13 janeiro 2020

"O Caso Richard Jewell" - uma história sobre heróis e vilões fabricados por interesses

Sam Rockwell, Kathy Bates e Paul Walter Hauser formam o trio principal da trama, baseada em fatos reais (Fotos: Claire Folger/Warner Bros. Pictures)

Maristela Bretas


Poderia ser mais um filme sobre um herói comum norte-americano que sofre injustiça ao ser falsamente acusado de terrorismo. Mas nas mãos de Clint Eastwood, dirigindo seu 39º filme, a produção ganhou uma roupagem marcante. E ainda contou com as ótimas interpretações de Sam Rockwell ("Vice" - 2018 e "Três Anúncios Para um Crime" - 2017, que lhe valeu um Oscar), Kathy Bates ("Meia Noite em Paris" - 2011) e de Paul Walter Hauser ("Infiltrado na Klan" - 2018). A fotografia e o dilema do segurança que queria ser policial são bem explorados pelo diretor que gosta e sabe bem contar histórias de pessoas simples. 


No filme, baseado em fatos reais, além da ótima direção, o destaque é para Paul Walter Hauser, como Richard Jewell, o segurança de eventos que sempre sonhou em ser policial. Nada flexível quando o assunto era lei e ordem, para muitos que conviviam com ele, isso representava um problema. Um homem obeso, acima dos 30 e ainda vivendo com a mãe Bobi (interpretada por Kathy Bates), Richard era motivo de críticas e chacotas.


Como vigilante, não aceitava arruaça de jovens e coisas deixadas fora do lugar. Foi numa dessas situações que ele descobriu uma bomba e conseguiu afastar dezenas de pessoas antes da explosão, evitando uma tragédia maior durante as festividades dos Jogos Olímpicos de Atlanta (EUA) em 1996, quando morreram duas pessoas e 111 ficaram feridas. Ao mesmo tempo em que o comportamento submisso e inocente demais do personagem irrita em algumas situações (como um homem velho pode ser tão ingênuo), ele também se torna simpático e faz o público torcer por ele e para que consiga provar sua inocência.


De uma hora para outra ele se tornou herói nacional. E na mesma velocidade com que conquistou glória e fama, foi transformado em vilão nacional. Richard, um homem tranquilo e ingênuo que acreditava nas autoridades que um dia sonhava integrar, foi usado como bode expiatório para justificar os erros, a incompetência, os métodos escusos e a preguiça destas mesmas forças de segurança para buscar o verdadeiro responsável pelo atentado. 

O caso ainda contou com a participação de uma mídia sem ética, que só buscava o furo de reportagem que garantiria as manchetes, confiando apenas nas fontes, sem checar nada e acabando com a vida de uma família. É quando entra em cena o ótimo Sam Rockwell, no papel do advogado de Richard, Watson Bryant, que vai defender o segurança.


Clint Eastwood, com 89 anos, nos últimos tempos tem buscado em fatos marcantes ocorridos nos Estados Unidos para extrair personagens e suas histórias, transformando-os em heróis ou vilões. Os dramas diários ganham destaques que passariam despercebidos se não houvesse um “garimpeiro” como ele para identificar e transformar fatos simples em uma boa produção cinematográfica. Nem sempre isso dá certo, mas tem funcionado com o diretor e produtor. Um ponto negativo, no entanto, é o fato de, em "O Caso Richard Jewell", ele reforçar seu discurso armamentista, homofóbico e machista que sempre marcaram sua carreira. 

Paul Walter Hauser conversa com Clint Eastwood no set de filmagem

Um dos exemplos é o estereótipo criado para a repórter policial Kathy Scruggs (papel de Olivia Wilde) - a bela e sexy jornalista que só conseguia grandes furos indo pra cama com suas fontes. Mas na hora de escrever o texto precisava de um colega homem para redigir porque não teria competência para usar as palavras. Muito feia e dispensável essa colocação do diretor e do roteirista Billy Ray, mesmo que existam casos assim na imprensa americana. Olívia também tem boa interpretação e até merecia mais espaço na trama. 



O filme foca no drama de Richard Jewell em provar sua inocência e o que ele, sua mãe e seu advogado tiveram que passar. Considero um ponto falho na narrativa o intervalo de seis anos até a prisão do verdadeiro terrorista - Eric Rudolph, que ainda cometeu outros três atentados antes de ser pego. Não há informações se houve alguma reparação de danos ou indenização recebida por Jewell e sua mãe pelas acusações ou se foi só um "desculpa e tchau" do FBI. Nem que fosse nos créditos finais. Apesar dos pontos negativos, "O Caso Richard Jewell" é uma boa história e merece ser visto, especialmente porque expõe situações bem semelhantes de fatos atuais.



