30 janeiro 2019

Original e criativo, "Vice" é, antes de tudo, um filme cínico

O diretor Adam McKay fez a escolha acertada ao chamar Christian Bale para viver o personagem Dick Cheney (Fotos: Universum Film/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Não há como negar: é muito criativa a forma que o diretor Adam McKay encontrou para mostrar como o jovem beberrão e mau elemento Dick Cheney se transformou, durante um tempo, no homem mais poderoso do mundo. A história do vice-presidente de George W. Bush, que ficou no poder de 2001 a 2009, é contada de um jeito original e único no filme "Vice", em que o diretor convida constantemente o espectador a observar, refletir, participar.

A narração em "off" e o depoimento direto para a câmera de alguns dos coadjuvantes da vida de Dick ajudam a carregar na ironia, quase caindo na galhofa. Não faltam piadas entre uma e outra cena, algumas ridicularizando figuras conhecidas da política norte-americana.

Não é por acaso que "Vice" é classificado por muitos como "comédia dramática". Na verdade, Dick Cheney parece ter nascido personagem. Coube a Adam McKay a difícil tarefa de mostrar ao público de forma inteligente o verdadeiro tabuleiro de xadrez da política e a falta de escrúpulos do segundo homem dos Estados Unidos quando se tratava de atingir seus objetivos. Principalmente no episódio das Torres Gêmeas, no 11 de setembro de 2001, que acabou desencadeando a questionável Guerra do Iraque.

Outro acerto de McKay foi a escolha de Christian Bale para viver o protagonista. Como sempre faz, Bale entrou de cabeça, emprestando seu corpo às transformações necessárias para dar credibilidade a um Dick contraditório, ambicioso, vaidoso e prepotente, porém escorregadio e evasivo. O ator se transforma diante dos olhos do espectador na medida em que o tempo passa, num jogo de expressão corporal e composição perfeitas do personagem. É assim que ele cativa o público e dá credibilidade às manobras e manipulações do vice.

Assim como a mulher de Dick, Lynne Cheney, foi fundamental na vida e na carreira política do marido, a atriz Amy Adams é de fundamental importância em "Vice", interpretando a típica esposa que age nos bastidores, aconselha, joga e, acima de tudo, também ama o poder. A química entre o casal é visível e passa verdade e cumplicidade.


Steve Carell, que faz o deputado Donald Rumsfeld, com quem Dick começa sua carreira, também brilha como o político esperto sempre disposto a atingir seus objetivos. Sam Rockwell dá seu recado como um George W. Bush tão manipulável quanto perigoso, e Jesse Plemons enche o filme de interrogações como Furt, o "doador do coração" - pra não dar spoiler.

"Vice" está indicado ao Oscar de "Melhor Filme", "Melhor Diretor", e Christian Bale concorre a "Melhor Ator" - entre outras indicações. Merecidamente, diga-se. Ao final surpreendente do filme fica no público a certeza de como somos todos manipulados pelos políticos e pela mídia. A ideia que passa, por mais cínica que possa parecer, é: somos todos otários.
Duração: 2h12
Classificação: 14 anos
Produção: Imagem Filmes


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28 janeiro 2019

O provocante "Roma", de Alfonso Cuarón, é silêncio e poesia em estado bruto

A história se passa nos anos 1970, no México mostrando o dia a dia de uma empregada doméstica e os problemas sociais enfrentados pelo país (Fotos: Netflix/Divulgação)

Jean Piter


O nome do filme é Roma. E não, não é sobre a capital italiana. É sobre a vida de uma empregada doméstica e babá chamada Cleo (Yalitza Aparicio). Ela trabalha para uma família de classe média alta, em Cidade do México (capital mexicana), no bairro chamado Roma. A história se passa nos anos 1970. O longa tem sido muito elogiado pelos críticos e amantes do cinema.

Mas o que Roma traz de tão diferente? Cleo não é uma mulher da periferia que vai conhecer um homem rico e se casar com ele no fim, como a gente vê em muitas comédias românticas americanas. A história dela está muito longe de ser um conto de fadas. Em alguns momentos, temos a impressão de que se trata de um documentário sobre o dia a dia de uma empregada doméstica.

Cleo vive em quartinho pequeno na casa dos patrões. Se é que isso pode ser chamado vida. Trabalha muito, o tempo todo, cuidado da casa e das crianças. Ela está presente o tempo todo, sempre ocupada e, ainda sim, parece invisível. Quase não fala. E os silêncios do filme dizem muito. Filme que por sinal é todo em preto e branco.

A história vai se desenrolando em problemas cotidianos, daqueles que acontecem nas melhores famílias. As crianças, os patrões, e Cleo. Cada um com suas dores, suas angústias... Realidades tão diferentes dentro da mesma casa. Todos tentando seguir a vida normalmente, enquanto o país também passa por problemas políticos e sociais. É um filme focado em Cleo, mas que diz muito sobre um período da história do México.

É um filme provocante, que prende a atenção e faz pensar. Cheio de metáforas, nostálgico e poético, feito pra refletir, do tipo que fica gravado na memória. Tem encanto e beleza. É digno de muitos aplausos e elogios.

Produção
"Roma" é uma autobiografia do diretor mexicano Alfonso Cuarón. É dele o roteiro, a produção, direção, fotografia e montagem.

Premiações
* O longa ganhou o Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cinema de Veneza. No #GlobodeOuro2019 faturou as estatuetas de Melhor Diretor de Filme para Alfonso Cuarón e Melhor Filme em Língua Estrangeira, mesmos prêmios conquistados no #Critics'ChoiceAwards2019, além de Melhor Filme e Melhor Fotografia.

*O filme mexicano, produzido pela Netflix, é o primeiro na plataforma streaming a disputar o #Oscar2019.

* "Roma" e "A Favorita" são os filmes que mais receberam indicações para o #Oscar2019: são dez pra cada, incluindo melhor filme, diretor, e atriz.


Ficha Técnica
Diretor: Alfonso Cuarón
Produção: Netflix
Distribuição: Netflix
Duração: 2h15
Países: México / EUA
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos

Tags: #Roma, #AlfonsoCuaron, #Yalitza Aparicio, #drama, @Netflix, #streaming, #Oscar2019, @cinemanoescurinho