05 março 2020

"Você Não Estava Aqui" convida o público a pensar sobre a chamada "uberização" do trabalho

Produção, em parceria entre Reino Unido, Bélgica e França, é dirigida pelo premiado Ken Loach (Fotos: Joss Barratt/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Do alto dos seus 83 anos de idade - talvez por isso - o britânico Ken Loach não costuma deixar pedra sobre pedra quando se trata de crítica social. Depois de colocar o dedo na ferida com "Eu, Daniel Blake", de 2016, sobre a via sacra insana de um trabalhador em busca de um simples seguro-desemprego, o diretor sacode o espectador com "Você Não Estava Aqui", filme que tem o poder de deixar o público paralisado e sem ação ao final da sessão. 


É um tapa na cara seu chamado à reflexão. "Para onde caminham as relações de trabalho nesses novos tempos?" - parece perguntar o longa, que trata do que se convencionou chamar de "uberização". Em tempos de hipervalorização do empreendedorismo e da meritocracia, Loach não foge do assunto e, de forma contundente, quase agressiva, deixa no ar: será que há esperanças?


O diálogo entre Richy Turner (Kris Hitchen) e Maloney (Ross Brewster), no início do filme, dá o tom do que estaria por vir. O primeiro é um desesperado candidato a um emprego, desfilando qualidades, se oferecendo ao sacrifício como um pedinte. O segundo é gerente de uma empresa de entregas, usando o já conhecido discurso: "Você não será empregado, mas parceiro/colaborador; você será seu próprio patrão/empreendedor; aqui não há horários nem regras". 


Ex-operário da construção civil, Richy Turner tem orgulho de ser trabalhador. Vive no subúrbio numa cidade no Norte da Inglaterra com a mulher Abbie (Debbie Honeywood), dedicada e incansável no seu árduo ofício de cuidadora de idosos. Com dois filhos - Seb e Liza Jane - o casal tem planos de comprar uma casa e melhorar de vida. Mas Seb (Rhys Stone) é um típico adolescente rebelde e parece perceber, antes de todos, que o pai se tornou um escravo. Não de um patrão, mas do sistema. Mais infantil, Liza (Katie Proctor), por sua vez, reage de outra forma à ausência dos pais. 


"Você Não Estava Aqui" (inexplicável tradução para o título original "Sorry We Misses You") é um nítido convite à reflexão e parece perguntar: Qual o valor do trabalho? O que significa ser um autônomo? Quais são os seus direitos? A tecnologia está a favor de quem trabalha ou de quem manda? O que será da chamada classe menos favorecida nesses tempos contemporâneos?

Enfim, Ken Loach mostra que a tão falada precarização do trabalho não é apenas um discurso. É um alerta para os que ainda sustentam algum sinal de humanidade.
Direção: Ken Loach
Classificação: 14 anos
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h40


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03 março 2020

"Luta por Justiça" leva ao cinema o racismo estrutural do Judiciário norte-americano

Michael B. Jordan é o advogado de Jamie Foxx nesta história, baseada em fatos reais (Fotos: Jake Giles Netter/Warner Bros. Pictures/Divulgação)

Jean Piter Miranda


Negros condenados à morte sem terem passado por um julgamento justo, com amplo direito de defesa, como prevê a lei. Um jovem advogado negro, idealista, recém-formado, que abre mão de ter uma carreira lucrativa para tentar ajudar aqueles que podem ter sido injustiçados pelo sistema. Essa é a trama central de "Luta por Justiça", novo filme do jovem diretor norte-americano Destin Daniel Cretton, estrelado por Michael B. Jordan, Jamie Foxx e Brie Larson.


Bryan Stevenson (Michael B. Jordan) é um jovem advogado negro formado em Harvard, uma das mais conceituadas universidades do mundo. Isso daria a ele a chance de ingressar em um grande escritório de Nova York, ganhar uma boa grana e seguir sua vida ao bom estilo americano. Mas, como foi dito, ele prefere dar assistência jurídica gratuita a presidiários negros que estão no corredor da morte no Alabama. O principal deles é Walter McMillian (Jamie Foxx), condenado pelo assassinato de uma adolescente branca na cidade em que vive.


A temática não é nova e é sempre retratada em filmes e séries nos EUA, com base em histórias reais. Como recentemente foi mostrado na ótima série "Olhos que Condenam", da Netflix. "Luta por Justiça" também é inspirado em um caso verídico. Isso já é o suficiente pra trazer o público para o lado dos advogados que buscam por justiça. Ao mesmo tempo, em cada cena, fica muito evidente o racismo estrutural, aquele que está enraizado nas práticas da polícia, na opinião pública e, principalmente, no sistema prisional. Por se tratar de um embate que se passa no mundo jurídico, não dá pra esperar surpresas.


Consulta de arquivos e conversas com testemunhas, em meio à hostilidade dos moradores da pequena cidade. Busca por erros na investigação, inconsistências e contradições em depoimentos, procedimentos ignorados, casos semelhantes ocorridos em outras localidades. É uma corrida burocrática contra o relógio, já que o tempo está passando para o condenado que aguarda no corredor da morte a data de sua execução. São pouco mais de duas horas de filme. O roteiro exalta Bryan e o coloca como herói perfeito.


Os outros personagens são mais humanos, com qualidades e defeitos, erros acertos, virtudes e medos. A união da comunidade negra em apoio a Walter e Bryan é um dos destaques. A disputa nos tribunais tem reviravoltas, mas nada que provoque muita emoção. As atuações são boas, condizentes com cada cena. Sem exageros, sem forçar a barra. Brie Larson é tão discreta que quase passa despercebida no filme como Eva, assistente de Bryan.

No fim, é tudo muito previsível. Não há nenhum pico de emoção. E pra não deixar pontas soltas, o desfecho de cada personagem é apresentado. Como terminaram ou como estão hoje. Cumpre assim o papel do longa, em boa dose. Nada além disso.


Ficha técnica:
Direção: Destin Daniel Cretton
Produção: Warner Bros / Endeavor Content / One Community / Participant / Macro / Netter
Productions / Outlier Society
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 2h17
Gêneros: Drama / Biografia
País: EUA
Classificação: 14 anos
Nota: 3,5 (0 a 5)

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