Ficha técnica:
Direção: Clint Eastwood
Produção: Warner Bros Pictures / The Malpaso Company / Applan Way / Misher Films
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 2h09
Gênero: Drama
País: EUA
Classificação: 14 anos
Nota: 3 (0 a 5)

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12 janeiro 2020

"O Irlandês" é o melhor filme sobre máfia desde "O Poderoso Chefão"

Joe Pesci e Robert De Niro, juntamente com Al Pacino, formam o elenco principal desta longa e excepcional produção da Netflix (Fotos: Netflix/Divulgação) 

Jean Piter


O que te passa pela cabeça quando se fala em filme sobre a máfia? Famílias poderosas, ricas, influentes, respeitadas... Chefões muito inteligentes, disciplinados, bondosos com seus amigos e afilhados e ao mesmo tempo cruéis com seus inimigos. É uma relação de amor e ódio. Você até questiona algumas ações desses mafiosos, mas não deixa de admirá-los. As histórias são cheias de traições e reviravoltas, planos bem articulados e, claro, muito sangue. Assassinos frios e precisos são personagens indispensáveis nessas tramas. "O Irlandês", de Martin Scorsese, tem um pouco de tudo isso aí. Mas vai além e trás um olhar mais humano sobre o mundo do crime.


"O Irlandês" é baseado no livro “I Heard You Paint Houses” (“Eu Ouvi Você Pintando As Casas”, em tradução livre), de Charles Brandt, que narra a história real de Frank Sheeran (Robert De Niro). Um veterano da Segunda Guerra Mundial que acaba se envolvendo com mafiosos nos Estados Unidos. Trabalhando como caminhoneiro, ele entra em um esquema de desvio de carga para vender a mercadoria no mercado clandestino. E nesse cenário que ele conhece um dos chefes da máfia, Russell Bufalino (Joe Pesci). Eles se tornam amigos. Sheeran vira então um “faz tudo” para os negócios, recebe várias missões e executa todas com precisão e muita discrição, inclusive a de matar pessoas.


O olhar humano que Scorsese trás para a história está nos erros que os personagens cometem. Erros que qualquer pessoa normal comete. Escolhas erradas, decisões precipitadas e atos que a gente se arrepende depois. Diálogos que chegam a ser engraçados de tão idiotas, a ponto de você se perguntar: Nossa, como um chefão desses consegue ser tão burro? O filme mostra o lado da vaidade desses personagens, o quanto vivem em função do poder e de sempre quererem mais e mais, como se nunca fossem envelhecer, como se fossem imortais. O quanto eles se ocupam com isso e que eles acabam deixando de viver ao escolher esse tipo de vida. É um filme sobre as conquistas dos mafiosos, mas que dá destaque aos fracassos, ao saldo negativo que sobra no fim da vida, ao conjunto de uma obra que traz o questionamento: Valeu a pena essa vida?

Computação gráfica usada para contar a história do personagem de Robert De Niro (Montagem sobre fotos/Netflix)
Vale destacar o uso de computação gráfica para rejuvenescer os personagens, algo que ainda não tínhamos visto nessa intensidade. O mesmo ator fazendo um papel que envelhece ao longo de décadas. Por vezes, é visível o uso dessa tecnologia, o que deixa a imagem meio artificial, como a de personagens de videogame. Mas nada que comprometa a obra. É o recurso disponível e que foi usado da melhor forma possível.


"O Irlandês" é uma obra para se assistir mais de uma vez, mesmo tendo três horas e meia de duração, que é um tempo suficiente e adequado pra contar essas histórias. É um filme muito bem feito, com uma narrativa leve, que não cansa. Tem atuações maravilhosas de De Niro, Pesci e Al Pacino. Um trio que talvez a gente não veja mais atuando juntos. Uma obra prima de Scorsese que já nasceu como clássico. É o melhor filme sobre máfia desde "O Poderoso Chefão".



Ficha técnica:
Direção: Martin Scorsese
Produção: Netflix / Sikelia Productions / Tribeca Productions
Distribuição: Netflix Brasil
Duração: 3h29
Gêneros: Suspense / Drama / Biografia
País: EUA
Classificação: 16 anos
Nota: 5 (0 a 5)

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