distante. Os dois terão de aprender a dividir seus sentimentos para superar o trauma e evitar que o autismo tome conta totalmente da mente de PO e o leve para sempre para o seu mundo imaginário.


A abordagem do longa “PO” já foi usada em outra produções, mas o diretor John Asher soube aproveitar bem o tema ao inserir a letra de "Close To You", composta por Burt Bacharach e lançada em maio de 1970 pela dupla The Carpenters (foi um de seus maiores sucessos) para ilustrar o drama de pai e filho. E fazer chorar, com certeza. Confira aqui.


Além dela, compõe a trilha sonora a bela "Dancing With Your Shadow", interpretada por Sheryl Crow, também composta por Bacharach em homenagem a sua única filha, Nikki, que se suicidou em 2007 aos 40 anos, e era portadora da Síndrome de Asperger, um tipo de autismo. Clique aqui para curtir.


O longa ainda conta com belas locações, especialmente as imagens do universo imaginário de PO. Produzido em 2017, mas só agora estreando nos cinemas, "PO" já circulou por festivais mundo afora e ganhou prêmios de Melhor Filme no Albuquerque Film & Music Experience, Palm Beach International Film Festival, San Diego International Film Festival e WorldFest Houston. O ator-mirim Julian Feder também foi destaque nas premiações, levando troféus de Melhor Ator em Young Artist Awards, WorldFest Houston e Albuquerque Film & Music Experience. Um filme lindo, que merece ser conferido.


Ficha técnica:
Direção: John Asher
Distribuição: Cineart Filmes
Duração: 1h35
Gênero: Drama 
País: EUA
Classificação: 10 anos
Nota: 4 (0 a 5)

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